03 janeiro 2015

ESCRAVOS DOS MARES



Nos últimos tempos muita visão tem se dado nos meios de comunicação à ocorrência do trabalho escravo, e das mazelas a que os seres humanos são submetidos por causa dele. Em muitas edições deste semanário dei destaque a estas penúrias, mostrando a decadência de certas empresas que são capazes de qualquer coisa para buscar o lucro fácil. 

O Ministério Público do Trabalho tem sido incansável no resgate de trabalhadores submetidos a estas condições. Um dos casos mais recentes, e que repercutiu sobremaneira entre a população da região, foi o de um idoso submetido numa fazenda. O proprietário, além de ressarcir todos os direitos ao trabalhador sob a exigência do Ministério do Trabalho, tem prazo para lhe fornecer uma residência digna. 
  
O trabalho portuário também encerra trabalho escravo
Mas quem pensa que o trabalho escravo está somente em terra firme, se engana. Esta prática também se dá no trabalho marítimo, e com bastante intensidade. A exploração da mão de obra bem longe dos recursos legais, dificultando a denuncia, não é nova. Ela tem passado bastante largo, podendo ser comprovada ainda na Antiguidade, quando uma grande parte dos trabalhos era realizado em sua maioria pelo transporte marítimo ou fluvial. Não foram poucos os trabalhadores submetidos à escravidão desde os fenícios, os egípcios e outros povos que se utilizaram do mar como meio de desenvolvimento.

Outro dia, fui tomado de surpresa por uma notícia vinda do nosso maior porto da região, o Porto de Rio Grande. Dizia o jornal local em manchete: “Tripulação denuncia falta de alimentos em navio fundeado em Rio Grande”. E ainda complementava em seu texto que:

A tripulação de um navio de bandeira liberiana denunciou ao Ministério do Trabalho em Rio Grande, no Sul do Rio Grande do Sul, que os marítimos estão sem alimentação dentro da embarcação. O navio está fundeado fora da barra do Porto de Rio Grande desde o dia 9 de agosto.

Trabalhadores pedem ajuda em Rio Grande
O navio Adamastos carregou 50 mil toneladas de soja no porto gaúcho e tinha como destino a China. No retorno, a embarcação acabou encalhando dentro do canal do porto e precisou do auxílio de rebocadores.

Na vistoria realizada pela Capitania dos Portos, foram constatadas diversas irregularidades no navio, como problemas no motor. A embarcação recebeu a determinação de ficar retida até que todos os problemas sejam sanados.

O cargueiro tem 20 tripulantes de diversas nacionalidades, como filipinos e egípcios. As dividas com resgate e mais taxas portuárias ultrapassam R$ 1 milhão. Como o dono do navio não se manifestou, as agências de navegação não fornecem mais alimentação para a tripulação.”

Não sei se os leitores sabem, mas o Ministério do Trabalho atua em duas frentes para debelar casos de injustiça com os trabalhadores; há a Delegacia do Trabalho em terra e a Delegacia do Trabalho marítimo, que atua em casos específicos desta área. No caso destes trabalhadores, que não são brasileiros, não possuo maiores informações de como o ministério atua. Mas certamente, estando em território brasileiro, isso poderá repercutir negativamente em âmbito internacional nas altas cortes. Portanto, creio que a intervenção do ministério, buscando recursos para alimentar aquela tripulação, tenha ocorrido visando uma questão mais humanitária do que propriamente legal. 


Mas em outra oportunidade, conversando com um conhecido que atua como “prático” na Marinha Mercante nacional, me chamava ele a atenção sobre um aspecto destes cargueiros internacionais e seus trabalhadores. [O "Prático" é o profissional portuário responsável pela movimentação das embarcações no porto. Uma espécie de responsável pelo estacionamento e retirada dos navios. Por isso, creio ser importante o contato com pessoas de áreas totalmente distintas das nossas. Um bate-papo, uma boa conversa são insuperáveis para aprendermos coisas que jamais imaginamos, com pessoas cujas atividades somos muitas vezes inábeis. E isso sempre me encantou, aprender realidades díspares. Talvez este seja um dos segredos da sabedoria que se pode acumular, estar em contato constante com a diversidade.] Me dizia ele que, por detrás das bandeiras ostentadas por estas embarcações, se escondem inúmeras irregularidades.

A Libéria é um país pobre e vive em guerra civil
 Observando a notícia que republiquei acima, nota-se que o navio possui bandeira liberiana, acobertando muitas vezes grandes empresas europeias que se utilizam de equipamentos adquiridos e registrados em outros países. Trocando em miúdos, é como se eu comprasse um caminhão em São Paulo, mas o emplacasse em Sergipe, para fazer transporte de mercadorias entre estes dois estados e quisesse despistar qualquer vínculo dele com a minha localidade, ou dificultar investigações em caso de irregularidades. Detalhe sobre a Libéria: prá quem não sabe, é um minúsculo país na costa da África Ocidental, com uma das mais altas taxas de desnutrição mundiais. Outro aspecto da notícia, e que impacta diretamente na contratação de trabalhadores, é a origem destes. Para fugir à responsabilidade em relação a direitos trabalhistas, eles são contratados vindos das mais variadas nacionalidades, dificultando a fiscalização neste sentido.    

Portanto, não é exclusividade brasileira a existência do trabalho escravo nas mais diversas atividades. Este tipo de trabalho também se perpetua em âmbito internacional, e singra os mares diariamente, carregando riquezas de um continente a outro sob o manto da exploração do homem pelo próprio homem. E como um camaleão, se modifica e adquire requintes apropriados para fugir das autoridades.


Trabalho escravo: uma mancha na nossa sociedade!  
        

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