27 junho 2015

DE TODAS AS QUERÊNCIAS...



Historiador e folclorista, Nico Fagundes morreu aos 80 anos
Desde 2006 aprendi que “quando um velho morre, é como uma biblioteca que queima”. Os saberes de um ancião que aprendeu com as agruras da vida, durante uma geração inteira, se traduzem em muito conhecimento acumulado. E isso, quando repassado para as demais gerações, significa também economizar esforços na busca do saber científico, numa evolução mais aprimorada e muito mais veloz do conhecimento. A teoria é do diplomata africano malinês Amadou Hampaté Bâ, falecido em 1991, um lutador em prol da preservação e da reabilitação das tradições orais africanas.

Assim também entendo a perda de um personagem como Antonio Augusto Fagundes para a nossa cultura e para nossas tradições gaúchas. Mesmo que haja consolo com o legado deixado por Nico Fagundes, certamente muito teríamos ainda a ganhar com sua permanência entre nós. Mas o grande folclorista deixou-nos uma obra muito significativa, rara dentre aqueles poucos que se dedicaram a estudar o elemento sulino que habita o pampa.

Algumas das obras do grande legado de Nico Fagundes
Nico gostava essencialmente da história do gaúcho, abordando a temática em alguns de seus títulos, tais como: História do Rio Grande do Sul, Mitos e Lendas do Rio Grande do Sul e O Combate da Ponte do Ibirapuitã. Também era dedicado ao resgate de causos gauchescos, inspirado por Joao Simões Lopes Neto, nosso mais notável contador de histórias. Alguns livros dele trazem causos humorísticos e de cunho pitoresco do folclore regional como: Os Melhores Causos de Galpão e As Santas Prostitutas.

Mas o que mais Nico Fagundes gostava era de reunir amigos. E amigos ele fazia em lotes, por onde andasse. Sua presença era sempre motivo de regalo entre os amigos, pois ali morava a simplicidade, morava o bom humor. Pude conviver alguns momentos com o Nico durante as Penhas do 35 CTG, ainda na década de 1970. Foi Patrão daquele CTG e se quarteava com o apresentador Vilmar Romera, recentemente falecido, durante a apresentação das penhas crioulas.

Grupo Internacional de Folclore "Os Gaúchos", fundado por ele
Por muitas vezes pude ouvir a voz de Nico Fagundes apresentando as atrações das penhas do 35 CTG. Grupos musicais, invernadas artísticas, chuleadores, trovadores, declamadores e repentistas de muitas partes do Estado, e de fora dele, foram apresentados e ali iniciaram suas carreiras artísticas pela exaltação de Nico Fagundes. Posteriormente, Nico passou a apresentar o programa “Galpão Crioulo”, sucedâneo do programa gauchesco de José Antonio Daudt na antiga TV Difusora de Porto Alegre.

Nico Fagundes abriu portas para muitos artistas e grupos que hoje são consagrados no cenário local e nacional. Que o digam, por exemplo, dois deles: Edson Dutra, com seu grupo “Os Serranos”, e o acordeonista de botão Borghettinho. Ambos se consolidaram como artistas renomados pela tela do Galpão Crioulo.

Norton do Carmo mantém até hoje seu Grupo de Danças
Mas além de tudo isso, Nico era um apaixonado pelo folclore gaúcho; suas danças, suas músicas e suas indumentárias. Esse amor pelo folclore foi tamanho que fundou um grupo internacional de danças, chamado “Os Gaúchos”, do qual fizeram parte muitos de meus amigos de adolescência. O grupo viajou pelo Brasil, pela América e pelo mundo afora, exibindo o folclore latino-americano. Até hoje as lembranças daquela época trazem saudade aos componentes que dele fizeram parte. O Norton do Carmo, um destes amigos, encontrei de outra feita no Rio de Janeiro, aonde o mesmo mantém um grupo de danças que viaja o mundo, e se apresenta em “cruzeiros marítimos” no litoral brasileiro.

Por isso tudo, Nico Fagundes foi capaz de contribuir no desenvolvimento de uma etapa de nossa história, resgatando a tradição gaúcha que ele bem conhecia em seu cerne desde o Alegrete, e que sucintamente junto com Bagre Fagundes, consolidou na letra do “Canto Alegretense”. Só nos resta agora lembrar parte desta letra no momento de despedida do “Poeta do Alegrete”: “E na hora derradeira que eu mereça, ver o sol alegretense entardecer; como os potros vou virar minha cabeça, para os pagos no momento de morrer”.  Este foi Nico Fagundes, de Todas as Querências.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
mesmo que toda tua blogada deste fim de semana seja uma justa homenagem a Nico Fagundes que perdemos um pouco no dia de São João, vou ficar no primeiro parágrafo, para a partir dele relatar-te o ocorrido no dia 17 passado, em Manaus.
Irlane Maia, professora da UFAM, minha orientanda de doutorado, quando na sessão de sua pré-qualificação de sua tese doutoral, na Rede Amazônica de Educação em Ciências e Matemática, na data antes referida, citou a frase: “quando um velho morre, é como uma biblioteca que queima”, creditando a autoria a Amadou Hampaté Bâ. Quando a questionei acerca da fonte desta autoria, ela foi peremptória: no blogue do Prof. Jairo Brasil, ‘aquele que é comentador de seu blogue’.
Assim, justificado porque fico centro meu comentário, hoje, ao parágrafo que faz a protofonia a laudação fúnebre a Nico Fagundes.
Com admiração,
attico chassot
mestrechassot.blogspot.com