Era maio de 2002 quando pela primeira vez entrei em uma sala no prédio do SENAI de Taguatinga, cidade satélite de Brasília, como professor contratado para ministrar a disciplina de Tecnologia Industrial no curso Técnico de Segurança do Trabalho. Minha inserção nesse mundo docente da educação profissional teve a contribuição significativa do Saraiva, professor do SENAI e engenheiro de segurança do trabalho da Só Frango Alimentos Ltda que, ao perceber minha facilidade com treinamentos de funcionários, quando era Gerente Industrial na mesma empresa, convidou-me para substituí-lo. Posteriormente, veio conversar sobre a avaliação de seus alunos a meu respeito, e que foi bastante positiva, me incentivando a continuar. Como a experiência me cativou e houve o meu aceite, o Saraiva indicou-me à direção da instituição, na pessoa do professor Romerito Lima, Coordenador de Educação Profissional à época. Assim, fui contratado como professor do Centro de Formação Profissional de Taguatinga. Por isso, devo muito ao Saraiva a atividade docente que exerço atualmente.
Naquela turma em que iniciei, lembro bem, havia cerca de 25 alunos homens e apenas 3 mulheres. E olha que isso não faz muito tempo, 2002. Observei e chamou minha atenção de o curso ser predominantemente masculino. Como eu havia trabalhado sempre em empresas onde a mão-de-obra feminina tinha um certo predomínio, confecção e frigorífico, imaginava quando teríamos um equilíbrio nessa participação. É claro que a participação feminina nas indústrias relatadas acomete posições de inferioridade, pois quase todas ocupam cargos de baixos salários. Por isso, em algumas empresas onde comandei o processo industrial me acerquei da competência feminina para algumas áreas estratégicas. Em Mandirituba, uma pequena cidade próxima de Curitiba, onde gerenciei um frigorífico do Grupo Interagro, tive a Cleusa como minha supervisora de Plataforma e Escaldagem. Pessoa de extrema confiança e que jamais me decepcionou. Não sei se ainda continua por lá, mas, certamente pelo seu empenho e dedicação ampliava cada vez mais suas possibilidades. Em Londrina, no norte do Paraná, na Comaves Indústria e Comércio de Alimentos, a Angélica era minha líder de confiança na área de Evisceração. Pessoa de grande habilidade com os funcionários e daquelas que só fecha a porta da empresa depois de tudo em ordem. Aprendi muito com ela também.
Agora nessa nova trajetória aqui no Sul, desde 2004, pude perceber o quanto em tão pouco tempo a realidade da mulher no mundo do trabalho se modificou. E quando falo no mundo do trabalho, estou falando também no mundo da educação profissional. Logo que adentrei as salas de aula naquele ano, já me chamava a atenção a participação significativa das mulheres, coisa de 30 a 40% do público discente. Hoje temos uma outra realidade: a feminização do mercado de trabalho. Elas não só equilibraram a participação nesse mercado, como dão mostras de inverter as estatísticas anteriores. E com um grande mérito: além das atividades domésticas e maternais, das quais sabemos que possuem habilidade reconhecida, são capazes de superar os homens em atividades de aula e participação em trabalhos de equipe.
Nos cursos técnicos de Segurança do Trabalho as mulheres em sua maioria têm demonstrado um perfil invejável, e que grande parcela dos homens parece desconhecer como adequado às empresas que buscam um profissional capacitado. São mais detalhistas nas ações preventivas e de sensibilização, caprichosas na descrição de procedimentos e normas, cuidadosas com a manutenção de equipamentos, organizadas com arquivos e guarda de materiais, atentas às novidades da legislação e da área de atuação.
Dessa forma, se vê o quanto os homens vem perdendo espaço nesta área. A Construção Civil, só para citar um exemplo, tem demonstrado preferência contumaz pela Técnica de Segurança do Trabalho, numa área onde havia se criado um mito de que “mulher não serve pra lidar com peão”. Pois elas tem demonstrado habilidade incomparável nesta área, enquanto muitos homens têm sido preteridos para tais tarefas.
O que ainda não se pode comparar, infelizmente, são os níveis salariais. É notória a diferença ainda existente entre os valores pagos a homens e mulheres. Nesse aspecto há uma “precarizaçao” em relação à mulher. A pesquisadora Claudia Mazzei Nogueira, autora de “A feminizaçao no mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarizaçao”, diz que
“da mesma forma que ocorre na União Européia, na América Latina o crescimento da mulher no mundo do trabalho também é nítido e as mesmas formas de precarização (guardadas algumas particularidades) também estão presentes. Por exemplo, apesar de ocorrer uma nítida diminuição salarial para toda à classe trabalhadora, entre os anos 90 e 98, a desigualdade do piso salarial entre homens e mulheres continuou muito acentuada no continente latinoamericano. O salário médio do homem, em 1990, no segmento formal, era de 100 e o da mulher neste mesmo período era de 71; em 1998, neste mesmo segmento a situação se mantém a mesma. No entanto, se exemplificarmos com o setor informal de emprego, os homens apresentam em 1990 ganhos de 76 e as mulheres 35. Já em 1998, os homens passam a receber 65 e as mulheres 34”.
Segundo ela, no Brasil, no período de 81 a 98 ocorreu um constante crescimento da população economicamente ativa feminina, chegando a alcançar 111,5% de aumento, aumento esse muito mais acentuado que o masculino. A proporção do aumento de mulheres em relação aos trabalhadores é nítida, salta de 31,3%, em 1981, para 40,6%, em 1998. Nesta mesma época, o contrário ocorreu com os homens, que recuam de 68,7%, em 1981, para 59,3%, em 1998.
Assim, creio que a educação profissional, na qual estou inserido nesse momento, tem demonstrado uma evolução da participação feminina, e não somente isso, mas também uma superação das mulheres. Essa realidade traz a tona a superação de certos paradigmas nessa relação de gênero, e que muito tem a ver também com a quebra do conceito cartesiano. Para que um profissional possua as competências essenciais que o mercado de trabalho está buscando, há necessidade de dominar habilidades que muitas vezes são consideradas insignificantes pelos homens. E são essas habilidades para as quais o homem deve dedicar mais atenção: sensibilidade, capricho, organização, dedicação e zelo. E essas são em grande maioria as habilidades inerentes ao instinto materno. E agora? Que fazemos nós homens?
2 comentários:
Parabéns muito boa a matéria.
Quando escolhi o curso Tecnologo em Seg. do trabalho meu irmão disse que não servia para mulher, mas eu sou apaixonada por essa area e segui, me formo em julho desse ano e farei pós graduação em meio ambiente.
Meu caro Jairo,
parabéns pela oportuna blogada acerca da feminização da Segurança. Há, afortunadamente, o surgimento de novos tempos. Tu conheces as teses de meu livro A Ciência é masculina?
Quando tu acenas pra novos tempos, que é propósito de meu texto, vemos o novo governo do Estado, em depositamos tantas esperanças, ir na contramão.
O anúncio da criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, grupo formado com a missão de representar a sociedade e ser a voz dos gaúchos me deixou vexado pois dos seus 80 integrantes, apenas seis são mulheres. No Rio Grande do Sul, segundo o censo de 2010, as mulheres representam 51,3% da população. Neste conselho, não passam de 7,5%.
Vibro com a evolução da profissão daquelas e daqueles que cuidam as Segurança das trabalhadoras e dos trabalhadores.
Uma vez mais, cumprimento pela qualidade do blogue.
Com admiração
attico chassot
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