31 outubro 2014

A SOMBRA DO SEPARATISMO OUTRA VEZ

União Pioneira de Integração Social - Brasília-DF
Entre o final dos anos 90 do século passado e início deste novo século estudei numa escola superior pertencente ao Grupo Mackenzie em Brasília, a União Pioneira de Integração Social. Ali fui um aluno privilegiado, por conhecer alguns dos melhores docentes da área de Ciências Políticas do país. Dentre eles, se destacavam figuras ilustres como os professores Celso Fonseca, Marcos Magalhães, Francisco Doratioto e José Luiz de Andrade Franco. Só para terem uma ideia, Celso Fonseca e Marcos Magalhães são assessores do Senado Federal e responsáveis pela memória documental daquela casa. Francisco Doratioto é um especialista em história americana, com aprofundamento na Guerra do Paraguai e autor de “Maldita Guerra”, obra excepcional que deu outra visão na batalha mais sangrenta do sul do continente americano. José Luiz de Andrade Franco foi um de meus orientadores e se especializou em história ambiental, tendo assessorado por um determinado tempo o Ministério do Meio Ambiente. Também escreve sobre o tema. Todos eram docentes da Faculdade do Mackenzie e, ao mesmo tempo, da Universidade de Brasília. Todos com uma bagagem de conhecimento muito extensa. E isso era notório durante as aulas, pois cada um demonstrava grande competência naquilo que abordava.

Os movimentos separatistas reaparecem
em momentos de radicalização
E foi assim que, ao final desta formação, como trabalho de conclusão, empreendi algumas horas de estudo num tema que sempre me intrigou e eu almejava me aprofundar: o pensamento separatista que frequentemente habitava as rodas de conversa da região sul. Apesar de todas as argumentações ouvidas, eu buscava razões mais ampliadas para justificar esta postura. Alguns diziam que se deveria convidar o estado paulista para fazer parte da nova pátria, já que a pujança de seu parque industrial deixaria alijada a outra parte rejeitada do país. Outros mais tradicionalistas e radicais achavam que o projeto deveria ser empreendido de forma unilateral, composto somente pelo Rio Grande, Santa Catarina e Paraná.

Aprendi muito sobre a filosofia que norteava este separatismo, às vezes carregado de ódio, outras vezes de extremo egoísmo. Mas, na maioria de seus adeptos, notava-se uma ignorância exacerbada. As razões elencadas para tal ruptura, entre o Sul e o restante do país, eram das mais diversificadas. Alguns justificavam a atitude pela riqueza que a região sulina trazia em seu bojo, e que sustentava os demais estados pobres da região Norte e Nordeste. Outros se gabavam pelo espírito empreendedor do sulista, que fazia brotar projetos e empreendimentos de sucesso em qualquer região, por mais adversa que fosse em termos de recursos e oportunidades.

A Floresta de Araucárias foi dizimada no Sul
Paragominas no Pará é um dos locais de maior
devastação florestal do país
E quanto mais me aprofundava na análise das razões, mais me certificava das contribuições inequívocas que as demais regiões trouxeram ao desenvolvimento do Brasil como um todo. Também pude observar o quanto o desenvolvimento e o progresso levado por gaúchos, catarinenses e paranaenses aos mais longínquos territórios da porção oeste, norte e nordeste do país, também foram predatórios, se se observar a questão ambiental. Numa abordagem bastante sintética, o mesmo indivíduo sulino madeireiro que outrora investira sobre a Floresta de Araucárias, e que compunha um grande bioma com a Mata Atlântica, a Oeste de Santa Catarina e Paraná [e foi capaz de devastar praticamente a sua totalidade], enviou herdeiros para o Mato Grosso e Goiás para desmatar e plantar uma das maiores monoculturas de milho e soja que se tem notícia no mundo. Depois, sem qualquer pudor, se apossou das florestas do Tocantins e do Pará, na região de Paragominas, onde também estabeleceu um modelo bastante  predatório, com uma cuia de chimarrão na mão, uma motosserra no galpão e um trator equipado com a corrente de derrubada na garagem.

O ator Walmor Chagas narrou a saga dos gaúchos
em busca do Oeste brasileiro
Para quem gosta de assistir documentários, a filial da Rede Globo aqui no Sul, produziu anos atrás uma série em vídeos com a locução do ator Walmor Chagas, contando a saga dos imigrantes do sul que investiram sobre os estados do Centro-Oeste e do Norte. A série denominada “A Conquista do Oeste”, numa alusão ao ocorrido em séculos passados na América do Norte [onde o imigrante inglês avançou sobre o território indígena a oeste e genocidou as tribos que lá habitavam], é rica em depoimentos e imagens. Criada para a televisão, ela pode ser analisada sob duas óticas. Numa visão reducionista, o individuo gaúcho, ou seus descendentes, leva o progresso e o desenvolvimento aos mais recônditos rincões brasileiros. Também leva seus costumes e naturalmente os impõe nestes lugares. E dentre eles, excetuando-se o amor pelo folclore, pela música e pelas danças, e que deve ser enaltecido, leva também seu comportamento de irrelevância para com a preservação do solo e dos recursos naturais. Basta analisar as denúncias de desmatamento que repetidamente se acumulam sobre as mesas do IBAMA e do Ministério do Meio Ambiente. A maioria tem origem nos empreendimentos lá estabelecidos por empresários oriundos do Sul.

Portanto, se pode deduzir que a região onde habita uma parcela pequena da grande população nacional, já trouxe inúmeros benefícios às classes mais abastadas. Da mesma forma, em momentos que o Brasil necessitou da mão de obra barata nordestina, dela se locupletou e assim construiu a nova capital federal, construiu a maior hidrelétrica do mundo, a Ponte Rio-Niterói e as rodovias de integração nacional. E mais recentemente, construiu os estádios da Copa, as edificações do Minha Casa, Minha Vida e as obras de infraestrutura.
O elemento nordestino sempre foi fundamental
nas grandes obras da construção civil 

Pois agora, passado o pleito eleitoral, e que foi um dos mais acirrados da nossa recente história democrática, o separatismo volta à tona. É de se entender por causa da disputa ocasionada por dois projetos bastante representativos de classes, e até mesmo um pouco antagônicos. Foi o que se observou depois do primeiro turno.

Todavia, me ponho em estado de choque ao ver as redes sociais despejarem críticas absurdas e de extremo radicalismo aos nordestinos, sabendo que o sonho de muitos no próximo verão é visitar as praias nordestinas e aproveitar os serviços e benesses por lá encontrados. Além disso, muitos desses que alardeiam o separatismo pelas redes sociais, hostilizando seus patrícios com expressões chulas, já possuem casas e outros investimentos naquela região.

Nossa democracia evidenciou alto grau de maturidade nestes dois turnos de 2014, consolidando um processo que vem suprimir todos os ranços do autoritarismo que vivemos por mais de vinte anos. Está na hora então de mostrar bom senso, respeitar e aceitar a decisão de uma maioria, embora se possa julgar pequena pelo resultado. Mas para aqueles que afoitamente se manifestaram por deixar o país em função do resultado, que eu saiba não há nenhum empecilho em nossas estradas e aeroportos. Basta confeccionar o passaporte ali na embaixada mais próxima.              

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