Mas outras práticas não muito saudáveis herdamos dos romanos e as conservamos até hoje. Aliás, inteligentemente a classe dominante as conserva e delas se utiliza sempre que necessário. Dentre elas a prática de amenizar conflitos proporcionando à população o lazer e a distração. Portanto, uma grande parcela de espetáculos incentivados pelo poder da mídia televisiva e escrita, mídias essas patrocinadas principalmente pela classe dominante, tem lá suas justificativas. E um destes espetáculos têm envolvido dezenas de milhares de cidadãos pelo país afora nas últimas semanas, com particularidade aqui no Rio Grande do Sul. Isto que me chamou a atenção e resolvi compartilhar com os leitores deste Blog a reflexão aqui trazida.
Primeiramente voltemos à Roma antiga, no auge de uma crise que levava todo império ao mergulho em um processo que redundaria no seu infortúnio. Nesta época, imagine uma grande parcela da população romana sem qualquer atividade e mergulhada no desemprego, ou melhor, na inatividade. Era necessário que se fizesse alguma coisa para desviar a atenção desta casta, que já se mostrava inquieta com os rumos do Estado e com as precárias condições de sobrevivência. É neste momento que o império decide implantar em várias partes de seu imenso território, um entretenimento que daria fôlego aos desígnios romanos por mais alguns anos: os coliseus.
O coliseu de Roma, uma das sete maravilhas do mundo, serviu como palco de vários espetáculos, envolvendo principalmente batalhas entre humanos e felinos e proporcionando lazer e diversão ao povo romano. O envolvimento com os espetáculos e a distribuição de pão aos romanos famintos que ali se amontoavam para este circo de horrores, atenuava sobremaneira as possíveis cobranças que os mesmo pudessem impor aos imperadores. Ou seja, amenizada a fome e envolvidos emocionalmente nas disputas entre tigres e homens, não sobrava espaço para discussões e reflexões relativas aos seus destinos, quanto menos ao do império.
Agora viajemos um pouco mais no tempo, para chegar ao Brasil, e mais especificamente a Porto Alegre na semana que se encerra. Depois de um coliseu lotado na quarta-feira, dia 03 de dezembro, onde o Internacional arrematou merecidamente mais um campeonato inédito, provavelmente metade do estado comemorou o título em grande estilo. Neste domingo, dia 07 de dezembro, mais uma parcela de torcedores lota o coliseu Olímpico para torcer por seus gladiadores em mais um título nacional. A comemoração pode dar lugar à frustração, caso o Goiás não colabore em desbancar o hexacampeonato sanpaulino ajudado pela vitória tricolor. Por detrás de tudo isso há uma grande indústria de consumo e de lazer, apoiada pelo imenso poder da mídia, e que acaba alienando os incautos que dela não se apercebem. E isso acaba envolvendo a todos, principalmente aqueles que se fanatizam pela disputa, fazendo do espetáculo um componente da realidade. Pessoas que certamente não possuem condições sequer de se alimentar adequadamente, trocam o dinheiro ganho de forma tão sofrida por um ingresso no espetáculo.
E na segunda-feira? Qual será a discussão nos ambientes de trabalho de todos estes torcedores, que no estilo romano dos coliseus esteve presente ou acompanhou as lutas pela televisão? Certamente não será as expectativas em relação aos salários, cada vez mais achatados por um mercado onde há sobreoferta de mão-de-obra e postos de trabalho cada vez mais raros. Também não entrará em discussão a prorrogação dos pedágios em aprovação na Assembléia Estadual nos próximos dias. Também não estará sendo discutida a precária situação da educação pública estadual, que mais uma vez foi jurada de morte por uma greve docente que se repete anualmente, ou do aumento autorizado às escolas privadas para o ano de 2009 sem muitas discussões com a comunidade. Também certamente esqueceremos de discutir se a CPI do Detran colocará alguém atrás das grades pelo uso indevido do dinheiro público, o que elevou o preço das habilitações no Rio Grande do Sul ao maior nível do país.
Creio que as arenas construídas na beira do rio Guaíba e no bairro Azenha sejam coliseus para espetáculos de diversão, e nada mais do que isso. Portanto, não podemos nos deixar envolver por discussões que desviem nossa preocupação com outros fatos que envolvem toda a sociedade. Não podemos deixar que este embate entre clubes aliene nossa mente em discussões vãs e sem qualquer perspectiva de futuro. Aliás, é essa a intenção daqueles que detém o poder: fazer com que os cidadãos se sintam de certa forma tão envolvidos nestas disputas, que não haja tempo para reflexões e discussões acerca dos problemas que realmente nos importunam e determinam nosso futuro.
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