Frei Betto: "Em todas as classes sociais há dependentes de drogas". |
Os dados são alarmantes. De março de 2008 a
março de 2013, o número de adolescentes internados cumprindo medida socioeducativa
por envolvimento com drogas cresceu 192%. Os dados são da Secretaria da Justiça
e dos Direitos Humanos. E para comentar esta realidade, neste semana abro espaço
para quem possui competência para tal. Se alguém desconhece este grande brasileiro, lhes apresento Frei Betto; para mim, uma das melhores cabeças que este país possui, e que muitas vezes pouco se valoriza.
Carlos Alberto Libânio Christo,
nascido em Belo Horizonte em 1944, é escritor e religioso dominicano brasileiro,
autor de 53 livros, editados no Brasil e no exterior. Esteve preso durante a
ditadura, o que resultou em livros como “Cartas da Prisão” e “Batismo de Sangue”.
O artigo abaixo, falando sobre o problema das drogas é de sua autoria, publicado no dia 02 de junho último no site www.correiodacidadania.com.br.
O fenômeno das drogas atinge todos nós. Não há exceção.
Ainda que você não tenha um dependente químico na família, o perigo reside no
assalto. Nada pior do que ser assaltado por uma pessoa drogada. Qualquer gesto,
por mais inocente, pode representar na cabeça dele uma reação que merece a
morte.
Drogas: um fenômeno que atinge a todos nós |
Não é
apenas nas ruas que a existência de grande número de viciados preocupa. Em
todas as classes sociais há quem seja dependente de drogas. Não somente das
proibidas, como cocaína e ópio, mas também das que se podem adquirir em
farmácias (com receitas falsas) ou em hospitais (por desvio). Nos dois casos,
uma grana extra faz do funcionário um corrupto e a droga de tarja preta chega
fácil às mãos do usuário.
Famílias
de classes média e alta conhecem a tortura do que significa ter um parente
dependente químico. Por sua vez, o poder público, incomodado com a paisagem
urbana das cracolândias, advoga a internação compulsória. Medida, aliás,
adotada por certas famílias com recursos para pagar internação em clínicas de
(suposta) recuperação.
Restam
as perguntas que não querem calar, mas que famílias e poder público insistem em
abafar: o que induz uma pessoa a consumir drogas? Qual a solução para o
problema?
Se
amanhã hóstia de igreja, que é oferecida gratuitamente, virar grife, terá preço
de mercado, como jeans esfarrapados vendidos hoje em lojas sofisticadas. Ocorre
que só quem comunga por razões religiosas consome hóstias. Do mesmo modo, o
narcotráfico – que deve ser combatido com todo rigor – só existe porque há um
amplo e voraz mercado de consumo.
O que
leva uma pessoa a consumir drogas é a carência de autoestima. Sentindo-se
inferior, desalmada, pressionada pelo estresse competitivo, ela encontra nas
drogas o recurso para alterar seu estado de consciência. Assim, se sente bem
melhor do que ao enfrentar, de cuca limpa, a realidade. Sobretudo com certas
drogas, como a cocaína, que imprimem sensação de onipotência.
As "Cracolândias" já fazem parte da paisagem urbana |
Todo
drogado é um místico em potencial. Sabe que a felicidade é uma experiência da
subjetividade. Nada fora do ser humano é capaz de trazer felicidade. Dê a um
dependente químico barras de ouro para que abandone a droga e inicie vida nova.
Ele logo tratará de vendê-las para comprar drogas.
A
droga decorre de nossa escala de valores. Há nisso forte componente educativo.
Se um jovem é educado priorizando como valores riqueza, sucesso, poder e
beleza, tende a se tornar vulnerável às drogas. Elas funcionarão, periódica e
provisoriamente, como cobertor ao frio de suas ambições frustradas.
Alerto
meus amigos que têm filhos pequenos: deem a eles muita atenção e carinho,
especialmente até que completem 12 anos. Internações podem ser úteis em
situações de crise ou surto. Nunca como solução. Todo drogado grita em outra
linguagem: “Eu quero ser amado!”
E o
poder público, o que fazer diante desta epidemia química? Internação
compulsória? Funciona provisoriamente como limpeza da paisagem urbana. Em um
país como o nosso, em que o sistema de saúde é tão precário, difícil acreditar
que existam clínicas de internação em número suficiente para atender todos os dependentes
e que tenham suficiente pedagogia de recuperação.
O diálogo com os adolescentes ainda é uma das melhores formas de evitar o ingresso no mundo das drogas |
A
solução talvez não seja fácil para aqueles que já romperam vínculos familiares.
Contudo, há, sim, solução preventiva se o poder público cumprir seu dever de
assegurar a todas as crianças e jovens educação de qualidade. Um jovem que
sonha ser um profissional competente jamais entrará nas drogas se tiver
educação garantida, sobretudo centrada em valores altruístas, solidários,
espirituais.
Morei
cinco anos em favela. Aprendi que nenhum traficante deseja que seu filho siga
os seus passos. O sonho é que o filho seja doutor. Portanto, no dia em que o
poder público levar aos ninhos do tráfico mais escolas, música, teatro,
academias de ginástica, bibliotecas, e menos batidas policiais e balas “perdidas”,
teremos menos viciados e traficantes.
Portugal
ensinou muito ao Brasil: o idioma, o prazer do queijo, a religiosidade cristã,
a arte sacra, o gosto pela literatura etc. É hora de aprendermos também com
Portugal como lidar com as drogas. Lisboa é a capital europeia com menor índice
de homicídios.
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