Esta semana um tema polêmico
predominou na cena dos noticiários brasileiros, em função de uma decisão do Supremo
Tribunal Federal. Foi a decisão sobre o Aborto para anencéfalos, uma
malformação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento
do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária.
O aborto sempre foi um tema
que trouxe discussões na nossa realidade, e não é de hoje que ele é capaz de
trazer divergências de opinião. Em razão disso, aproveito para trazer partes das
entrevistas de duas mulheres relevantes, mas com opiniões distintas sobre o
aborto. As entrevistas foram realizadas pelo Instituto Humanitas da UNISINOS e estão
publicadas em seu conteúdo total no sítio www.ihu.unisinos.br.
Acredito que depois dessa leitura, se pode refletir a respeito do tema e, quem
sabe, adotar alguma posição.
Em defesa da legalização e da descriminalização do
aborto
“O aborto traz uma dor
imensa, não é uma ação tranqüila. Mas deve ser uma opção em certas situações,
como em caso de violência, de abuso sexual, e, de maneira especial, em relação
às mulheres mais pobres. Essa é a bandeira que eu levanto”, afirma a teóloga Ivone Gebara, em entrevista concedida à redação do
Instituto Humanitas da Unisinos em 5 de março de 2007.
A senhora
se posiciona favorável ao aborto? Em que sentido?
Ivone Gebara - Antes de responder diretamente a essa
questão, gostaria de dizer que é preciso falar da descriminalização e da
legalização do aborto. O aborto ainda é crime e criminaliza sempre a mulher,
quando, muitas vezes, a escolha por fazê-lo não é dela. Sou a favor da
descriminalização e da legalização do aborto porque acho que existem certos
problemas que não resolvemos apenas apelando para os bons princípios. O aborto
traz uma dor imensa, ou seja, não é uma ação tranqüila. Mas deve ser uma opção
em certas situações, como em casos de violência, de abuso sexual, e, de maneira
especial, em relação às mulheres mais pobres. Essa é a bandeira que eu levanto.
Não é que a legislação pelo aborto precise ser limitada às mulheres pobres. É
que as mulheres de classe A, quando decidem fazer aborto, simplesmente fazem,
enquanto que as mulheres pobres, quando optam por ele, são vítimas do próprio
ato. Nesse sentido, os casos de mortalidade materna são muito grandes. Alguém
pode me dizer que essa proposta faz sanar o mal com outro mal. Infelizmente, é
isso. Se nós fôssemos pessoas ideais e não fôssemos essa mistura de bem e mal,
agiríamos de forma diferente. Mas somos essa mistura, essa contradição, essa
divisão em nós mesmos. Por isso, a meu ver, o Estado deve garantir a
possibilidade de aborto em casos necessários, assim como deve garantir outras
leis em torno dos transplantes, da venda e do uso de drogas etc. Mas acredite que
a problemática do aborto não é tranqüila para mim. Por isso, não se pode
reduzi-la a um debate entre quem é a favor e quem é contra, por princípio.
E como a
senhora se sente defendendo essa posição, mesmo sendo uma religiosa da Igreja
Católica, instituição que é terminantemente contra o aborto?
Ivone Gebara - A Igreja já foi terminantemente contra uma
porção de coisas. Foi contra o dinheiro a juros e, no entanto, põe seu dinheiro
nos bancos e trabalha com juros. A Igreja hierárquica fala do princípio de
respeito à vida, mas tem capelães militares, padres mandados para a guerra para
responder às necessidades espirituais dos soldados. Não é também uma
contradição quando se afirma o direito absoluto à vida? A decisão a partir
apenas de princípios é profundamente ambígua e é muito fácil. O “por princípio”
esconde um descompromisso com nossa realidade histórica. Pertencer a uma Igreja
significa também ser capaz de discordar dela. É como pertencer a uma família. A
discordância também faz avançar o próprio sentido da pertença. Eu não aposto em
uma Igreja marcada pelo dogmatismo e pelo autoritarismo puros. As posições que
a Igreja tem tomado nesse particular não expressam nenhum consenso das
comunidades cristãs. Muitas vezes, a Igreja e a imprensa têm trabalhado no
sentido de impressionar emocionalmente o grande público.
Eu não estou pleiteando que o aborto seja
identificado à limitação da natalidade. O aborto é um problema dramático. Mas
quero poder resgatar a vida dessas mulheres, sobretudo daquelas que se sentem
marginalizadas pelo sentimento da culpa e pelas feridas em seu próprio corpo.
Não posso dizer “tenha o filho e depois alguém vai te ajudar”. Não há ajuda
coisa nenhuma! A gente sempre acaba esquecendo dos bons propósitos tomados
emocionalmente.
Eu gostaria de poder frisar a capacidade de escolha
das pessoas quando estão diante de certos problemas. Mas nem sempre temos
condições de escolher o melhor. As escolhas são sempre condicionadas por
situações que, às vezes, não dependem de nós. Por isso, o melhor caminho é
sempre o da misericórdia, muito embora também aí possamos errar.
Quando nos dizemos pertencentes a uma Igreja, não
necessariamente aceitamos tudo o que dizem as autoridades eclesiásticas de olhos
fechados, de cabeça baixa. Temos o direito de discutir e discordar. O aborto
deve estar em discussão também na Igreja. A defesa do direito à vida deveria
ser ampla, larga e restrita. O primeiro direito à vida é o direito a comer,
beber, dormir, ter uma casa. Existe uma ideologia anti-abortiva que,
infelizmente, entrou na Igreja como se, através do aborto, pudéssemos nos
esconder das grandes questões vitais. O aborto aparece como o escudo de
moralidade de algumas pessoas para não enfrentar grandes questões: fome,
desemprego, violência, corrupção, acúmulo de riquezas nas mãos de poucos.
Então, reduzem a moralidade social a questões relativas à sexualidade.
“Sou absolutamente
contra o aborto”
Para
Zilda Arns, médica pediatra e sanitarista, “tentar solucionar os milhares de abortos
clandestinos realizados a cada ano no País com a legalização do aborto é uma
ação paliativa, que apontaria o fracasso da sociedade nas áreas da saúde, da
educação e da cidadania e, em especial, daqueles que são responsáveis pela
legislação no país”. Ela vê o embrião como um ser humano completo em
fase de crescimento “tanto quanto um bebê, uma criança ou um adolescente”.
Irmã do cardeal D. Paulo Evaristo Arns,
arcebispo emérito de São Paulo, Zilda é também fundadora e coordenadora
nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, organismos de
ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Viúva desde
1978, mãe de cinco filhos e avó de nove netos, vem recebendo diversas menções
especiais e títulos de cidadã honorária no país. Faleceu em janeiro de 2010
no Haiti, durante um terremoto que devastou a região onde ela realizava
trabalho humanitário.
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Confira a entrevista de Zilda Arns.
Em
que a senhora fundamenta sua posição radicalmente contrária ao aborto?
Zilda Arns - Sou absolutamente contra o aborto. Em
primeiro lugar, sou a favor da vida, e fundamento meu ponto de vista não
somente na fé cristã, mas também na ciência e em aspectos éticos e jurídicos.
Já está comprovado cientificamente que o feto é um ser humano completo, desde a
sua concepção e, por isso, tem direito à vida, como defende o artigo quinto da
Constituição Brasileira e o artigo segundo do Código Civil . Cabe ao
Estado o dever de tutelar e proteger a vida do embrião ou do feto de qualquer
ameaça, sob pena de violação dos direitos humanos.
Sou médica
pediatra e sanitarista, com mais de 47 anos de experiência em saúde pública.
Além disso, estou nos últimos 24 anos à frente da Pastoral da Criança
(instituição que acompanha 1,9 milhão de crianças com menos de seis anos, em 42
mil comunidades pobres do país). Por isso, tenho a convicção de que medidas
educativas e preventivas são as únicas soluções para o problema das gestações
não desejadas. Tentar solucionar problemas, como a gravidez indesejada na
adolescência, ou atos violentos, como estupros e os milhares de abortos
clandestinos realizados a cada ano no País, com a legalização do aborto, é uma
ação paliativa, que apontaria o fracasso da sociedade nas áreas da saúde, da
educação e da cidadania e, em especial, daqueles que são responsáveis pela
legislação no país. Não se pode consertar um crime com outro ainda maior,
tirando a vida de um ser humano indefeso. É preciso investir na educação de
qualidade, nas famílias e nas escolas.
É preciso,
antes de tudo, refletir. Será que nos países em que esse e outros abortos são
permitidos, os jovens e as mulheres estão mais conscientes e têm menos
problemas? Esta e outras questões estão relacionadas na carta que enviei,
no final de 1997, ao Congresso Nacional como apelo da Pastoral da Criança em
defesa da Vida, e artigos publicados em revistas e jornais nos últimos anos.
Antes de qualquer coisa, é preciso diminuir a desigualdade social e dar mais
oportunidades, principalmente às mulheres mais pobres.
Como
podemos formular a questão do estatuto do embrião, considerando sua implicação
na questão do aborto?
Zilda Arns - O embrião é um SER HUMANO completo em
fase de crescimento tanto quanto um bebê, uma criança ou um adolescente. Com a
evolução das ciências da reprodução humana, mais especialmente nas últimas duas
décadas, não há a menor dúvida de que a vida do SER HUMANO se inicia no momento
da concepção. Não se trata de um amontoado de células. Quando se dá o encontro
gamético, produz-se a primeira unidade da vida, que contém toda herança genética
e todos os requisitos para caracterizar a vida. As novas tecnologias como o
ultra-som, o monitoramento do coração do feto, a fetoscopia e a
histeroscopia , para acompanhar o que se passa no interior do útero, comprovam
ainda que o feto resiste e se defende dos agentes externos, que porventura
querem lhe tirar a vida. Para quem se interessar, pode confirmar essas
informações assistindo ao vídeo Grito silencioso , que mostra as reações do
feto em um processo de aborto induzido, realizado em um país onde a prática é
permitida.
Como
se caracteriza a abordagem ética do aborto?
Zilda Arns – Existe um princípio de injustiça
nessa prática. Mais uma vez, ao invés de consertar o tecido social roto, querem
jogar sobre a mulher o pesado fardo da injustiça social, oferecendo-lhe a
oportunidade de abortar o filho que veio abrigar-se em seu ventre, filho esse
que não planejou ou que foi concebido como conseqüência de um ato violento.
Pesquisas da Organização Mundial da Saúde (OMS) et al, publicadas em 1994,
comprovam que crianças mal tratadas, oprimidas, violentadas em seu primeiro ano
de vida têm forte tendência a se tornarem violentas e criminosas. Portanto, há
de se cuidar do ser humano, desde a gestação, e dar prioridade a atender às
crianças pequenas, menores de seis anos, e, mais especificamente, às crianças
menores de um ano, somando as forças das famílias, da sociedade e dos governos,
para que o tecido social seja forte e preservado. A ética e a moral não são
exclusivas da religião. Devem servir de guia para toda a sociedade, incluindo a
ciência e a técnica. Não faltam cientistas, juristas e legisladores que, no
exercício de seus mandatos e profissões, têm como objetivo maior a defesa e a
promoção da vida, a serviço do bem comum.
Fonte: www.ihu.unisinos.br
Um comentário:
Meu caro Jairo, parece que o foco das duas entrevistadas -uma de memorável memoria - não eh o que polarizou a discussão desta semana.
Parece diferente quando se sabe quen sen este feto "nascer" não sobrevivera mais que poucas horas. A perguntas que elas não respondem: Por que submeter a mãe e a família a tortura mental?
Vê-se asim que o foco eh outro. O anencefalo tem vida? Hoje as realidades de exames são outras!
Com votos de uma curtida chuva,
Achassot
Relenta incorrecoes: decorrenm den limitações do iPad
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