10 abril 2015

TERCEIRIZAÇÃO: BOM OU RUIM PARA O TRABALHADOR?

Protestos contra a PL4330 ocorreram em várias capitais do país
O projeto de lei apareceu lá por outubro de 2004, apresentado na Câmara Federal pelo deputado Sandro Mabel, do PMDB de Goiás. Tratava da possibilidade de terceirização plena das atividades das empresas, não mais como agora, em que às atividades acessórias é permitido terceirizar, como alimentação, segurança patrimonial, informática e limpeza entre outras. De novo foi colocado na pauta no início de 2013, mais uma vez polemizando e trazendo à pauta discussões polemicas em torno do assunto. E diante de tanto alarde mais uma vez foi engavetado. Mas agora, completando mais de dez anos, ele surge outra vez, mas como panaceia para resolver os problemas de crise e de desemprego. Será?

É bastante complexo discutir este tema, embora na minha opinião ele tenha algumas nuances que me levam a concluir ser extremamente pernicioso aos trabalhadores. Mesmo que me tentem convencer das oportunidades que podem surgir em vários campos de trabalho, onde iniciativas individuais seriam capazes de tornar realidade projetos de empreendedorismo. Acredito que para ser empreendedor deve-se ter um pouco de preparo, um pouco de visão de negocio. Não é de um dia para o outro que a galinha dos ovos de ouro surge no quintal de todo mundo. Por isso, se esta é a ideia vendida por aqueles que defendem a aprovação do projeto, há por detrás de tudo isso um interesse de reduzir custos de empresas. E esta redução está principalmente relacionada na verdade à suspensão de direitos adquiridos pelos trabalhadores ao longo de muitos anos.
Deputado Sandro Mabel (PMDB-GO): autor do projeto

Trabalhei muitos anos na iniciativa privada e recordo o quanto ela se debate em momentos de crise na busca de soluções para reduzir seus custos, de maneira a manter seus lucros. Ora se cortam despesas administrativas, ora se reduzem os investimentos, ora se incentivam cortes de orçamento, e assim acontecem os ajustes necessários para a adequação ao momento. Todavia, a convivência com os impostos e os tributos é praticamente inarredável, a não ser que se corram riscos em que cada vez mais se está sujeito a uma fiscalização intensiva. Basta perceber que há poucos dias já atingimos arrecadação recorde de impostos nos últimos anos. Sendo assim, nesse momento, o projeto de lei do deputado Sandro Mabel ressuscita e é aprovado a toque de caixa, numa expectativa do empresariado nacional que, cansado de pressionar o legislativo por uma reforma tributária ampla, vê neste projeto uma forma de amenizar os custos da mão de obra através da redução de sua folha de pagamento.

Para explicar um pouco do que penso a respeito deste projeto, vou repetir argumentos que eu trouxe numa outra postagem em março de 2013, quando o assunto havia entrado em pauta.

As atividades que iniciaram o processo de terceirização
A utilização de terceiros para realizar serviços, seja na empresa, seja em nossa casa para algum tipo de tarefa para a qual nos consideramos incapazes, é uma realidade. Ela teve um grande impulso nos anos 1990. Não que não existisse antes disso. Mas foi a partir de então que as empresas foram instadas pelas teorias administrativas a manterem o foco em suas atividades fins, evitando assim investir em tarefas que não lhes eram de competência. Desta forma as empresas de serviços terceirizados se multiplicaram e se especializaram em áreas onde a maioria das organizações decidiu não mais se envolver.

Mas, na medida em que esse tipo de novo conceito foi tomando conta das atividades econômicas, e das empresas que demandavam esses serviços, outras áreas foram sendo contempladas. Exemplificando o uso da terceirização, hoje em dia se pode observá-la na construção civil, quando a obra necessita na etapa de acabamento de serviços elétricos, hidráulico e acabamentos em gesso; na tecnologia da informação, quando a empresa necessita de manutenção para seus computadores e outros periféricos; na área alimentícia, onde as empresas deixaram de lado as estruturas de refeitório para seus funcionários e as substituíram por empresas especializadas.
 
Centrais sindicais se envolveram
nos protestos contra a PL4330
Tudo isso foi possível ao longo destes anos pela flexibilização da legislação trabalhista, embora haja denuncias de uma “precarização” nas relações de trabalho. O tratamento dado aos trabalhadores de empresas de terceirização tem chamado a atenção das autoridades trabalhistas. Alguns direitos são sonegados pelos empresários do setor, principalmente porque os quadros destas empresas são compostos por pessoas humildes e desconhecedoras de seus direitos.

Nas constatações dos órgãos de fiscalização aparecem evidencias contundentes de desrespeito aos trabalhadores, tais como, a subtração de direitos fundamentais cooptados nas espécies de trabalho flexibilizadoras, a fragmentação da classe devido a perda do poder organizacional coletivo (sindicalização), a degradação do meio ambiente de trabalho, pois os trabalhadores trabalham jornadas maiores, ocupam funções de alto risco, geralmente não são capacitados para o trabalho e sofrem acidentes do trabalho e doenças ocupacionais.       

Na verdade o trabalhador terceirizado acaba tendo de servir a dois senhores, e por estes é avaliado constantemente, pois ambos possuem autoridade suficiente para determinar a rescisão de seu contrato. Tanto aqueles para os quais o serviço é prestado, e por isso, o trabalhador terceirizado, temendo uma dispensa inesperada acolhe pacientemente as reclamações e reprimendas, quanto àqueles aos quais se subordina por vínculo trabalhista legal, e para os quais presta conta obrigatoriamente. Desta forma, o trabalhador acaba também assumindo a responsabilidade pela estabilidade do contrato entre as partes.   

E nos últimos anos, uma atividade que tem a essência da terceirização, e para a qual foi especificamente concebida, merece observação mais acurada: as centrais de telesserviço ou os famigerados “telemarketing”. Digo famigerados porque tenho ouvido depoimentos de alunos e alunas em sala de aula, que trabalham nestas atividades, e que buscam outras qualificações, histórias de situações que beiram a escravidão em alguns casos, como a proibição de excesso nas idas ao banheiro e rigidez extremada nos horários de intervalo. Sem contar as condições do ambiente de trabalho, com cabines minúsculas e metragem quadrada reduzida para comportar quantidade enorme de atendentes.
 
A Construção Civil também foi atingida e deverá ampliar
sua participação com o novo projeto
Segundo estudos da Fundação Osvaldo Cruz, o Brasil emprega na área de telemarketing quase um milhão de trabalhadores, movimentando mais de 70 bilhões de reais por ano. Um dos momentos mais estressantes desta atividade é o atendimento de reclamações, quando o funcionário fica submetido a xingamentos e palavrões, tendo se assumir uma postura passiva neste caso. Na pesquisa realizada pela Fiocruz ficou nítida a dificuldade dos atendentes ao falarem com o cliente. Eles tem de seguir um script predeterminado e são rigidamente supervisionados, já que toda a conversa é gravada. O serviço de telemarketing quase não permite que o trabalhador expresse sua subjetividade, o que provoca estresse emocional, base de várias patologias.

O anexo II da norma regulamentadora NR 17 traz conteúdo específico que se aplica a todas as empresas de teleatendimento ou telemarketing nas modalidades ativo ou receptivo em centrais de atendimento telefônico e/ou centrais de relacionamento com clientes (call centers), para prestação de serviços, informações e comercialização de produtos. Para quem quiser se aprofundar mais no assunto, é importante atentar para detalhes como o mobiliário e equipamentos destes locais, as condições ambientais e a organização do trabalho, a capacitação dos trabalhadores e as condições sanitárias e de conforto. É uma área ainda a ser estudada com maior afinco por todos nós que lidamos com a saúde e integridade do trabalhador.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro colega de blogares Jairo,
obrigado por alertares o quanto esta terceirização é nefasta. Ela não voraz apenas para os trabalhadores que perdem memoráveis conquistas consagradas pela CLT, como férias e 13º salário por exemplo. Mas faz os consumidores vítimas. Imaginemos uma escola terceirizando para diferentes empresas suas atividades fins. Para uma terceiriza o inglês; para outra a matemática; a outra ainda a história. Onde fica a missão da Escola?
Para bens pela trazida do assunto e aguardemos o desejado veto.

PS.: Obrigado pelo privilégio de almoçarmos juntos na última sexta.