Era início da década de 1970 e eu, com 17 anos e como tantos de minha idade, freqüentávamos os centros de tradições gaúchas do Estado, os famosos CTGs. Essas andanças tinham um motivo: eu e meu irmão fazíamos parte do grupo de danças gaúchas do CTG Brazao do Rio Grande da cidade de Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. Nosso grupo era composto de seis pares dançarinos e um grupo de cinco músicos: uma gaita, dois violões, um bumbo leguero e um cantador solo. Eu era o gaiteiro, posição que por muitos anos fora desempenhada por excelentes instrumentistas e que me foi "regalada" pela minha dedicação desde meus nove anos a frente do grupo de danças mirim.
Fazíamos apresentações artísticas em vários lugares do Estado e fora dele, principalmente a convite da Secretaria de Turismo do Estado. Quase todos os CTGs da capital conheciam e admiravam nossa equipe, pois era competente e muito inovadora.
Mas como conhecemos o Betinho? Certa feita fomos nos apresentar num CTG bastante simples, mas muito original e com pessoal dedicado ao tradicionalismo gaúcho: CTG Vaqueanos da Tradição na Vila Farrapos. (Aliás, nesse ano de 2011 essa instituição está sendo transferida daquela localidade para dar espaço à construção da nova arena do time do Grêmio.) Ali durante a apresentação algumas pessoas nos cercaram admiradas com a performance do grupo. Vieram pedir mais informações e nos convidavam para visitar-lhes sempre que retornássemos ao lugar. Dentre essas pessoas, um jovem moreno, baixinho e atarracado disse que fazia algumas composições e tocava violão. Afirmou que gostaria de mostrar suas letras a nós e trocar alguns conhecimentos a respeito da música gaúcha. De imediato não lembro agora qual foi nossa resposta a este pedido, mas o pedido não passou despercebido.
Alguns dias depois, membros de nosso grupo retornaram à Vila Farrapos para visitar algumas pessoas, não especificamente para visitar o Betinho, mas para rever algumas belas meninas que tinham chamado a atenção na apresentação que fizéramos. Surgiram desses contatos namoricos e namoros. E até mesmo casamentos resultaram desses encontros. Mas o verdadeiro casamento se consolidaria quando o Betinho demonstrou sua grande habilidade na criação de letras e músicas, além de um bom dedilhar nas cordas da viola. Essa competência fez com que ele se tornasse mais um membro da equipe.
Na segunda metade da década de 1970 o grupo de música do CTG Brazao do Rio Grande resolve fazer carreira separada do grupo de danças, dando origem ao grupo musical Nativos do Pampa. Faziam parte do grupo, além de mim (gaita) e meu irmão (violão solo), o Júlio Cesar, cantor e vocalista, o Paulinho, bumbo leguero, e o Betinho, baixo e violão base. Foi assim que se formou o grupo.
E muitas foram as jornadas, desde a participação anual no Festival de Cinema de Gramado, onde recebíamos os atores e atrizes do cinema brasileiro que participavam no premiado evento. Também éramos convidados a tocar em solenidades no Palácio Piratini, muitas vezes acompanhando o folclorista Paixão Cortes cantarolando suas canções e que hoje são parte integrante do cancioneiro gaúcho. Outras vezes acompanhamos alguns famosos em suas turnês para divulgação de gravações, como o Gaúcho da Fronteira (na época do famoso Nheco Vari Nheco Fum), Moraezinho (e sua Panela Velha, que se tornou sucesso na voz do cantor Sergio Reis) e Ademar Silva que era afamado neste período como grande improvisador e tinha sucessos musicais reconhecidos em todo o Sul do País.
No início dos anos 1980 tivemos nossa separação, quando tive de deixar o Estado em função de uma proposta profissional muito importante e que mudaria minha vida. A partir de então, o grupo começou a participar com mais dedicação aos Festivais Regionais de Musica Nativista, agora com o nome de Grupo Província, e reforçado pela Marilene, então esposa do Betinho e excelente cantora. Foram inúmeras participações que nesse momento não consigo resgatar a totalidade na memória. Mas um dos festivais mais significativos foi o de Campo Bom, onde o grupo teve a música colocada em segundo lugar, perdendo somente para a interpretação de Daniel Torres. Mais e mais festivais se sucederam nos anos posteriores, em Novo Hamburgo, Porto Alegre, a Vindima de Flores da Cunha entre outros.
Recentemente, em 2004, quando retornei ao Sul, um de meus maiores sonhos era retomar a música, não por profissão, mas por hobby. Primeiramente fiz contato com o Júlio Cesar, que prontamente acedeu. Depois falei com o Joel, meu irmão, que, embora de agenda constantemente tomada pelas andanças em rodeios, também aceitou. Por último, fui conversar com o Betinho. Demonstrando aquela calma comum aos homens de paz e bem, disse que gostaria muito de retomar a música gaúcha, e que agora morando em Eldorado do Sul, e próximo da aposentadoria, queria voltar a compor. Dessa forma, no final de 2008 retomamos nosso grupo, agora com maior experiência e certos de que poderíamos fazer uma música regional de boa qualidade, marcada pelo traço do bom vocal e sem deixar nada a desejar em relação à plêiade de artistas gaúchos.
Nessa nova etapa nos apresentamos em diversos lugares, agora sem o compromisso profissional e financeiro, mas com o compromisso da qualidade musical e do bom gosto. Tocamos jantares em toda a região metropolitana, eventos tradicionalistas em praças públicas de cidades da região e também em centros de tradições que nos convidavam porque já tinham conhecimento da nossa música. E o maior desejo do grupo nesse ano de 2011 era a gravação de um CD para registrar para sempre essa parceria. Mas quis o destino que esse sonho não se concretizasse, e o Betinho nos deixasse precocemente. Fica aqui a saudade e a lembrança de um grande amigo, que foi capaz de catalisar nossa amizade e fazer com que possamos guardar na memória esses bons momentos vividos na sua companhia. Se eterniza entre nós esse momento de despedida. O dia 24 de janeiro de 2011 ficará marcado em nossas memórias, não pela perda, mas porque o exemplo de conciliador e grande amigo faz com que estejamos sempre recordando com muito carinho sua presença entre nós.
Um comentário:
Meu querido colega e amigo Jairo,
li teu blogue postado deste sábado. Afloram nele duas dimensões. Uma de alegria e outra de luto. Tenho o privilégio de já conviver contigo há mais de um lustro e não sabia quase nada dessa musical história do menino talentoso regalado com violão no grupo. Aliás, não sabia de tua brilhante e intensa participação no vitorioso Brazão do Rio Grande da vizinha Canoas.
A dimensão de dor acompanhei distante na noite desta segunda-feira. Senti a tua tristeza pela morte prematura do Betinho. Agora terão que esperar até que todos se encordoem outros paramos para gravar o CD.
Com admiração pelo remexer com musicalidade no baú da saudades e minha solidariedade com dor daqueles que amam o Betinho e contem a sua história para fazê-lo ainda presente entre vocês.
attico chassot
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