10 janeiro 2015

PORQUE NÃO SOU TÃO "CHARLIE"...



O fundamentalismo ainda é desconhecido por muitos de nós
Em assuntos da cultura islâmica e muçulmana sou totalmente ignorante. Tenho pouca leitura a respeito, a não ser um título lido há muito tempo sobre o “fundamentalismo”, de autoria de um teólogo e historiador da religião pelo qual nutro grande admiração, o professor e pastor luterano Martin Norberto Dreher. Tive o prazer de aprender muito com ele num curso de extensão da Unisinos, em 2005, chamado “História da colonização alemã e italiana no Vale dos Sinos”. Em sua obra “Para entender o fundamentalismo”, Martin Dreher refere que todos nós somos fundamentalistas, não somente os radicais do Islã. Diz ele então na abertura da obra: “O conceito fundamentalismo tem sua origem na palavra fundamento. Não há casa que possa ser construída sem fundamento, não há argumento que possa ser formulado sem fundamentos, não há existência humana sem fundamento”. Para ele, as pessoas que planejaram os ataques suicidas de Nova York e de Washington certamente estavam convictas de que o faziam em nome da luta do bem contra o mal. Pois quantas vezes nós também fazemos nossas atividades e ações convictos de que estamos corretos no caminho escolhido? Pois isso é fundamentalismo também. 

A vida de Bin Laden
Bem, pra não dizer que também nada sei sobre o terrorismo islâmico, depois do episódio que apavorou de novo o Ocidente e infernizou o continente europeu na cidade das luzes esta semana, também li um livro interessante no final de 2013. Da escritora norte-americana nascida no Alabama, Jean Sasson, a obra “Sob a sombra do terror” traz depoimentos muito fortes de uma das esposas de Bin Laden e de um de seus filhos sobre como foram os últimos meses de convivência deles com o terrorista da Al-Qaeda. Em seus testemunhos, a primeira esposa e o quarto filho relatam as perseguições e as atrocidades de que são capazes os adeptos e admiradores de um fanatismo religioso sem medidas, pelas montanhas do Afeganistão. Um livro muito intrigante e de boa leitura. Vale a pena.

Mas toda a introdução que criei nesta edição tem por objetivo uma breve análise do ocorrido na França esta semana, sob a minha ótica. Reconheço no princípio democrático uma grande possibilidade de vivermos a liberdade, inclusive a de expressão. Eu que vivi o período da ditadura militar em nosso país, sei muito bem o que é ficar alijado de qualquer opinião e submetido a restrições da fala e da escrita. Muitos pagaram o preço desta falta de liberdade com suas vidas, e hoje estão sendo reconhecidos por uma comissão que se debruça a estudar os fatos do passado. Sou a favor da democracia, mas também tenho minhas reservas a este princípio.

A população francesa saiu às ruas esta semana
O princípio democrático apregoa muitos direitos, mas também muitos deveres. Alguns deveres são imprescindíveis para que se viva em harmonia numa sociedade. E os nossos direitos que se estendem até onde começa o direito de outrem. Mas afora os princípios de direitos e deveres, há que se tomar muito cuidado com o “respeito” ao que nos é alheio. Ou seja, se minha crença religiosa inclui os princípios da “umbanda”, porque desrespeitar meu vizinho que professa a fé cristã? Não devo respeitar a escolha de meu vizinho?

Pois analisando racionalmente o que ocorreu esta semana na França, e observando o histórico daquele periódico, o “Charlie Hebdo”, com cartuns dedicados à crítica religiosa em qualquer doutrina, pode-se notar uma grande falta de respeito nas escolhas de outrem. Concordam? Por parte da população local, me pareceu não haver qualquer reflexão a respeito sobre o ocorrido, pois de imediato todos foram à rua com cartazes apoiando o jornal: "Je Suis Charlie" - Somos todos Charlie. Não que eu quisesse que eles entendessem como normais as mortes dos jornalistas cartunistas. Talvez até porque, o momento trágico não o permitisse. Mas porque fazer deboche e escárnio do maometismo com tanta veemência, sabendo-se da revolta que isso pode significar no outro lado do mundo? Prá vender jornais? 

As cenas de terror em Paris e os envolvidos
Gosto muito da arte do cartum. Até mesmo tenho um amigo aqui em São Paulo, cuja obra aprendi a admirar, o Rice Araújo. Talvez ele também esteja neste momento lamentando a perda destas referências. Mas também me chamou a atenção o depoimento do cartunista Paulo Caruso sobre os fatos. Disse ele que lamentava a morte dos colegas, e dizia que talvez teriam se excedido nas crítricas persistentes ao profeta. Me pareceu um testemunho muito racional.

Vejam só! Não estou aqui defendendo o terrorismo em nome da vingança, pois nada justifica esse “fundamentalismo” de jovens que abandonam suas famílias para se dedicar a atos insanos em nome da religião. Condeno veementemente as mortes de ambos os lados. Todavia, acredito que o que falta neste momento para nós ocidentais é um pouco de respeito com a diversidade de outros povos, tal como se tem apregoado na inclusão dos menos favorecidos na sociedade de países em desenvolvimento como o nosso. É o que eu penso.  

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
li tua blogada semanal. É difícil sustentar tua posição. Não se trata de sendo umbandista respeitar meu vizinho cristão. Mesmo que o humor seja coisa séria, os chargistas troçaram de Maomé, como troçaram do papa Francisco. Recordas do livro ‘Aisha, mãe dos fiéis’ que me presenteaste? Poderia trombetear a partir do mesmo que o Profeta foi um pedófilo. Não faço. Respeito a convivência. Os chargistas do “Charlie, hebdô” exageraram? Sim! Mereceram a morte? Não. Está é crítica dolorosa que devemos fazer ante o fato. O livro de nosso comum Martin Dreher me ensina isso.
Um bom findi, com paz e amor.