30 outubro 2015

A NOSSA FEIRA DO LIVRO (do Analfabetismo à Televisão...)

Em plena crise que assola o Estado e a economia nacional, mais uma Feira do Livro se inaugura este final de semana na capital gaúcha. E com ela autores e títulos mostram suas habilidades com a palavra escrita. Há ali inúmeros temas esperando ansiosamente leitores ávidos por beberem destas fontes de saberes. Quantas noites em claro foram necessárias para a inspiração daquelas histórias, para elaboração daqueles adágios, para concepção daquelas poderosas argumentações; e que agora serão talvez capazes de modificar pensamentos, de edificar novas realidades, de construir novas opiniões, e até mesmo de deslumbrar os mais inocentes no assunto.

Socióloga Zoara Failla
Mas a feira é também capaz de nos trazer reflexões um tanto infaustas, quando observamos a realidade em relação ao nosso potencial de leitura. Uma pergunta retoma meu pensamento a cada evento: “Porque o brasileiro lê tão pouco?” Como sempre faço, procurei mais uma vez algumas fontes que pudessem me auxiliar nesta interrogação.

Justificativas há aos montes para nossa reduzida capacidade de leitura, desde o preço elevado dos livros até a ausência de bibliotecas na grande maioria dos municípios. Uma das fontes que me deram boa impressão foi o trabalho de pesquisa da socióloga Zoara Failla, que pesquisou hábitos de leitura e constatou que uma grande parcela dos responsáveis pelo ensino em nosso país não gosta de ler. Na obra “Retratos da Leitura do Brasil 3” ela demonstra numa amostra realizada com mais de 5.000 entrevistados que apenas 145 disseram gostar de ler no tempo livre. Isso significa tao somente 2,9% dos entrevistados. Dentre estes 145, grande parte destacou preferir títulos de autoajuda ou religiosos. Não que os temas sejam irrelevantes, mas isso demonstra certa resistência ao conhecimento científico em geral.
Nosso desempenho em relação aos vizinhos é baixo demais

Zoara também destaca que as próprias escolas de Ensino Médio e Universidades não valorizam o hábito durante a formação. Também as bibliotecas sofrem com a desatualização do acervo. O baixo nível salarial dos professores também contribui para a parca aquisição de títulos.

O site “Homo Literatus”, especializado na crítica de literatura, com diversos autores compondo seu elenco, em abril deste ano teceu críticas ferozes ao leitor brasileiro. Relembrando uma entrevista que foi ao ar em rede nacional de televisão, onde um entrevistado ao ser perguntado porque não havia lido nenhum livro no ano anterior, trouxe como resposta “porque deixou passar”. Sendo assim, o editor do “Homo Literatus” atribui à “preguiça” nacional um dos maiores motivos da nossa pouca leitura. Diz ele que independente de credo, raça, cor, classe social e nível de escolaridade, “dos homens pompudos de terno que se orgulham de pôr nos seus currículos os MBAs aos mais simples cidadãos, passando inclusive por muitos professores, até os de literatura, do Brasil não gostam de abrir um livro”.
Os editores do site "Homo Literatus" acreditam que há
preguiça do leitor brasileiro

O crítico do site ainda lembra do Plano Nacional do Livro e da Leitura, que faz chegar às Escolas Públicas caixas e mais caixas de livros bonitos e prazerosos, e que vão amargar a solidão nas próprias caixas ou nas prateleiras de uma biblioteca esquecida.

Segundo Raphael Soeiro, da Revista Superinteressante, de acordo com a Unesco, órgão da ONU que cuida da educação e cultura, a leitura só existe onde: a) ler é uma tradição nacional, b) o hábito de ler vem de casa, c) são formados novos leitores. Para ele o problema é antigo: muitos brasileiros foram do analfabetismo à TV, sem passar pela biblioteca.

A televisão, assim como a Internet, se tornaram
grandes concorrentes da leitura
Também acredito que a Televisão seja uma grande concorrente da leitura, pois impõe falsas realidades e aliena pelo pouco esforço na reflexão e entendimento. Ali somos entulhados de conteúdos cientificamente direcionados e pré-elaborados. Tenho certeza de que um marketing diabólico está por detrás de quase oitenta por cento daquele conteúdo.

E como não bastasse, embora o reconheça como importante e transformador na condução e divulgação do conhecimento, outro veículo que está alienando e concorrendo com a leitura, e que adentrou o novo milênio com extremo vigor, fazendo de nossa juventude um verdadeiro quintal de prazeres fúteis, foi a internet, com todo seu aparelhamento. A síndrome da “leitura mínima” das mídias sociais, dos smartphones e dos tablets imputa a lentidão e a preguiça em grande parcela dos leitores, fazendo com que quase todos não ultrapassem sequer um parágrafo sem se fazerem enfadonhos antes de entrarem no seguinte. E isso se tem visto em sala de aula, quando o professor se atreve a pedir a leitura e interpretação de um texto. Tempos difíceis estes.  

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
muito oportuno, em tempos de mais uma edição de ‘nossa’ feira do livro (que também está em baixa) a blogada desta semana. Trazes dados preocupantes.
Não adiro, todavia, a tua leitura catastrofista: “Tenho certeza de que um marketing diabólico está por detrás de quase oitenta por cento daquele conteúdo”. A meu juízo, a televisão não é a responsável por isso. Já temos televisão há bem mais de meio século. Credito muito da não leitura — e aqui nos incluo enquanto intelectuais — às modernas plataformas disponíveis para acesso à informação. Veja como os smartphones reduziram a leitura de nossos blogues, mesmo que estes aparelhos que superam qualquer das engenhocas que tinha o James Bond, ofereçam à leitura de nossos textos em qualquer lugar.
Este teu texto de hoje, com dados, gráficos, ilustrações, excelente diagramação não é palatável num smartphone. Eu acessei num deles. Vim ler no notebook.
Lamento te confessar que mesmo tenha comprado no último mês mais de seis livros não tenho tempo (desculpa que não é mais furada) para ler, como lia há dez anos.
Desculpa se desiludo teus leitores, aqui e agora
attico chassot
mestrechassot.blogspot.com