União Pioneira de Integração Social - Brasília-DF |
Entre o final dos anos 90 do século passado e início
deste novo século estudei numa escola superior pertencente ao Grupo Mackenzie
em Brasília, a União Pioneira de Integração Social. Ali fui um aluno privilegiado,
por conhecer alguns dos melhores docentes da área de Ciências Políticas do
país. Dentre eles, se destacavam figuras ilustres como os professores Celso
Fonseca, Marcos Magalhães, Francisco Doratioto e José Luiz de Andrade Franco. Só
para terem uma ideia, Celso Fonseca e Marcos Magalhães são assessores do Senado
Federal e responsáveis pela memória documental daquela casa. Francisco Doratioto
é um especialista em história americana, com aprofundamento na Guerra do
Paraguai e autor de “Maldita Guerra”, obra excepcional que deu outra visão na
batalha mais sangrenta do sul do continente americano. José Luiz de Andrade
Franco foi um de meus orientadores e se especializou em história ambiental,
tendo assessorado por um determinado tempo o Ministério do Meio Ambiente. Também
escreve sobre o tema. Todos eram docentes da Faculdade do Mackenzie e, ao mesmo
tempo, da Universidade de Brasília. Todos com uma bagagem de conhecimento muito
extensa. E isso era notório durante as aulas, pois cada um demonstrava grande
competência naquilo que abordava.
Os movimentos separatistas reaparecem em momentos de radicalização |
E foi assim que, ao final desta formação, como trabalho
de conclusão, empreendi algumas horas de estudo num tema que sempre me intrigou
e eu almejava me aprofundar: o pensamento separatista que frequentemente
habitava as rodas de conversa da região sul. Apesar de todas as argumentações
ouvidas, eu buscava razões mais ampliadas para justificar esta postura. Alguns
diziam que se deveria convidar o estado paulista para fazer parte da nova
pátria, já que a pujança de seu parque industrial deixaria alijada a outra
parte rejeitada do país. Outros mais tradicionalistas e radicais achavam que o
projeto deveria ser empreendido de forma unilateral, composto somente pelo Rio
Grande, Santa Catarina e Paraná.
Aprendi muito sobre a filosofia que norteava este
separatismo, às vezes carregado de ódio, outras vezes de extremo egoísmo. Mas,
na maioria de seus adeptos, notava-se uma ignorância exacerbada. As razões
elencadas para tal ruptura, entre o Sul e o restante do país, eram das mais
diversificadas. Alguns justificavam a atitude pela riqueza que a região sulina
trazia em seu bojo, e que sustentava os demais estados pobres da região Norte e
Nordeste. Outros se gabavam pelo espírito empreendedor do sulista, que fazia
brotar projetos e empreendimentos de sucesso em qualquer região, por mais
adversa que fosse em termos de recursos e oportunidades.
A Floresta de Araucárias foi dizimada no Sul |
Paragominas no Pará é um dos locais de maior devastação florestal do país |
E quanto mais me aprofundava na análise das razões,
mais me certificava das contribuições inequívocas que as demais regiões
trouxeram ao desenvolvimento do Brasil como um todo. Também pude observar o
quanto o desenvolvimento e o progresso levado por gaúchos, catarinenses e
paranaenses aos mais longínquos territórios da porção oeste, norte e nordeste do país, também
foram predatórios, se se observar a questão ambiental. Numa abordagem bastante
sintética, o mesmo indivíduo sulino madeireiro que outrora investira sobre a
Floresta de Araucárias, e que compunha um grande bioma com a Mata Atlântica, a
Oeste de Santa Catarina e Paraná [e foi capaz de devastar praticamente a sua
totalidade], enviou herdeiros para o Mato Grosso e Goiás para desmatar e plantar uma das
maiores monoculturas de milho e soja que se tem notícia no mundo. Depois, sem
qualquer pudor, se apossou das florestas do Tocantins e do Pará, na região de
Paragominas, onde também estabeleceu um modelo bastante predatório, com uma cuia de
chimarrão na mão, uma motosserra no galpão e um trator equipado com a corrente
de derrubada na garagem.
O ator Walmor Chagas narrou a saga dos gaúchos em busca do Oeste brasileiro |
Para quem gosta de assistir documentários, a filial da
Rede Globo aqui no Sul, produziu anos atrás uma série em vídeos com a locução
do ator Walmor Chagas, contando a saga dos imigrantes do sul que investiram
sobre os estados do Centro-Oeste e do Norte. A série denominada “A Conquista do
Oeste”, numa alusão ao ocorrido em séculos passados na América do Norte [onde o imigrante inglês avançou sobre o território indígena a oeste e genocidou as tribos que lá habitavam], é rica
em depoimentos e imagens. Criada para a televisão, ela pode ser analisada sob
duas óticas. Numa visão reducionista, o individuo gaúcho, ou seus descendentes,
leva o progresso e o desenvolvimento aos mais recônditos rincões brasileiros.
Também leva seus costumes e naturalmente os impõe nestes lugares. E dentre
eles, excetuando-se o amor pelo folclore, pela música e pelas danças, e que deve
ser enaltecido, leva também seu comportamento de irrelevância para com a
preservação do solo e dos recursos naturais. Basta analisar as denúncias de
desmatamento que repetidamente se acumulam sobre as mesas do IBAMA e do
Ministério do Meio Ambiente. A maioria tem origem nos empreendimentos lá estabelecidos por empresários oriundos do Sul.
Portanto, se pode deduzir que a região onde habita uma
parcela pequena da grande população nacional, já trouxe inúmeros benefícios às
classes mais abastadas. Da mesma forma, em momentos que o Brasil necessitou da
mão de obra barata nordestina, dela se locupletou e assim construiu a nova
capital federal, construiu a maior hidrelétrica do mundo, a Ponte Rio-Niterói e
as rodovias de integração nacional. E mais recentemente, construiu os estádios
da Copa, as edificações do Minha Casa, Minha Vida e as obras de infraestrutura.
O elemento nordestino sempre foi fundamental nas grandes obras da construção civil |
Pois agora, passado o pleito eleitoral, e que foi um
dos mais acirrados da nossa recente história democrática, o separatismo volta à
tona. É de se entender por causa da disputa ocasionada por dois projetos
bastante representativos de classes, e até mesmo um pouco antagônicos. Foi o
que se observou depois do primeiro turno.
Todavia, me ponho em estado de choque ao ver as redes
sociais despejarem críticas absurdas e de extremo radicalismo aos nordestinos,
sabendo que o sonho de muitos no próximo verão é visitar as praias nordestinas
e aproveitar os serviços e benesses por lá encontrados. Além disso, muitos
desses que alardeiam o separatismo pelas redes sociais, hostilizando seus
patrícios com expressões chulas, já possuem casas e outros investimentos
naquela região.
Nossa democracia evidenciou alto grau de maturidade
nestes dois turnos de 2014, consolidando um processo que vem suprimir todos os
ranços do autoritarismo que vivemos por mais de vinte anos. Está na hora então
de mostrar bom senso, respeitar e aceitar a decisão de uma maioria, embora se
possa julgar pequena pelo resultado. Mas para aqueles que afoitamente se
manifestaram por deixar o país em função do resultado, que eu saiba não há
nenhum empecilho em nossas estradas e aeroportos. Basta confeccionar o
passaporte ali na embaixada mais próxima.
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