03 setembro 2011

A RESPONSABILIDADE DA INDÚSTRIA DA CONSTRUÇÃO

Claudinei dos Santos Fagundes, Claiton de Souza Galão, Valtair Machado Prestes e Vladimir Francisco Boose do Nascimento. Quem são essas pessoas? O que possuem eles em comum? Ou o que possuíam em comum? Todos são vítimas fatais de acidentes de trabalho. Todos são vítimas recentes da Indústria da Construção Civil em nosso estado, o segmento da atividade econômica com maior índice de acidentes de trabalho.

Claudinei foi vitima de um acidente de trabalho quando um elevador de serviço despencou do 12º andar de uma prédio em construção na Rua Laurindo, próximo a uma esquina da avenida João Pessoa no centro da capital. Ele estava com mais dois colegas que utilizavam o equipamento no momento da queda e tiveram de ser socorridos às pressas, mas Claudinei não resistiu aos ferimentos.

Claiton morreu ao ser atingido por uma estrutura de concreto que desabou de uma altura de 10 metros, no momento em que a mesma estava sendo posicionada num galpão construído no município de Gravataí. Claiton chegou a ser socorrido no hospital da cidade, mas a gravidade dos ferimentos redundou na sua morte.

Valtair e Vladimir foram vítimas de um desabamento ocorrido na ultima semana em uma obra do DMAE no bairro hípica, na zona sul de Porto Alegre. Mais de dez homens trabalhavam no local quando ocorreu o acidente. Eles faziam a colocação de uma viga de concreto no segundo pavimento antes do acidente. Sob eles havia uma abertura de quatro metros abaixo do nível do solo, totalizando oito metros. Valtair foi retirado sem vida dos escombros e Vladimir ficou soterrado durante dois dias por causa da chuva intensa, num trabalho incansável do Corpo de Bombeiros para resgatar o trabalhador.

Todas essas perdas demonstram que há muito ainda a fazer e exigir das empresas com relação às suas responsabilidades para com a vida dos trabalhadores. Observa-se que algumas empresas tem buscado atender aos requisitos legais e estabelecer rotinas supervisionadas por profissionais de segurança do trabalho. Mas também temos recebido noticias de ex-alunos que estão no mercado de trabalho e reclamam frequentemente da atitude negligente dessas corporações quando os recém contratados desejam aplicar na prática o que aprenderam na teoria. E por uma questão de não prejudicar esses estreantes é que nos calamos diante dessas denúncias veladas. Sabemos de empresas que na grande maioria contatam profissionais de segurança do trabalho somente para cumprir a legislação. Outro dia falava com um ex-aluno sobre a realidade da empresa onde está trabalhando há cerca de um ano, depois de formado. Diante da necessidade de implantar a CIPA na empresa, ele fez contato comigo para tirar algumas dúvidas sobre o processo eleitoral. Orientei o mesmo sobre os detalhes do processo, convocação, documentos para o sufrágio, prazos de inscrição e da eleição. Munido das informações o aluno implantou a comissão. Fiquei contente porque ali pude observar que nossas aulas foram colocadas em prática.

Tempos depois o aluno retornou o contato e me relatou desanimado que a CIPA não funcionou como ele aprendera na Escola. Ele ministrara o treinamento aos membros da comissão em primeiro mandato e ajudara a elaborar o calendário de reuniões ordinárias. Mas observou que as reuniões não aconteciam, e que, mesmo assim, as atas eram escritas como se ocorressem. Perguntou-me se deveria denunciar isso. Aconselhei o mesmo a elaborar um currículo a capricho e procurar outra oportunidade. E foi isso que fez. Agora, passada a malfadada experiência, o aluno já pode vislumbrar melhores dias, já que nessa outra empresa há demonstrações de responsabilidade e ética por parte do empregador.

Recentemente solicitei a meu amigo e auditor-fiscal do trabalho da SRTE RS, Roque Puiatti, a publicação sobre Embargo e Interdição daquela unidade do Ministério do Trabalho. Gentilmente ele me enviou pelo correio. Ao ler a parte introdutória refleti sobre o que certa vez conversamos em um seminário ministrado por ele na Escola Factum. Perguntado por alunos sobre a grande incidência de fiscalizações no segmento da Construção Civil, Roque foi enfático ao declarar que esse era o segmento que mais preocupava aquela superintendência, e que o embargo de obras é uma forma de preservar a saúde desses trabalhadores, que são aqueles de menor grau de instrução e que, por isso, não costumam recusar atividades de risco. Nestes casos, as empresas negam a capacitação requisitada na NR-18 e mantém essa mão-de-obra na ignorância quase que absoluta. Reafirmando o que disse o auditor, a introdução da publicação diz que “Embargo e Interdição não são atos de punição à empresa, não é ato de condenação por cometimento de infração, mas sim um ato de proteção à vida, à saúde e à segurança dos trabalhadores”.

Ainda no primeiro capítulo da publicação, “A dignidade do trabalhador e o meio ambiente do trabalho”, há uma referência à Constituição Federal, que em seu artigo 1º traduz a certeza de que “a pessoa é o fundamento e o fim da sociedade e do Estado”. No mesmo capítulo da publicação da SRTE, subtítulo 1.4, "Princípios da Precaução e Prevenção", os autores citam a obra de Fábio Fernandes, Procurador do Trabalho, que ao tratar do meio ambiente do trabalho em "Meio ambiente em geral e meio ambiente do trabalho" (São Paulo: LTr, 2006, p. 41) destaca que: “A efetividade do princípio da prevenção no meio ambiente do trabalho, alem de poupar vidas, transfere da sociedade e do Estado que financiam a Seguridade Social, a variável ambiental trabalhista para as empresas, que devem, de uma vez por todas, incluí-la como prioridade e custo do seu empreendimento.” Ou seja, “(...) uma vez que é o empregador quem assume os riscos do empreendimento, é dele a responsabilidade pelas despesas tendentes ao fornecimento de um ambiente de trabalho sadio aos trabalhadores (...)”.

Portanto, não há como deixar de reconhecer que muito deve ser feito para que essas responsabilidades sejam assumidas pelas empresas, que na maioria das vezes têm o lucro como maior objetivo, negligenciando ações de sua inteira responsabilidade. Tal como ocorreu comigo certa feita, ao ministrar uma palestra de duas horas sobre riscos ambientais num canteiro de obras, quando o proprietário da construtora, sem qualquer cerimônia, arguiu-me sobre a possibilidade de fornecer um certificado de curso de oito horas aos trabalhadores, para que justificasse o treinamento solicitado legalmente dentro do PCMAT. E nem "vermelho" ficou. Peremptoriamente neguei a solicitação. É isso que me preocupa quando vejo ocorrerem mortes como essas.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
mais uma vez teu blog se faz sentinela denunciando crimes contra trabalhadores e anunciando alternativas para que no munfp do trabalho haja mais segurança.
Excelente a edição desta semana

attico chassot