03 julho 2010

FUTEBOL: A DECEPÇÃO BRASILEIRA

E a seleção brasileira de futebol decepcionou na primeira Copa do continente africano; e não se pode reclamar muito, pois nenhum país possui a quantidade de títulos mundiais que conquistamos em todos os tempos.

Nesse momento, sexta-feira pós jogo Brasil e Holanda, estou aqui na frente do televisor observando o quanto entendem de futebol os comentaristas esportivos. Todos são unânimes em traçar o jogador expulso Felipe Mello como grande culpado pela desclassificação nacional. Outros, especialmente aqueles de uma famosa rede televisiva brasileira, que entrou em confronto com o treinador brasileiro ainda antes da estréia, imputam toda culpa ao técnico do escrete brasileiro, Dunga.

Depois de uma aula na Escola Cristo Redentor, onde estive ao lado da dedicada turma TST01MA10 abordando normas regulamentadoras, como de costume, fui para casa assistir o jogo. Minha filha, que esteve comigo nesse momento, não parava de me perguntar após o jogo: “Pai! Quer dizer que acabou pro Brasil?” Ou seja, ela não se conformava que a equipe que representava o Brasil e tudo tinha para ser a única hexa-campeã da história, estava se despedindo da Copa da África.

Bem! É hora de usar a razão muito mais do que a emoção. Quem são esses onze homens que representam a nação numa competição internacional? Será que realmente são eles os verdadeiros representantes do futebol nacional? De onde vem? Quem os escolheu? Quem os comanda?

Para responder todas essas perguntas recorro a um texto disponibilizado pelo professor Attico Chassot em seu Blog, e que creio ser bastante esclarecedor, se não reconfortante nesse momento. O texto é parte de uma entrevista concedida pelo antropólogo e professor Edison Gastaldo ao Instituto Humanitas da Unisinos, e traz algumas respostas a essas questões.

Quanto a representatividade do futebol, o professor Edison Gastaldo destaca que

“O futebol representa as nações só em metáfora, nas figuras de linguagem. Aqueles onze jogadores não têm a bandeira do Brasil no peito. Eles têm o emblema da CBF. A FIFA não é a ONU. O futebol não é uma instância diplomática. Quem tem a dimensão da diplomacia internacional é a ONU. A FIFA organiza federações nacionais de práticas futebolísticas. Quando falamos que o Brasil vai jogar com a Argentina, temos que ter em mente que está jogando o time da CBF contra o time da AFA (Asociación del Fútbol Argentino). Tem um efeito simbólico de que aqueles ali somos nós. Mas eles são os jogadores do Ricardo Teixeira. Ele que escolhe o técnico, e este é quem escolhe os jogadores. E a CBF, como as outras associações de futebol, não prestam contas a governos, não representam o Brasil em termos práticos. Em termos simbólicos, sim. E essa metonímia é muito lucrativamente explorada pela FIFA, pela CBF e por todas as outras associações futebolísticas do mundo.”

Ainda perguntado pelo IHU se o futebol possui um viés diplomático e uma conotação política, o professor Gastaldo enfatiza

“Não vamos sobrevalorizar o futebol. Seu grande valor como fato social está no campo simbólico, no que ele significa para as pessoas. Como um instrumento de ação política, ele tem valor relativo. Coincidentemente, todo ano de eleição para presidente no Brasil é ano de Copa do Mundo. Todo ano vem algum jornalista me perguntar se a Copa é de propósito em ano de eleição e se ela influencia no resultado das votações. A resposta é sempre a mesma: não. A Copa do Mundo não influencia o resultado da eleição. É preciso relativizar o tal “poder” do futebol, que é de reunir uma audiência absurdamente grande em frente a uma tela de TV e de que, naquele momento, as pessoas se sentem mais brasileiras do que em qualquer outro. A política do futebol é um pouco pior do que a política normal. Na política normal, temos chance de votar a cada quatro anos. No futebol não temos chance de votar para nada. Os sócios de um clube têm uma participação ínfima na vida política de seus clubes. Os clubes de futebol no Brasil e a própria CBF são entidades fechadas em termos de participação política. Por mais que os torcedores que resolvam pagar para ser sócios dos seus clubes gostariam de influir nos destinos da instituição, eles não podem. Dentro de cada clube, de cada federação e de cada confederação, existem vários mecanismos de barreira para intervenção política. Não é por outro motivo que Ricardo Teixeira está, há décadas, no comando do futebol brasileiro. Ninguém vai conseguir tirar ele de lá enquanto ele não quiser sair. Ricardo Teixeira é genro do João Havelange, que foi, durante 28 anos, presidente da FIFA e, antes do Ricardo Teixeira, era ele o presidente da Confederação Brasileira de Desportos - CBD. Tanto é pequena a participação política que o sujeito foi presidente por décadas da CBD, saiu diretamente para a presidência da FIFA e deixou no seu lugar o seu genro. Ou seja, é uma questão de família.”

Não sei se o conteúdo trazido aqui pode amenizar esse sofrimento que toma conta da população brasileira, mas certamente dá um bom motivo para pensarmos se vale a pena tamanha preocupação. Afinal, logo adiante temos algo muito mais importante que diz respeito ao nosso país: as Eleições. E estas são coisas capazes de mudar nossas vidas, não uma Copa do Mundo.

Agradeço desde já a autorização do professor Chassot na disponibilização do conteúdo de seu Blog http://www.mestrechassot.blogspot.com/

A entrevista completa do professor Edison Gastaldo pode ser conferida em http://www.amaivos.com.br/.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caríssimo Jairo,
parabéns pelas análises trazidas acerca do futebol.
Fiquei orgulhoso em ver-me citado na tua postagem de hoje. Claro um pouco como ‘Pilatos no credo’, pois na verdade os créditos deste com precisão: o nosso ex-colega o antropólogo e professor Édison Gastaldo. Ele produz com competência naquilo que é objeto de pesquisa.
Realmente o futebol é máquina milionária. Li hoje que ele movimenta algo como 30% do PIB da Austrália.
Pois hoje os dois times pelos quais torcia foram mandados mais cedo para casa – para usar uma linguagem tão a gosto destes prolixos (e usualmente incompetentes) cronistas esportivos –. A Argentina – onde o Maradona é ícone por ter dado a volta por cima e o Paraguai – onde me sinto mais próximo dos hermanos guaranis do que dos aristocratas espanhóis.
Mais vez cumprimentos pelas excelentes postagens.
attico chassot

http://mestrechassot.blogspot.com
www.atticochassot.com.br