04 outubro 2014

UM RESPEITÁVEL SENHOR DE 145 ANOS



Não, não se assustem com este título. Mas o senhor de quem eu falo, tem sim, 145 anos. Só um pouco.
Getúlio Vargas suicidou-se em 1954, deixando uma Carta à Nação

Como sou um admirador da ciência histórica, tenho paixão por monumentos e objetos que marcaram/marcam a trajetória das sociedades humanas. Toda vez que tenho a oportunidade de admirar estes ícones viajo no tempo com eles. Me ponho a imaginar o que aquelas paredes, tetos e pisos já viram passar por ali. Claro que, com isso, podem me considerar um utopista, pois provavelmente dirão que estes seres inanimados não possuem olhos, muito menos sentimentos. Mas isso pouco me importa. Prefiro dar asas ao pensamento e sonhadoramente “enxergar” o que muitos só “veem”.

Outro dia estava no centro do município de Esteio, aqui na região metropolitana, e admirava um pedestal localizado na Praça do Soldado, em frente à Escola Unipacs, onde sou professor há mais de dez anos. E não é que me deparei com uma placa de metal com a carta-testamento de Getúlio Vargas? Sim, aquela onde ao final ele declara seu amor pelo país, deixando a vida para entrar na história. De imediato o pensamento voou e me remeteu aos idos de 1954. História é isso, faz a gente entender um pouco mais o presente com as lentes do passado. Hoje, em tempos de eleições gerais, onde se ouvem discursos vazios e propostas jamais cumpridas, me pergunto: “Que político daria a própria vida pelo país como Getúlio Vargas?”

O Mercado Público de Porto Alegre completa 145 anos
Mas esta semana quero fazer um tributo a um dos ícones da nossa história, um ser inanimado, mas que diz muito do que foi e é nossa capital. O nosso Mercado Público Municipal completa 145 anos. Inaugurado em 1869, sua edificação plantada no centro nervoso de Porto Alegre vibrou e sofreu muitas vezes.

Até a segunda administração de Saturnino de Souza e Oliveira, entre 1841 e 1842, Porto Alegre ainda não dispunha de um mercado central, sendo o comércio distribuído por vários pequenos estabelecimentos. Foi então constituída uma sociedade para a construção de um prédio adequado, localizado na antiga Praça do Paraíso, na área atualmente arborizada da Praça XV. Este primeiro Mercado Público tinha uma planta quadrangular, em alvenaria de tijolos e com um portão de ferro, ficando pronto em 1844 e devendo concentrar todo o comércio de carne da cidade. Em 1845 foi contratado seu rebocamento externo e caiação.

A chegada das barcaças no cais em frente ao Mercado Público
Em 1851 forma iniciadas discussões para construção de um novo prédio, mais amplo, e o engenheiro Frederico Heydtmann apresentou um projeto em 1861, mas o desenho foi alterado substancialmente com ampliação das dimensões e acréscimo de torres nos cantos. Homologado o projeto com suas adaptações, a construção teve sua pedra fundamental lançada em 29 de agosto de 1864. A inauguração ocorreu em 3 de outubro de 1869, sendo franqueado o acesso à população em 1 de janeiro do ano seguinte. A obra custou aos cofres públicos a importância de 246 contos de reis, bastante elevado para a época.

Em 1871 o pátio interior foi calçado, e arborizado em 1873. Em 1886 foram instalados 24 chalés no lugar das árvores. Na administração José Montaury foi elaborado um projeto de ampliação, construindo-se um segundo piso, para abrigar escritórios comerciais e industriais e repartições públicas. Em 1912, ainda em obras, irrompeu um grande incêndio que destruiu todos os chalés na área interna. O segundo pavimento ficou pronto em 1913, e novos chalés, agora de metal, bem como uma câmara frigorífica, foram entregues em 1915 pela empresa Bromberg & Cia.
 
A enchente de 1941 no centro de Porto Alegre
O mercado sofreu também com as enchentes da cidade, especialmente a de 1941. A água invadiu uma grande quantidade de bancas comerciais e afetou sobremaneira a estrutura da edificação. Também os incêndios fazem parte da história do senhor centenário, como os de 1976 e 1979.

Mas acreditem se quiserem.  Um dos fatos marcantes na vida do mercado público ocorreu durante a ditadura militar, na administração do prefeito Telmo Thompson Flores, de março de 1969 a abril de 1975, nomeado este pelo regime. Um projeto previa a demolição do mesmo para dar lugar a uma ampla avenida interligando a rua Siqueira Campos com a avenida Julio de Castilhos. Grande parte da população se posicionou contra o projeto, já que alguns vereadores defendiam o Plano Diretor da cidade, com a argumentação de que o mercado público não teria vez diante do crescimento das grandes redes supermercadistas de então. Um dos mais ardorosos defensores do mercado na época foi o poeta Mario Quintana.

O incêndio de julho de 2013
O mercado público traz também em sua construção uma tradição afro-brasileira, já que em suas dependências no período inicial, escravos libertos obtiveram espaço para vender suas mercadorias e procurar empregos informais. Mas isto é outro aspecto histórico significativo a ser resgatado posteriormente.
 
Tombado como Bem Cultural, passou entre 1990 e 1997 por um processo de restauração, agregando mais qualidade a sua estrutura e recuperando a concepção arquitetônica original. Infelizmente, mais uma vez um incêndio interrompeu as atividades do mercado no ano de 2013, como uma sina a que o velho senhor já se acostumou nestes anos todos de convivência com a população. Assim que as chamas tomaram conta do monumento, naquele 06 de julho, lembrei-me de imediato do Memorial do Mercado Público que eu havia visitado algum tempo atrás. E onde fiquei extasiado com as fotos que mostravam cenas de época da construção. As barcaças chegando desde Lajeado, Estrela, Montenegro, São Leopoldo através do Rio dos Sinos, Rio Taquari e Jacuí trazendo verduras, hortaliças e abastecendo a capital. Até hoje não fiquei sabendo se aquelas raridades foram salvas. Fiquei torcendo para que estes documentos não se percam.      
 
A reforma depois do incêndio procura recuperar as áreas destruídas
E depois que a reforma terminar, prevista que está para 2015, tomara que a cidade continue valorizando este monumento que diz muito da nossa história e simboliza a perenidade do povo gaúcho. Que consigamos continuar visitando o mercado com suas bancas de peixes, carnes, salame e queijo, erva-mate, chás de infusão, revistas, comidas típicas e o doce sabor da história que fervilha naquele lugar. Que ele ultrapasse as barreiras do tempo e da modernidade, e seja reconhecido sempre pelo resgate histórico que suas paredes, seu teto e seu piso anunciam a cada visita que ali se faz. Este é meu grande desejo. Parabéns pelo seu dia, Mercado Público, meu respeitável senhor de 145 anos.
    
Fontes: Jornal Zero Hora (edição 05.11.2012), wikipedia, google maps

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caríssimo amigo e colega de blogares,
Não sei quais dos dois assuntos de teu blogue que considero mais relevante. Getúlio, marcado pelo teu viés de admirador do caudilho ou o mercado, onde aflora tua verve de historiador.
Um e outro dos temas trazem a marca de uma leitura enriquecedora. Cumprimentos pela qualidade e oportunidade dos dois blogares.
Sirvo-me do ensejo para anunciar que em mestrechassot.blogspot.com, trago uma breve reflexão a cerca deste domingo, 5 de outubro, buscando adjetivá-lo. Concluo: ele é mesmo solene.