18 fevereiro 2012

QUANDO A JUSTIÇA CUMPRE SUA FUNÇÃO

O amianto que petrifica o pulmão
Esta semana mais uma vez as Doenças Ocupacionais que levam à morte estiveram em evidência no cenário noticioso. E desta vez a Asbestose foi a doença que movimentou os órgãos de imprensa. O jornal O Globo em sua edição de segunda-feira, dia 13 de fevereiro descrevia assim:

Ex- diretores da Eternit condenados pelo uso de amianto

O tribunal de Justiça de Turim (norte da Itália) condenou nesta segunda-feira a 16 anos de prisão dois ex-diretores da multinacional Eternit por terem causado a morte de 3.000 pessoas com o uso do amianto em seus materiais de construção.

O julgamento foi considerado "histórico" e a sentença, recebida com gritos, aplausos e choro, tanto por familiares das vítimas, que pediam justiça há anos, quanto pela condenação exemplar de ex-executivos da empresa, de alto escalão.

Por isso, achei conveniente trazer uma reportagem do jornal italiano La Republicca que publica entrevista com um dos sobreviventes da Eternit. Veja a seguir:

Pietro Condello - Aposentado da Eternit
A raiva do trabalhador de macacão azul: "Nos enganaram durante anos. Tenho asbestose há 20 anos, me falta o ar e uso a bomba de oxigênio. Esse dinheiro não vai me ajudar a viver mais".

Mesmo que viva em Casale Monferrato há mais de meio século, Pietro Condello, 66 anos, continua falando com o sotaque da sua Messina. De 66 audiências, não perdeu nenhuma, sabe bem que aquele macacão, azul escuro com a palavra Eternit bordada em amarelo no peito, atrai as câmeras e os fotógrafos. Mas ele não se importa, e não é por isso que a usa, mas sim para lembrar os seus companheiros que não podem mais vesti-lo: dos 30 operários da repartição de "Matérias-primas", só dois estão vivos, e ele é um deles. 


Enquanto o juiz Giuseppe Casalbore lia a interminável sentença com a qual o povo italiano fazia justiça aos mortos de CasalePietro Condello estava dignamente apoiado em uma balaustrada, muito perto do júri popular. E, às vezes, mas só às vezes, passava sobre os olhos e sobre o rosto um lenço branco dobrado em quatro, daqueles de tecido que ninguém mais usa.


Eis a entrevista.


La Republicca: Senhor Condello, está contente com essa sentença?



Condello: Contente? Não. É justa, a pena está certa, mas não há satisfação para nós. Não há dinheiro, e nem prisão, que possa pagar por aqueles que morreram. Se não os condenassem, então me sentiria humilhado. Não estou humilhado e não estou contente.


LR: O senhor sofre de asbestose. Pode explicar o que isso significa?


Condello: Eu tive mais sorte do que aqueles que morreram de mesotelioma. Significa que eu tenho uma invalidez crônica de 38%. Há 20 anos, me falta o ar, muitas vezes tenho que me conectar à bomba de oxigênio, todas noites eu durmo com três travesseiros atrás das costas, senão me sinto sufocado. Alguns dias por ano, vou para Varazze, na Ligúria, o médico diz que esse ar me faz bem, mas depois eu sempre volto para Casale. Lá estão os meus filhos, não posso ir embora.


LR: Agora, com 35 mil euros de ressarcimento, o senhor poderá ir mais ao mar...


Condello: Não sei. Se os meus filhos estiverem de acordo, iremos mais. Mas 35 mil euros não são nada para quem está doente como eu. Eu só posso esperar morrer o mais tarde possível.


LR: O que o senhor fazia na Eternit?



Condello: Eu entrei em 1966 e fiquei lá por 24 anos. Eu era carregador: descarregava do trem que parava lá perto os sacos cheios de amianto azul [a mortal crocidolita, importada do Leste Europeu, cujos efeitos cancerígenos já eram conhecidos nos anos 1960] e os carregava nas costas, 30 quilos. Cada um de nós tinha uma faca. Quando chegávamos perto da esteira, jogávamos os sacos em cima, os cortávamos e ela os levava aos operários e aos maquinários que trabalhavam o amianto.


LR: O que lhe provoca mais raiva?


Condello: Quem me contratou, uma pessoa que eu conhecia. Ele já sabia que o amianto fazia com que as pessoas morressem, mas não me disse nada. Uma vez por ano, nos mandavam fazer exames de raio-X, a todos, mas não era algo bem feito, era uma piada. Se você tentasse protestar, lhe mandavam ao "Kremlin", a repartição de punição. Mas foi justamente quando eu entrei na fábrica que começou a luta. Pouco a pouco, começamos a entender que devíamos nos defender.


LR: Por que o senhor vai ao tribunal com seu macacão? Não tem vontade de jogá-lo fora?



Condello: Não posso me esquecer dele. Fui com esta roupa até para Paris, a um encontro com outros operários que haviam trabalhado com o amianto. É inútil tirá-lo. É melhor vesti-lo por aqueles que não podem mais fazer isso. Algumas vezes, minha mulher a lavou e a passou.


LR: O que o senhor se lembra dos seus colegas que já morreram?

Trabalhador brasileiro acometido de Asbestose


Condello: Acompanhamos o último ao cemitério há oito dias. Eu estive muito nos hospitais, um pouco para as minhas visitas, um pouco para ir encontrar aqueles que morriam. Depois, deixei de ir vê-los, era terrível. Enquanto o juiz lia os seus nomes, eu os lembrei dentro de mim, todos aqueles que eu conseguia.


LR: O que lhe parece mais injusto?


Condello: Primeiro, que tenham morrido tantas pessoas que jamais haviam trabalhado na fábrica. Não é que seja justo que os operários morram, não nos diziam a verdade. Mas quem morreu porque havia lavado um macacão ou respirado o ar sujo que existe em Casale, e ainda haverá por 40 anos, isso é ainda mais injusto. Em segundo lugar, o prefeito deCasale pensou em ganhar 18 milhões de euros em troca dos mortos. É uma velhacaria, ele não devia pensar nisso.


Fonte: www.republicca.it

2 comentários:

Brukutu disse...

Olá Prof. Jairo!

Recentemente andei lendo edições antigas da revista proteção, em uma destas me deparei com uma matéria que me chamou a atenção sobre o livro:

“A lã da salamandra”

Que fala exatamente sobre o assunto discorrido no post desta semana, logo gostaria de compartilhar este link para contribuir com o tema de hoje.

http://amianto-amianto.blogspot.com/2010/08/abrea-promove-lancamento-de-la-da.html

Minhas estimas.

Uilson Carvalho.

www.brukutu.com

Attico CHASSOT disse...

Muito estimado Jairo,
cruenta a denúncia que fazes no blogue acerca da abestose. Ignorava esta merecidíssima condenação da Eternit, cujo slogan ‘Qualidade lá em cima’ deve querer dizer ‘na outra vida’.
Cumprimentos ao teu blogue que anuncia, como há semana, mas também anuncia como hoje.
Com renovada admiração adito votos de boas férias,
attico chassot