Protestos contra a PL4330 ocorreram em várias capitais do país |
O projeto de lei apareceu lá por outubro de 2004,
apresentado na Câmara Federal pelo deputado Sandro Mabel, do PMDB de Goiás. Tratava
da possibilidade de terceirização plena das atividades das empresas, não mais
como agora, em que às atividades acessórias é permitido terceirizar, como alimentação,
segurança patrimonial, informática e limpeza entre outras. De novo foi colocado
na pauta no início de 2013, mais uma vez polemizando e trazendo à pauta discussões
polemicas em torno do assunto. E diante de tanto alarde mais uma vez foi
engavetado. Mas agora, completando mais de dez anos, ele surge outra vez, mas como
panaceia para resolver os problemas de crise e de desemprego. Será?
É bastante complexo discutir este tema, embora na
minha opinião ele tenha algumas nuances que me levam a concluir ser
extremamente pernicioso aos trabalhadores. Mesmo que me tentem convencer das
oportunidades que podem surgir em vários campos de trabalho, onde iniciativas
individuais seriam capazes de tornar realidade projetos de empreendedorismo.
Acredito que para ser empreendedor deve-se ter um pouco de preparo, um pouco de
visão de negocio. Não é de um dia para o outro que a galinha dos ovos de ouro
surge no quintal de todo mundo. Por isso, se esta é a ideia vendida por aqueles
que defendem a aprovação do projeto, há por detrás de tudo isso um interesse de
reduzir custos de empresas. E esta redução está principalmente relacionada na
verdade à suspensão de direitos adquiridos pelos trabalhadores ao longo de
muitos anos.
Deputado Sandro Mabel (PMDB-GO): autor do projeto |
Trabalhei muitos anos na iniciativa privada e recordo
o quanto ela se debate em momentos de crise na busca de soluções para reduzir seus
custos, de maneira a manter seus lucros. Ora se cortam despesas administrativas,
ora se reduzem os investimentos, ora se incentivam cortes de orçamento, e assim
acontecem os ajustes necessários para a adequação ao momento. Todavia, a convivência
com os impostos e os tributos é praticamente inarredável, a não ser que se
corram riscos em que cada vez mais se está sujeito a uma fiscalização intensiva.
Basta perceber que há poucos dias já atingimos arrecadação recorde de impostos nos
últimos anos. Sendo assim, nesse momento, o projeto de lei do deputado Sandro
Mabel ressuscita e é aprovado a toque de caixa, numa expectativa do
empresariado nacional que, cansado de pressionar o legislativo por uma reforma
tributária ampla, vê neste projeto uma forma de amenizar os custos da mão de obra
através da redução de sua folha de pagamento.
Para explicar um pouco do que penso a respeito deste
projeto, vou repetir argumentos que eu trouxe numa outra postagem em março de
2013, quando o assunto havia entrado em pauta.
As atividades que iniciaram o processo de terceirização |
A
utilização de terceiros para realizar serviços, seja na empresa, seja em nossa
casa para algum tipo de tarefa para a qual nos consideramos incapazes, é uma
realidade. Ela teve um grande impulso nos anos 1990. Não que não existisse
antes disso. Mas foi a partir de então que as empresas foram instadas pelas
teorias administrativas a manterem o foco em suas atividades fins, evitando
assim investir em tarefas que não lhes eram de competência. Desta forma as
empresas de serviços terceirizados se multiplicaram e se especializaram em
áreas onde a maioria das organizações decidiu não mais se envolver.
Mas, na
medida em que esse tipo de novo conceito foi tomando conta das atividades
econômicas, e das empresas que demandavam esses serviços, outras áreas foram
sendo contempladas. Exemplificando o uso da terceirização, hoje em dia se pode
observá-la na construção civil, quando a obra necessita na etapa de acabamento
de serviços elétricos, hidráulico e acabamentos em gesso; na tecnologia da
informação, quando a empresa necessita de manutenção para seus computadores e
outros periféricos; na área alimentícia, onde as empresas deixaram de lado as
estruturas de refeitório para seus funcionários e as substituíram por empresas
especializadas.
Tudo isso
foi possível ao longo destes anos pela flexibilização da legislação
trabalhista, embora haja denuncias de uma “precarização” nas relações de
trabalho. O tratamento dado aos trabalhadores de empresas de terceirização tem
chamado a atenção das autoridades trabalhistas. Alguns direitos são sonegados
pelos empresários do setor, principalmente porque os quadros destas empresas
são compostos por pessoas humildes e desconhecedoras de seus direitos.
Nas constatações dos órgãos de fiscalização aparecem
evidencias contundentes de desrespeito aos trabalhadores, tais como, a
subtração de direitos fundamentais cooptados nas espécies de trabalho
flexibilizadoras, a fragmentação da classe devido a perda do poder
organizacional coletivo (sindicalização), a degradação do meio ambiente de
trabalho, pois os trabalhadores trabalham jornadas maiores, ocupam funções de
alto risco, geralmente não são capacitados para o trabalho e sofrem acidentes
do trabalho e doenças ocupacionais.
Na
verdade o trabalhador terceirizado acaba tendo de servir a dois senhores, e por
estes é avaliado constantemente, pois ambos possuem autoridade suficiente para
determinar a rescisão de seu contrato. Tanto aqueles para os quais o serviço é
prestado, e por isso, o trabalhador terceirizado, temendo uma dispensa inesperada
acolhe pacientemente as reclamações e reprimendas, quanto àqueles aos quais se
subordina por vínculo trabalhista legal, e para os quais presta conta
obrigatoriamente. Desta forma, o trabalhador acaba também assumindo a
responsabilidade pela estabilidade do contrato entre as partes.
E nos
últimos anos, uma atividade que tem a essência da terceirização, e para a qual
foi especificamente concebida, merece observação mais acurada: as centrais de
telesserviço ou os famigerados “telemarketing”. Digo famigerados porque tenho
ouvido depoimentos de alunos e alunas em sala de aula, que trabalham nestas
atividades, e que buscam outras qualificações, histórias de situações que
beiram a escravidão em alguns casos, como a proibição de excesso nas idas ao
banheiro e rigidez extremada nos horários de intervalo. Sem contar as condições
do ambiente de trabalho, com cabines minúsculas e metragem quadrada reduzida
para comportar quantidade enorme de atendentes.
Segundo
estudos da Fundação Osvaldo Cruz, o Brasil emprega na área de telemarketing
quase um milhão de trabalhadores, movimentando mais de 70 bilhões de reais por
ano. Um dos momentos mais estressantes desta atividade é o atendimento de
reclamações, quando o funcionário fica submetido a xingamentos e palavrões,
tendo se assumir uma postura passiva neste caso. Na pesquisa realizada pela
Fiocruz ficou nítida a dificuldade dos atendentes ao falarem com o cliente.
Eles tem de seguir um script predeterminado e são rigidamente supervisionados,
já que toda a conversa é gravada. O serviço de telemarketing quase não permite
que o trabalhador expresse sua subjetividade, o que provoca estresse emocional,
base de várias patologias.
O anexo
II da norma regulamentadora NR 17 traz conteúdo específico que se aplica a
todas as empresas de teleatendimento ou telemarketing nas modalidades ativo ou
receptivo em centrais de atendimento telefônico e/ou centrais de relacionamento
com clientes (call centers), para prestação de serviços, informações e
comercialização de produtos. Para quem quiser se aprofundar mais no assunto, é
importante atentar para detalhes como o mobiliário e equipamentos destes
locais, as condições ambientais e a organização do trabalho, a capacitação dos
trabalhadores e as condições sanitárias e de conforto. É uma área ainda a ser
estudada com maior afinco por todos nós que lidamos com a saúde e integridade
do trabalhador.
Um comentário:
Meu caro colega de blogares Jairo,
obrigado por alertares o quanto esta terceirização é nefasta. Ela não voraz apenas para os trabalhadores que perdem memoráveis conquistas consagradas pela CLT, como férias e 13º salário por exemplo. Mas faz os consumidores vítimas. Imaginemos uma escola terceirizando para diferentes empresas suas atividades fins. Para uma terceiriza o inglês; para outra a matemática; a outra ainda a história. Onde fica a missão da Escola?
Para bens pela trazida do assunto e aguardemos o desejado veto.
PS.: Obrigado pelo privilégio de almoçarmos juntos na última sexta.
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