19 junho 2010

MAIS UMA BIBLIOTECA QUE QUEIMA

Aprendi com o professor Attico Chassot um pensamento que se coaduna perfeitamente com a ausência que hoje me esvazia o coração. Um pensamento de autoria do historiador e etnólogo africano Amadou Hampâté Bá e que diz assim: " Quando um velho morre é como uma biblioteca que queima". E embora sua obra se perpetue entre nós, a morte de José Saramago, o único literato português a ser laureado com o Nobel de Literatura, nos deixa mais órfãos.
Saramago nasceu em Azinhaga, no Ribatejo, Portugal, de uma família de pais e avós pobres. A vida simples, passada em grande parte em Lisboa, para onde a família se muda em 1924 – era um menino de apenas dois anos de idade – impede-o de entrar na universidade, apesar do gosto que demonstra desde cedo pelos estudos. Para garantir o seu sustento, formou-se numa escola técnica. O seu primeiro emprego foi como serralheiro mecânico. Entretanto, fascinado pelos livros, à noite visitava com grande frequência a Biblioteca Municipal Central - Palácio Galveias na capital portuguesa.

Autodidata, aos 25 anos publica o primeiro romance Terra do Pecado (1947), mesmo ano de nascimento da sua filha, Violante, fruto do primeiro casamento com Ilda Reis – com quem se casou em 1944 e permaneceu até 1970 - nessa época, Saramago era funcionário público; em 1988, casar-se-ia com a jornalista e tradutora espanhola María del Pilar del Río Sánchez, que conheceu em 1986, ao lado da qual continuava a viver até então. Em 1955, começa a fazer traduções para aumentar os rendimentos – Hegel, Tolstói e Baudelaire, entre outros autores a quem se dedicava.

A Fundação José Saramago confirmou em comunicado que o escritor morreu nesta sexta-feira, dia 18, na residência dele em Lanzarote "em conseqüência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranqüila".

Nos últimos anos, o escritor foi hospitalizado várias vezes, principalmente devido a problemas respiratórios.

Começou a atividade literária em 1947, com o romance Terra do Pecado. Voltou a publicar livro de poemas em 1966. Atuou como crítico literário em revistas e trabalhou no Diário de Lisboa. Em 1975, tornou-se diretor-adjunto do jornal Diário de Notícias. Acuado pela ditadura de Salazar, a partir de 1976 passou a viver de seus escritos, inicialmente como tradutor, depois como autor.

Em 1980, alcança notoriedade com o livro Levantado do Chão, visto hoje como seu primeiro grande romance. Memorial do Convento confirmaria esse sucesso dois anos depois.

Em 1991, publica O Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro censurado pelo governo português - o que leva Saramago a exilar-se em Lanzarote, sua residência atéa morte.

Entre seus outros livros estão os romances O Ano da Morte de Ricardo Reis (1984), A Jangada de Pedra (1986), Todos os Nomes (1997), e O Homem Duplicado (2002); a peça teatral In Nomine Dei (1993) e os dois volumes de diários recolhidos nos Cadernos de Lanzarote (1994-7).

O livro Ensaio sobre a Cegueira (1995) foi transformado em filme pelo diretor brasileiro Fernando Meirelles em 2008.

A primeira biografia de Saramago, do escritor também português João Marques Lopes, foi lançada neste ano. A edição brasileira de "Saramago: uma Biografia" chegou às livrarias no mês passado, com uma tiragem de 20 mil exemplares pela editora LeYa.

Segundo o autor, Saramago chegou a pensar na hipótese de migrar para o Brasil na década de 1960. "Em cartas a Jorge de Sena e a Nathaniel da Costa datadas de 1963, Saramago considera estes tempos em que escreveu e reuniu as poesias que fariam parte de 'Os Poemas Possíveis' como desgastantes em termos emocionais e chega mesmo a ponderar a hipótese de migrar para o Brasil. Esta informação surpreendeu-me bastante, pois não fazia a mínima idéia de que o escritor chegara a ponderar a hipótese de emigrar para o Brasil e por a mesma coincidir com o período da história brasileira em que esteve mais iminente uma transformação socialista do país", disse Lopes.

Após lançamento da biografia, Saramago classificou a obra como "um trabalho honesto, sério, sem especulações gratuitas".

Ajuda ao Haiti

Saramago relançou em janeiro deste ano nova edição do livro A Jangada de Pedra, que tem toda a sua renda revertida para as vítimas do terremoto no Haiti. O relançamento da obra foi resultado da campanha "Uma balsa de pedra a caminho do Haiti", que do integralmente os 15 euros que custará o livro (na União Européia) ao fundo de emergência da Cruz Vermelha para ajudar o Haiti.

Em nota, Saramago havia explicado que a iniciativa é da sua fundação e só foi possível graças à "pronta generosidade das entidades envolvidas na edição do livro".

Obras publicadas

Poesias
- Os poemas possíveis, 1966- Provavelmente alegria, 1970- O ano de 1993, 1975

Crônicas
- Deste mundo e do outro, 1971- A bagagem do viajante, 1973- As opiniões que o DL teve, 1974- Os apontamentos, 1976

Teatro
- A noite, 1979- Que farei com este livro?, 1980- A segunda vida de Francisco de Assis, 1987- In Nomine Dei, 1993- Don Giovanni ou O dissoluto absolvido, 2005

Contos
- Objecto quase, 1978- Poética dos cinco sentidos - O ouvido, 1979- O conto da ilha desconhecida, 1997

Romances
- Terra do pecado, 1947- Manual de pintura e caligrafia, 1977- Levantado do chão, 1980- Memorial do convento, 1982- O ano da morte de Ricardo Reis, 1984- A jangada de pedra, 1986- História do cerco de Lisboa, 1989- O Evangelho segundo Jesus Cristo, 1991- Ensaio sobre a cegueira, 1995 (Prémio Nobel da literatura 1998)- A bagagem do viajante, 1996- Cadernos de Lanzarote, 1997- Todos os nomes, 1997- A caverna, 2001- O homem duplicado, 2002- Ensaio sobre a lucidez, 2004- As intermitências da morte, 2005- As pequenas memórias, 2006- A Viagem do Elefante, 2008- O Caderno, 2009- Caim, 2009.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
excelente essa postagem com uma linda mirada saramaguenha.
Aprendo a autoria de uma citação que uso muito: Quando um biblioteca...
Adito nesse comentário algo que escrevi: : ‘Pensador que disse corajosamente muitas das coisas que alguns de nós não dissemos, não apenas por que não pensamos tão profundamente, mas também porque não tivemos/temos aquela que foi uma das marcas maiores do escritor falecido ontem: ousadia”.
Com muita admiração,
attico chassot