02 outubro 2009

A ANTROPOLOGIA, O PRECONCEITO E A OLIMPÍADA

A leitura para mim é um ópio. Estar com um livro disponível em minha pasta ou no porta-luvas do carro, tornou-se um hábito. Mas o tipo de leitura também é importante. Sou um aficionado em literatura não ficção, talvez por gostar de coisas mais concretas. Mas nem sempre tudo que leio é concreto. Pois se sabe que a verdade é inexistente em termos de conhecimento. Como Ilya Prigogine em “O Fim das Certezas”...“a vida só é possível num universo longe do equilíbrio” (p. 30). Por isso, por mais que se busque saber de coisas reais, elas parecem fazer parte cada vez mais do irreal, ou daquilo que foge ao nosso controle.

Nos últimos meses descobri um autor que muito tem me inquietado, principalmente por sua exuberante descrição da formação do povo que habita esse território. Creio que com esta dica, alguns de vocês já sabem de quem estou falando. Isso mesmo, um de nossos maiores intelectuais, o professor, antropólogo, romancista e político Darcy Ribeiro, falecido em fevereiro de 1997.

O dia de hoje tem tudo a ver com a obra desse autor, e se ele aqui ainda estivesse, certamente seria um dos mais exultantes pela conquista brasileira. Mas por quê? - Porque hoje, 02 de outubro de 2009, há poucas horas atrás, o Comitê Olímpico Internacional anunciava o Brasil como sede da Olimpíada de 2016. Uma comitiva de vários atletas brasileiros, políticos de destaque e autoridades de inúmeras modalidades esportivas se fizeram presentes na solenidade e vibraram com o anúncio. Entre os presentes, um brasileiro, por certo, tem muito a ver com a obra de Darcy Ribeiro: Luiz Inácio Lula da Silva, presidente da república. Sua origem se mescla com as raízes negra, índia e cabocla de nossos ancestrais, tríade incansavelmente estudada e referenciada pelo antropólogo.

Ninguém melhor para representar o país nesse momento do que o sindicalista do ABC que se tornou seu mandatário maior pelo voto. E alguns hão de lembrar o quanto o candidato Lula sofreu com o preconceito não só das suas origens, mas também da sua formação. Duvidava-se que um “torneiro mecânico” teria competência para administrar o país. Mas o que se tem observado parece surpreender àqueles que apostavam o contrário, até mesmo os experts internacionais da ciência administrativa. E atualmente, tece críticas com autoridade ao sistema financeiro internacional e é um defensor ferrenho de sua reforma. Adotando a verve presidencial, “nunca antes nesse país” se viu investimento tão significativo na redução das diferenças sociais, apesar das críticas ao tipo de programas adotados. Aliás, o Brasil sempre foi um país de preconceitos “velados”, com ênfase no preconceito de classes. É o que argumenta Darcy Ribeiro em sua obra “O Povo Brasileiro”: “As enormes distâncias sociais que medeiam entre pobres e remediados, não apenas em função de suas posses mas tambem pelo seu grau de integração no estilo de vida dos grupos privilegiados – como analfabetos ou letrados, como detentores de um saber vulgar transmitido oralmente ou de um saber moderno, como herdeiros da tradição folclórica ou do patrimônio cultural erudito, como descendentes de famílias bem sitiadas ou de origem humilde -, opõem pobres e ricos muito mais do que negros e brancos.

E hoje, ao receber o anúncio da cidade do Rio de Janeiro como sede do evento esportivo de maior repercussão mundial, o presidente foi às lagrimas e num pronunciamento emocionado pareceu se alinhar com o viés antropológico de Darcy Ribeiro, e certamente, redescobrindo a teoria desse que foi o maior estudioso de nossas origens. Disse Lula: “Vamos provar que a alma generosa dos brasileiros vai fazer a mais extraordinária olimpíada que este mundo já viu". Ainda, ressaltando o espírito continental assumido desde a sua posse, afirmou: "É a vitória da América Latina. "

Referências bibliográficas:

PRIGOGINE, Illya. O fim das certezas. São Paulo: Ed. Unesp, 1997.

RIBEIRO, Darcy, O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 2006.
_____________, O processo civilizatório: estudos de antropologia da civilização. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.

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