10 maio 2009

UM CINQUENTÃO DE RESPEITO

Somos fruto de nossas escolhas. Se você faz escolhas, são elas as responsáveis por aquilo em que você se transforma. Por isso, creio que a escolha de meus pais pelo Educandário Espírito Santo, escola da antiga Chácara Barreto, em Canoas, foi muito feliz. Pelo menos é esta a minha e a impressão de muitos de nós canoenses que ali aprendemos nossas primeiras letras e compartilhamos momentos indescritíveis. E em 2009, esse estabelecimento está completando 50 anos. Por que não dizer, um cinquentão de muito respeito. Foi neste colégio que vivi alguns de meus melhores momentos da infância e adolescência.

São inúmeras histórias que poderia aqui relatar, ocupando quem sabe muitas das páginas deste periódico. Mas duas são muito peculiares, principalmente dentro desse momento grandioso do popular "colégio das irmãs", como foi sempre conhecido na comunidade. Estas histórias retratam a inocência de crianças em busca de experiências e de saciar a curiosidade das coisas. Uma delas, se não me falha a memória, quando já sou três anos mais velho que o Espírito Santo, ocorreu nos idos da década de 60, quando frequentava o terceiro ano primário. Foi naquele antigo prédio de madeira, quando a rua do colégio ainda se chamava Rua Ernesto Rubbo (Aliás, não sei o por quê da mudança!) e a Irmã Maria Egídia comandava a instituição. Vejam como foi:

"Certo dia, um colega chamado Edson Silva (acho que era esse o sobrenome), saiu para o intervalo de recreio com uma "lupa" potentíssima. Fiquei alucinado, se este é o termo correto, com aquele instrumento. Tudo que ao seu alcance se punha, quadruplicava ou quintuplicava de tamanho. Lembrei na hora dos óculos de costurar de minha avó Carolina. Eram tão fortes que eu certo dia ficara tonto por experimentá-lo longe do olhar de minha vó. Por isso, olhando maravilhado a lupa do Edson, logo associei: "A vó Belica (como a chamávamos) ficaria estupefata ao ver a potência deste artefato! Imagina ela costurando com isto!" Foi minha primeira idéia para o uso da lupa. Mas a experiência com aquela novidade não parou por aí. O Edson chamou-nos num canto do campinho de futebol da escola e, posicionando a lupa contra o Sol, torrou sem dó nem piedade uma pequena cigarra que pousara num capinzinho verde daqueles em forma de arco, lembram? A pobre cigarra nem sequer teve tempo de bater asas. Nesse momento, o Edson já era para nós, seus colegas, um reconhecido cientista e detentor de grande conhecimento. A palavra que mais cabia ali era: Eureka!
Mas o melhor estava por vir. O Edson apanhou um pequeno pedaço de madeira e imprimiu suas iniciais utilizando a energia solar. Eu e mais dois colegas ficamos extasiados com aquilo. Em poucos minutos estávamos todos imprimindo nossas iniciais na parede de madeira do colégio. Somente mais tarde nos dávamos conta da "estupidez" que cometeramos, pois não havia como nos inocentarmos daquele ato. Fomos chamados todos pela direção, tivemos de levar avisos de comparecimento a nossos pais, para se entenderem com a Escola. Nunca mais vimos a lupa, mas soube a partir dali quais suas múltiplas funções."

A segunda história se dá quando eu já me preparava para o "horripilante" Exame de Admissão, uma espécie de vestibular em pleno ensino básico. Aqueles alunos aprovados em Admissão não necessitavam cursar a 5.a série, e estavam diretamente aprovados para o Curso Ginasial, nosso atual Ensino Médio. Vejam como foi:

"Eram já quinze para o meio-dia e deixávamos a Escola para ir embora. Eu sabia de antemão, que naquele dia minha mãe havia ido ao médico e só chegaria em casa após as 14 horas. Por isso, estava com o tempo folgado e poderia conversar com meu colega José Carlos Sokal até mais tarde. Eu o considerava uma espécie de Professor Pardal, pois sempre possuía uma novidade a mais para compartilhar. E isso muito atraía minha atenção.
Naquele dia, o Sokal trazia um vidro destes de Nescau, repleto de um pó de cor cinza escuro. E me disse: "Vou te mostrar o poder deste pó! É algo maravilhoso!" Nesse instante meu olhos brilharam para descobrir o que era. Fomos descendo a Expedicionário, o Sokal conversando e eu com minha curiosidade quase incontida.
Ele apanhou um papel prateado, destes utilizados em carteiras de cigarro, embrulhou cerca de 30 gramas do pó cinza e torceu bem as beiradas. Depois sacou de uma caixa de fósforos, acendeu uma das extremidades do embrulho e jogou no chão. Em poucos segundos uma explosão fez o pacote se tornar poeira, com alguns fiapos de papel voando pela rua. Tinha ali meu primeiro contato com a "pólvora".
Seguimos, eu e o Sokal, fazendo experimentos com o pó mágico. Àquelas alturas, já havíamos esquecido até o horário. Resolvemos então fazer um pacote de maior quantidade, já que havíamos conseguido um papel prateado bem maior. Depois de embrulhar o pó e amarrar as extremidades, o Sokal acendeu uma delas. Todavia, a explosão não ocorreu. Foi aí que ele se aproximou do pequeno pacote para conferir. E então, inesperadamente a explosão aconteceu. Seu rosto foi tomado por uma série de escoriações, como se houvesse sido arranhado por uma dezena de felinos. Nunca vi coisa igual.
Rapidamente corremos até sua casa, onde sua mãe, tal qual a minha, não se fazia presente. No desespero de fazermos alguma coisa que amenizasse os cortes no rosto, eu e Sokal apanhamos uma caixa de curativos BandAid e colocamos em todos os ferimentos para que cicatrizassem. Meu colega agora se assemelhava nada mais nada menos que a Tutankamon.
Eu fui embora, e cheguei em casa faltando cinco minutos para as duas da tarde. Minha mãe ao chegar, perguntou porque eu estava tão "branco". Disse-lhe que o motivo presumível era o cansaço pela aula de "educação física" daquele dia. Que nada, era puro nervosismo. Soube no dia seguinte que o Sokal havia sido levado ao médico pela mãe, mas sem maiores consequências."

Pelos relatos observa-se que pouca coisa mudou no comportamento dessa idade. Entretanto, esses relatos denotam o quanto o Espírito Santo foi importante na minha e na vida de tantos outros colegas que por ali passaram. Por isso, neste momento em que o "colégio das irmãs", nosso eterno educandário, comemora seu cinquentenário, fica aqui um preito de gratidão a todos professores, funcionários e colega que ali conviveram estes momentos inesquecíveis. Devido a antecipados compromissos, não pude comparecer ao jantar comemorativo ocorrido em abril passado. Todavia, quero abraçar a todos os ex-colegas e professores, e registrar a presença da inesquecível Irmã Carmita no evento, cuja foto me foi aqui disponibilizada pela Betinha Petry, minha prima e ex-colega de escola. Beijão a todos e que em breve possamos nos encontrar novamente para relembrar aqueles bons tempos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Meu caro Jairo,
obrigado por trazer-nos memórias tão bonitos de tempos que agora têm o rótulo de saudades, como teu primeiro contato com a ‘pólvora’. Tive o privilégio de conhecer o “colégio das irmãs’ levado por tua amizade.
Para ti e para alunas e alunos e professoras e professores do Espírito Santo minha admiração e apreço
attico chassot
www.atticochassot.com.br