14 abril 2012

A POLÊMICA DO ABORTO


Esta semana um tema polêmico predominou na cena dos noticiários brasileiros, em função de uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Foi a decisão sobre o Aborto para anencéfalos, uma malformação rara do tubo neural, caracterizada pela ausência parcial do encéfalo e da calota craniana, proveniente de defeito de fechamento do tubo neural nas primeiras semanas da formação embrionária.

O aborto sempre foi um tema que trouxe discussões na nossa realidade, e não é de hoje que ele é capaz de trazer divergências de opinião. Em razão disso, aproveito para trazer partes das entrevistas de duas mulheres relevantes, mas com opiniões distintas sobre o aborto. As entrevistas foram realizadas pelo Instituto Humanitas da UNISINOS e estão publicadas em seu conteúdo total no sítio www.ihu.unisinos.br. Acredito que depois dessa leitura, se pode refletir a respeito do tema e, quem sabe, adotar alguma posição.    
 

Em defesa da legalização e da descriminalização do aborto

“O aborto traz uma dor imensa, não é uma ação tranqüila. Mas deve ser uma opção em certas situações, como em caso de violência, de abuso sexual, e, de maneira especial, em relação às mulheres mais pobres. Essa é a bandeira que eu levanto”, afirma a teóloga Ivone Gebara, em entrevista concedida à redação do Instituto Humanitas da Unisinos em 5 de março de 2007.

Ivone é doutora em Filosofia pela Universidade Católica de São Paulo e em Ciências Religiosas pela Université Catholique du Louvain, na Bélgica. Ela lecionou durante 17 anos no Instituto de Teologia do Recife, até sua dissolução, decretada pelo Vaticano, em 1989. Atualmente, vive e escreve em Camaragibe, Pernambuco. Percorre o Brasil e diferentes partes do mundo, ministrando cursos, proferindo palestras sobre hermenêutica feminista, novas referências éticas e antropológicas e os fundamentos filosóficos do discurso religioso. Tem vários livros e artigos publicados em português, espanhol, francês e inglês, entre eles As incômodas filhas de Eva na Igreja da América Latina (São Paulo: Paulinas, 1989) e Rompendo o silêncio: uma fenomenologia feminista do mal (Petrópolis, Vozes, 2000). 

A senhora se posiciona favorável ao aborto? Em que sentido?

Ivone Gebara - Antes de responder diretamente a essa questão, gostaria de dizer que é preciso falar da descriminalização e da legalização do aborto. O aborto ainda é crime e criminaliza sempre a mulher, quando, muitas vezes, a escolha por fazê-lo não é dela. Sou a favor da descriminalização e da legalização do aborto porque acho que existem certos problemas que não resolvemos apenas apelando para os bons princípios. O aborto traz uma dor imensa, ou seja, não é uma ação tranqüila. Mas deve ser uma opção em certas situações, como em casos de violência, de abuso sexual, e, de maneira especial, em relação às mulheres mais pobres. Essa é a bandeira que eu levanto. Não é que a legislação pelo aborto precise ser limitada às mulheres pobres. É que as mulheres de classe A, quando decidem fazer aborto, simplesmente fazem, enquanto que as mulheres pobres, quando optam por ele, são vítimas do próprio ato. Nesse sentido, os casos de mortalidade materna são muito grandes. Alguém pode me dizer que essa proposta faz sanar o mal com outro mal. Infelizmente, é isso. Se nós fôssemos pessoas ideais e não fôssemos essa mistura de bem e mal, agiríamos de forma diferente. Mas somos essa mistura, essa contradição, essa divisão em nós mesmos. Por isso, a meu ver, o Estado deve garantir a possibilidade de aborto em casos necessários, assim como deve garantir outras leis em torno dos transplantes, da venda e do uso de drogas etc. Mas acredite que a problemática do aborto não é tranqüila para mim. Por isso, não se pode reduzi-la a um debate entre quem é a favor e quem é contra, por princípio.

E como a senhora se sente defendendo essa posição, mesmo sendo uma religiosa da Igreja Católica, instituição que é terminantemente contra o aborto?

Ivone Gebara - A Igreja já foi terminantemente contra uma porção de coisas. Foi contra o dinheiro a juros e, no entanto, põe seu dinheiro nos bancos e trabalha com juros. A Igreja hierárquica fala do princípio de respeito à vida, mas tem capelães militares, padres mandados para a guerra para responder às necessidades espirituais dos soldados. Não é também uma contradição quando se afirma o direito absoluto à vida? A decisão a partir apenas de princípios é profundamente ambígua e é muito fácil. O “por princípio” esconde um descompromisso com nossa realidade histórica. Pertencer a uma Igreja significa também ser capaz de discordar dela. É como pertencer a uma família. A discordância também faz avançar o próprio sentido da pertença. Eu não aposto em uma Igreja marcada pelo dogmatismo e pelo autoritarismo puros. As posições que a Igreja tem tomado nesse particular não expressam nenhum consenso das comunidades cristãs. Muitas vezes, a Igreja e a imprensa têm trabalhado no sentido de impressionar emocionalmente o grande público.

Eu não estou pleiteando que o aborto seja identificado à limitação da natalidade. O aborto é um problema dramático. Mas quero poder resgatar a vida dessas mulheres, sobretudo daquelas que se sentem marginalizadas pelo sentimento da culpa e pelas feridas em seu próprio corpo. Não posso dizer “tenha o filho e depois alguém vai te ajudar”. Não há ajuda coisa nenhuma! A gente sempre acaba esquecendo dos bons propósitos tomados emocionalmente.

Eu gostaria de poder frisar a capacidade de escolha das pessoas quando estão diante de certos problemas. Mas nem sempre temos condições de escolher o melhor. As escolhas são sempre condicionadas por situações que, às vezes, não dependem de nós. Por isso, o melhor caminho é sempre o da misericórdia, muito embora também aí possamos errar.

Quando nos dizemos pertencentes a uma Igreja, não necessariamente aceitamos tudo o que dizem as autoridades eclesiásticas de olhos fechados, de cabeça baixa. Temos o direito de discutir e discordar. O aborto deve estar em discussão também na Igreja. A defesa do direito à vida deveria ser ampla, larga e restrita. O primeiro direito à vida é o direito a comer, beber, dormir, ter uma casa. Existe uma ideologia anti-abortiva que, infelizmente, entrou na Igreja como se, através do aborto, pudéssemos nos esconder das grandes questões vitais. O aborto aparece como o escudo de moralidade de algumas pessoas para não enfrentar grandes questões: fome, desemprego, violência, corrupção, acúmulo de riquezas nas mãos de poucos. Então, reduzem a moralidade social a questões relativas à sexualidade.

 

“Sou absolutamente contra o aborto”

Para Zilda Arns, médica pediatra e sanitarista, “tentar solucionar os milhares de abortos clandestinos realizados a cada ano no País com a legalização do aborto é uma ação paliativa, que apontaria o fracasso da sociedade nas áreas da saúde, da educação e da cidadania e, em especial, daqueles que são responsáveis pela legislação no país”. Ela vê o embrião como um ser humano completo em fase de crescimento “tanto quanto um bebê, uma criança ou um adolescente”.



Irmã do cardeal D. Paulo Evaristo Arns, arcebispo emérito de São Paulo, Zilda é também fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança e da Pastoral da Pessoa Idosa, organismos de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Viúva desde 1978, mãe de cinco filhos e avó de nove netos, vem recebendo diversas menções especiais e títulos de cidadã honorária no país. Faleceu em janeiro de 2010 no Haiti, durante um terremoto que devastou a região onde ela realizava trabalho humanitário.

Confira a entrevista de Zilda Arns.
  
Em que a senhora fundamenta sua posição radicalmente contrária ao aborto?

Zilda Arns - Sou absolutamente contra o aborto. Em primeiro lugar, sou a favor da vida, e fundamento meu ponto de vista não somente na fé cristã, mas também na ciência e em aspectos éticos e jurídicos. Já está comprovado cientificamente que o feto é um ser humano completo, desde a sua concepção e, por isso, tem direito à vida, como defende o artigo quinto da Constituição Brasileira  e o artigo segundo do Código Civil . Cabe ao Estado o dever de tutelar e proteger a vida do embrião ou do feto de qualquer ameaça, sob pena de violação dos direitos humanos.
Sou médica pediatra e sanitarista, com mais de 47 anos de experiência em saúde pública. Além disso, estou nos últimos 24 anos à frente da Pastoral da Criança (instituição que acompanha 1,9 milhão de crianças com menos de seis anos, em 42 mil comunidades pobres do país). Por isso, tenho a convicção de que medidas educativas e preventivas são as únicas soluções para o problema das gestações não desejadas. Tentar solucionar problemas, como a gravidez indesejada na adolescência, ou atos violentos, como estupros e os milhares de abortos clandestinos realizados a cada ano no País, com a legalização do aborto, é uma ação paliativa, que apontaria o fracasso da sociedade nas áreas da saúde, da educação e da cidadania e, em especial, daqueles que são responsáveis pela legislação no país. Não se pode consertar um crime com outro ainda maior, tirando a vida de um ser humano indefeso. É preciso investir na educação de qualidade, nas famílias e nas escolas.
É preciso, antes de tudo, refletir. Será que nos países em que esse e outros abortos são permitidos, os jovens e as mulheres estão mais conscientes e têm menos problemas?  Esta e outras questões estão relacionadas na carta que enviei, no final de 1997, ao Congresso Nacional como apelo da Pastoral da Criança em defesa da Vida, e artigos publicados em revistas e jornais nos últimos anos. Antes de qualquer coisa, é preciso diminuir a desigualdade social e dar mais oportunidades, principalmente às mulheres mais pobres.

Como podemos formular a questão do estatuto do embrião, considerando sua implicação na questão do aborto?

Zilda Arns - O embrião é um SER HUMANO completo em fase de crescimento tanto quanto um bebê, uma criança ou um adolescente. Com a evolução das ciências da reprodução humana, mais especialmente nas últimas duas décadas, não há a menor dúvida de que a vida do SER HUMANO se inicia no momento da concepção. Não se trata de um amontoado de células. Quando se dá o encontro gamético, produz-se a primeira unidade da vida, que contém toda herança genética e todos os requisitos para caracterizar a vida. As novas tecnologias como o ultra-som, o monitoramento do coração do feto, a fetoscopia  e a histeroscopia , para acompanhar o que se passa no interior do útero, comprovam ainda que o feto resiste e se defende dos agentes externos, que porventura querem lhe tirar a vida. Para quem se interessar, pode confirmar essas informações assistindo ao vídeo Grito silencioso , que mostra as reações do feto em um processo de aborto induzido, realizado em um país onde a prática é permitida.

Como se caracteriza a abordagem ética do aborto?

Zilda Arns – Existe um princípio de injustiça nessa prática. Mais uma vez, ao invés de consertar o tecido social roto, querem jogar sobre a mulher o pesado fardo da injustiça social, oferecendo-lhe a oportunidade de abortar o filho que veio abrigar-se em seu ventre, filho esse que não planejou ou que foi concebido como conseqüência de um ato violento. Pesquisas da Organização Mundial da Saúde (OMS) et al, publicadas em 1994, comprovam que crianças mal tratadas, oprimidas, violentadas em seu primeiro ano de vida têm forte tendência a se tornarem violentas e criminosas. Portanto, há de se cuidar do ser humano, desde a gestação, e dar prioridade a atender às crianças pequenas, menores de seis anos, e, mais especificamente, às crianças menores de um ano, somando as forças das famílias, da sociedade e dos governos, para que o tecido social seja forte e preservado. A ética e a moral não são exclusivas da religião. Devem servir de guia para toda a sociedade, incluindo a ciência e a técnica. Não faltam cientistas, juristas e legisladores que, no exercício de seus mandatos e profissões, têm como objetivo maior a defesa e a promoção da vida, a serviço do bem comum.

Fonte: www.ihu.unisinos.br 

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo, parece que o foco das duas entrevistadas -uma de memorável memoria - não eh o que polarizou a discussão desta semana.
Parece diferente quando se sabe quen sen este feto "nascer" não sobrevivera mais que poucas horas. A perguntas que elas não respondem: Por que submeter a mãe e a família a tortura mental?
Vê-se asim que o foco eh outro. O anencefalo tem vida? Hoje as realidades de exames são outras!
Com votos de uma curtida chuva,
Achassot
Relenta incorrecoes: decorrenm den limitações do iPad