06 março 2010

A TELEVISÃO ONTEM E HOJE & UM CRIME POLÍTICO

Assistir televisão já foi uma grande distração e passatempo, nos idos em que a televisão aberta oferecia programação de conteúdo divertido e com poucas pretensões de marketing comercial, principalmente os programas de auditório. Tudo era feito ao vivo. Não haviam os recursos da gravação e do vídeo-teipe. Nesse tempo, os programas de auditório podiam ser considerados até mesmo inocentes. Alguns deles buscavam o entretenimento tão somente, com atrações que enfatizavam a busca do conhecimento, além de complementar a educação fornecida pela família e pela Escola.

Nas décadas de 1960 e 1970, programas de perguntas e respostas, versando sobre conhecimento geral, com a participação de especialistas em determinados assuntos, fez grande sucesso. Um dos primeiros que se pode destacar foi o “Programa Flavio Cavalcanti”, exibido aos domingos na extinta TV Tupi. O apresentador submetia o candidato a uma série de perguntas pré-elaboradas, onde os acertos a cada final de semana acumulavam um premio em dinheiro a ser recebido ao final. Ficávamos torcendo pela argúcia dos candidatos e pelo desfecho positivo derradeiro.

Um outro programa que conquistou os telespectadores ainda na década de 1980, foi o “Show do Milhão”, uma competitiva rodada de perguntas onde os candidatos eram submetidos a um desafio, e quando em dificuldades eram amparados por equipes de “universitários” que os auxiliavam nas respostas. Foi um grande sucesso, onde o SBT do empresário Silvio Santos acumulou centenas de pontos no IBOPE (Instituto Brasileiro de Opinião e Pesquisa).

Recentemente, Luciano Huck, apresentador da rede Globo de televisão aos sábados, resgatou parte dessa fórmula, apresentando um desafio de perguntas para alunos do Ensino Médio denominado “Soletrando”. Os candidatos representando todas as regiões do país participam de disputas eliminatórias, difundindo o conhecimento e a língua portuguesa na telinha.

Mas, uma análise breve dos atuais programas de auditório da televisão brasileira demonstra um grande apelo comercial. Numa lista rápida do que é possível assistir no final de semana, Fausto Silva, Gugu Liberato e Netinho de Paula, são capazes de tornar o final de semana uma apelação.

Fausto Silva, de posse da equipe de atores da Globo e dos membros alienados expulsos do BBB10, comandado pelo ex-jornalista e mercenário Pedro Bial, realiza entrevistas com os famosos. Com patrocínio de instituições de peso da economia nacional, compra o horário das tardes de domingo da Rede Globo e consegue se manter na tela há vários anos, com um conteúdo medíocre e sem inovação. Basta ver que a sua Dança dos Famosos já teve várias edições, e o formato não muda. Sem contar o encerramento enfadonho com as “Vídeo Cassetadas”, já tão manjadas.

Gugu Liberato, depois de ter sido afastado pelo Ministério Público por longo tempo da televisão, ao se utilizar de estratégia de entrevistas com supostos marginais encapuzados, está de volta, agora pela Rede Record. O MP comprovou o uso de falsos personagens pelo apresentador, numa busca frenética por preciosos pontos no IBOPE que disputava com Faustão. Seu Programa do Gugu, fórmula e nome mantidos desde a saída do SBT, pouca coisa inovou. O carro chefe de seu programa é o quadro “Sonhar mais um Sonho”, onde realiza a doação de residências e eletrodomésticos para pessoas de baixa renda, previamente escolhidas pela produção.

Netinho de Paula, apresentador que substituiu Gugu no SBT, também se apropriou da fórmula mágica das doações de moradias e eletrodomésticos, tal qual seu parceiro de emissora. No quadro “Um dia de Princesa”, em seu programa semanal, faz toda a família chorar, arrecadando vários pontos no Ibope e assumindo a ponta naquele horário. Tal como a família que é auxiliada no quadro do programa do apresentador Gugu, no programa do apresentador Netinho, os patrocinadores buscam atender todas as necessidades que completam o sonho da princesa: eletrodomésticos, cestas básicas mensais, atendimento odontológico e médico, massagens e tratamento estético, valores em dinheiro e, por fim, a tão sonhada moradia.

Analisando os últimos programas apresentados, tanto do apresentador Gugu, quanto do sambista Netinho de Paula, nada se pode criticar na questão das boas atitudes e da ajuda aos menos favorecidos, até porque são pessoas merecedoras de atenção e de condições financeiras precárias.

Mas, uma coisa me chamou a atenção no final de semana passado, quando Netinho de Paula em seu programa se propunha a construir uma casa para uma princesa do município de Belford Roxo. No meio de tantas doações e prêmios para sua princesa, o apresentador chamou no auditório a primeira-dama do município. Neste instante, eu e minha mulher nos postamos em frente a televisão, não querendo acreditar no que iríamos ouvir. Pasmem: a esposa do prefeito de Belford Roxo anunciou a doação de uma casa para a princesa, numa oferta solidária da prefeitura do município. Ficamos abismados! Por que não dizer, indignados! Como uma prefeitura pode realizar uma doação desse porte a uma única pessoa? Como não contempla outros moradores que porventura estão privados de moradia naquele município?

Para quem não conhece, Belford Roxo é um município brasileiro do estado do Rio de Janeiro. A população é composta basicamente por classe média baixa, estimada em 495.694 habitantes. Estende-se por uma área de 79 km² e faz parte da Região Metropolitana do Rio de Janeiro.

Gostaria, sinceramente, de uma explicação da Câmara de Vereadores de Belford Roxo sobre a referida doação, já que todos sabemos que o papel do município é tratar seus habitantes de forma justa e igualitária. Se utilizar de recursos públicos para atender necessidades específicas é ilegal. Realizar apelo de marketing em programa de televisão, certamente com objetivos eleitoreiros posteriores, é também um crime. Espero que essa atitude seja revista, pois não se pode mais tolerar o uso do dinheiro público desonestamente.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
teu texto além de trazer uma análise crítica da televisão brasileira resgata a historia deste artefato cultural em nosso passado, Parabéns por tuas análises,
Um abraço desde Estocolmo quando os termômetros registram désseis graus negativos nesse começo de domingo, quando no Brasil ainda é sábado,
Com admiração
attico chassot