Recentemente um dos assuntos que nos movimentou em debate foi uma conceituação bastante intrínseca, a diferença entre moral e ética. Não tenho formação na ciência da psicologia pra discutir esse conceito, mas quero trazer nessa edição de hoje, um de meus pensadores favoritos e com quem aprendi um pouco mais a raciocinar sobre ética e moral. Então deixo vocês com o teólogo e pensador Leonardo Boff, que trata do tema de forma muito pertinente. Boa Leitura...
Que é ética, que é moral? É a mesma coisa ou há distinções a serem feitas? Há muita confusão acerca disso.
Tentemos um esclarecimento. Na linguagem comum e mesmo culta, ética e moral são sinônimos. Assim dizemos: Aqui há um problema ético ou um problema moral . Com isso emitimos um juízo de valor sobre alguma prática pessoal ou social, se boa, se má ou duvidosa.
Mas, aprofundando a questão, percebemos que ética e moral não são sinônimos. A ética é parte da filosofia. Considera concepções de fundo, princípios e valores que orientam pessoas e sociedades. Uma pessoa é ética quando se orienta por princípios e convicções. Dizemos, então, que tem caráter e boa índole. A moral é parte da vida concreta. Trata da prática real das pessoas que se expressam por costumes, hábitos e valores aceitos. Uma pessoa é moral quando age em conformidade com os costumes e valores estabelecidos que podem ser, eventualmente, questionados pela ética. Uma pessoa pode ser moral (segue costumes) mas não necessariamente ética (obedece a princípios).
Embora úteis, estas definições são abstratas porque não mostram o processo como a ética e a moral, efetivamente, surgem. E aqui os gregos nos podem ajudar.
Eles partem de uma experiência de base, sempre válida, a da morada entendida existencialmente como o conjunto das relações entre o meio físico e as pessoas. Chamam à morada de ethos (em grego com a letra e pronunciada de forma longa). Para que a morada seja morada, precisa-se organizar o espaço físico (quartos, sala, cozinha) e o espaço humano (relações entre os moradores entre si e com seus vizinhos), segundo critérios, valores e princípios para que tudo flua e esteja a contento.
Isso confere caráter à casa e às pessoas. Os gregos chamam a isso também de ethos. Nós diríamos ética e caráter ético das pessoas. Ademais, na morada, os moradores têm costumes, maneiras de organizar as refeições, os encontros, estilos de relacionamento, tensos e competitivos ou harmoniosos e cooperativos. A isso os gregos chamavam também de ethos (com a letra e pronunciada de forma curta). Nós diríamos moral e a postura moral de uma pessoa.
Ocorre que esses costumes (moral) formam o caráter (ética) das pessoas. Winnicot, prolongando Freud, estudou a importância das relações familiares para estabelecer o caráter das pessoas. Elas serão éticas (terão princípios e valores) se tiverem tido uma boa moral (relações harmoniosas e inclusivas) em casa.
Os medievais não tinham as sutilezas dos gregos. Usavam a palavra moral (vem de mos/mores) tanto para os costumes quanto para o caráter. Distingüiam a moral teórica (filosofia moral) que estuda os princípios e as atitudes que iluminam as práticas, e a moral prática que analisa os atos à luz das atitudes e estuda a aplicação dos princípios à vida.
Qual é ética e a moral vigentes hoje? É a capitalista. Sua ética diz: bom é o que permite acumular mais com menos investimento e em menos tempo possível. Sua moral concreta reza: empregar menos gente possível, pagar menos salários e impostos e explorar melhor a natureza. Imaginemos como seria uma casa e sociedade (ethos) que tivessem tais costumes (moral/ethos) e produzisse caracteres (ethos/moral) assim conflitivos? Seria ainda humana e benfazeja à vida? Eis a razão da grave crise atual.
Publicado no jornal O POVO, dia 04 de julho de 2003
3 comentários:
Meu caro Jairo,
lia tua blogada semana e já na primeira linha encontrava identificação com o nosso fazer Educação. Muito provavelmente a tese que já me viste expor: A Escola não mudou, foi mudada. Assim, surgem a perguntas: A Escola mudou? ou A Escola foi mudada? Há 10 anos, a Escola era ainda o centro irradiador do conhecimento. A professora ou o professor se legitimavam, também, pelo conhecimento que detinham. A Escola era, na comunidade onde estava inserida, o lócus irradiador do conhecimento. Era a ratificadora ou até a certificadora do conhecimento.
Quando se queria saber algo se perguntava ao professor. Agora pergunta-se ao Professor Google.
¿E qual a nossa função hoje enquanto educadores? Aquilo que tu descreves no teu preambulo: estamos exercendo múltiplas funções onde tu destacas uma das mais relevantes: o chamamento à ético. E como mostras, somos um pouco dos filósofos da Grécia antiga. É este o nosso fazer.
Obrigado por na tua blogada semanal nos recordar isso.
Uma boa semana
achassot
Parabéns pelo Post. Te convido a olhares meu blog filogondran.blogspot.com onde também escrevo sobre etica e moral.
Atenciosamente
Adão Gondran
Caro prof. Jorge. Não consegui me conter de comentar o post. Gosto de polêmica, por isto ouso dizer que em algumas coisas o autor se confunde. De uma forma mais explicita poderíamos dizer que moral tem a ver com a retidão dos atos e pensamentos de uma pessoa e a ética seria o conceito que se teria em relação a esta moral.
Imaginamos um advogado que defende um cliente mesmo sabendo que ele é um criminoso. Isto estaria dentro da ética. Dentro dos padrões que definem a ação e o direito de um advogado. Outra pessoa não poderia fazer isto porque qualificaria cumplicidade. Isto seria contra a moral, mas para um advogado seria ético.
Poderámos definir ético como aquilo que está dentro das leis e dos pensamentos de uma sociedade que cria sua regras. Moral seria o que está dentro das leis naturais. Não é definida pelo homem. Ética é um conceito. Moral é uma verdade. Moral depende da natureza, ética depende de juízo. Percepção é natural. Juízo é criação..opinião... conceito.
Espero ter contribuido para enriquecer o debate sobre ética e moral.
Saudações
Adão Gondran
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