Segundo Fábio Koff, a Arena não é do Grêmio... E precisa ser? |
Que me desculpem aqueles que acham que sou
acometido de pouca modéstia quando me apresento como um cidadão pós-moderno.
Mas assim me considero, porque procuro sempre entender os fatos e as notícias
pela ótica de nosso tempo, de nossa realidade do século XXI. E acredito que
assim deva ser também com todos aqueles que sintam um sentimento de pertencimento a este tempo. Mas nem sempre
me faço entender. Por isso, em grande parte as críticas são triviais e inevitáveis.
Outra coisa, parte das minhas
manias, é que costumo fazer correlação das notícias e seus fatos geradores. Ou seja, tentar
entender o que uma coisa tem a ver com outra no contexto da nossa realidade.
Principalmente, quando elas dizem respeito ao comportamento da sociedade, pois
na maioria das vezes o indivíduo sofre influência do meio e este meio interfere
em suas decisões, sem que ele se dê conta disso. Outras vezes, o meio modifica
sua percepção em relação aos hábitos humanos, independente de aceitarmos ou não
as mudanças.
Não estou afirmando que isso faça de mim um cidadão
regozijado e satisfeito por assim ser. Também há nisso muito de sofrimento e de
resignação. Afinal, este é o preço a pagar por se viver neste tempo.
Pois esta semana dois fatos estabeleceram a
pauta do noticiário aqui no Rio Grande do Sul. Fatos capazes de polemizar
os comentários em geral e de dividir a sociedade gaúcha numa dicotomia da qual
ela está acostumada: a grenalização de tudo. E quando estes fatos
tratam de questões relacionadas à cultura e ao folclore, aí sim o discurso e as
defesas se tornam imperiosos e agressivos.
O primeiro assunto veio à tona no início da
semana, com o Projeto de Lei apresentado na Câmara Federal pelo deputado
paulista Ricardo Tripoli, que pretende proibir a perseguição de animais durante rodeios
em todo o país. A gauchada dos piquetes e das invernadas campeiras de todo o
Rio Grande e pelo Brasil afora entrou em polvorosa, exorcizando a ideia e seu
artífice.
O segundo assunto, não menos polêmico, também
foi capaz de criar uma certa inquietação nos torcedores do ex-time da Azenha,
agora do Humaitá, e fazer a alegria da outra metade escarlate: a declaração do presidente eleito do Grêmio, Fabio Koff, de
que a Arena do Grêmio, tão decantada, exaltada e comemorada nas últimas
semanas pela atual diretoria, não é propriedade da equipe. Diante repórteres esportivos ávidos por um furo jornalístico nestes tempos escassos de competções, declarou: “Vamos
levar vinte anos para pagar!”.
Mas o que tem a ver uma coisa com a outra?
Rodeios com Arena? MUITO! Mesmo que se pense ARENA tem muito de RODEIO, ou RODEIO tem tudo a ver
com ARENA. Mas não é a isso que pretendo fazer minha reflexão.
A Farra do Boi" e as "Touradas" foram banidas |
Na Espanha, as ‘Touradas”, que aglomeravam
milhares de espectadores para assistir espetáculos de “Sangue e Areia”, numa
referência ao épico do cinema que tornou famoso o ator Rodolfo Valentino na
“pele” do toureiro Juan Gallardo, ficaram só na lembrança. Os espanhóis também
tiveram de dar “adeus” às tradições, e entender o novo contexto da sociedade
pós-moderna, uma sociedade que, embora considerada violenta em sua realidade, não
tolera mais comportamentos agressivos e hostis. Seja com qual tipo de ser
vivente, racional ou irracional.
Quanto ao segundo fato, da declaração do
presidente do Gremio, também considero muito normal o desfecho do
empreendimento que alavancou a marca tricolor para o tempo pós-moderno, em
todos os sentidos. Analisando de maneira geral o “FUTEBOL”, de como ele hoje se estabelece sob a forma de
“um negócio”, nada mais há de propriedade neste esporte. Os clubes hoje são
empresas geridas por profissionais extremamente bem remunerados, com metas a
cumprir e objetivos traçados por temporadas, como qualquer organização da
iniciativa privada. Os jogadores já não mais pertencem aos clubes, mas sim, a
empresários e investidores que apostam da mesma forma que os acionistas na Bolsa
de Valores. O craque hoje beija o distintivo do clube que o contrata e no
próximo ano, quando não antes, beija o escudo do adversário sem nenhum pudor.
Basta que para tanto a proposta seja mais interessante e atraente, e que o seu
“procurador” (assim é que se chama o seu patrão) concorde.
Será que eles juram fidelidade aos seus clubes? |
Mas então prá que um estádio ser propriedade
de um clube? Se nem ele mesmo é capaz de se apropriar de seus artistas, de seus astros? O palco também não é seu. Lembro da época em que nos orgalhavamos de Inter e Grêmio possuírem seus estádios, enquando clubes como o Flamengo jogava num municipal chamado "Maracanã". E isso nunca diminuiu um dos clubes de maior torcida no Brasil.
Mas voltando ao estádio, ou à questão da Arena gremista ou da Construtora baiana, pergunto: Alguém de nós, pobres e apaixonados torcedores, vai morar ali dentro? Me digam quem já teve a permissão de levar a cama, o sofá e a geladeira prá dentro do Beira-Rio ou do Olímpico, e por lá se alojar por uma temporada? Algum dia você recebeu o carnê de IPTU do Beira-Rio ou do Olímpico para pagar? De forma a se sentir proprietário daquele imóvel? Que me perdoem aqueles torcedores que neste momento estarão me considerando um “desalmado”, mesmo depois de ver pai e filho na TV, abraçados chorando a despedida do estádio Olímpico no último clássico Gre-Nal.
Mas voltando ao estádio, ou à questão da Arena gremista ou da Construtora baiana, pergunto: Alguém de nós, pobres e apaixonados torcedores, vai morar ali dentro? Me digam quem já teve a permissão de levar a cama, o sofá e a geladeira prá dentro do Beira-Rio ou do Olímpico, e por lá se alojar por uma temporada? Algum dia você recebeu o carnê de IPTU do Beira-Rio ou do Olímpico para pagar? De forma a se sentir proprietário daquele imóvel? Que me perdoem aqueles torcedores que neste momento estarão me considerando um “desalmado”, mesmo depois de ver pai e filho na TV, abraçados chorando a despedida do estádio Olímpico no último clássico Gre-Nal.
Pois bem, a pós-modernidade é um pouco de
tudo isso, uma relação cada vez mais fluída com os nossos objetos de valor, de
tradição. Um mundo onde as coisas sólidas cada
vez mais perdem a atração, o valor e o poder da sedução. Como no exemplo da
Vida Líquida de Bauman, “na hierarquia
herdada dos valores reconhecidos, a “síndrome consumista” destronou a duração,
promoveu a transitoriedade e colocou o valor da novidade acima do valor da
permanência.”
Mesmo adepto e admirador dos Rodeios, os
frequentadores de piquetes e invernadas campeiras por este Rio Grande afora (e
até fora dele), mais cedo ou mais tarde, terão de entender que o contexto é
outro, e não há como seguir no maltrato de animais com objetivo exclusivo da
diversão. Que tal a “Vaca Parada”? Como faz a gurizada? E os “Touros Mecânicos?
Quem sabe? É coisa pós-moderna que pode substituir a antiga cultura...
Bauman: "Vida Líquida" |
Já a Arena Gremista é também uma concepção
pós-moderna que muito bem representa a fluidez da vida do nosso maior
esporte. Uma vida pontuada por relações extremamente superficiais, extremamente
liquida. Nada mais há de sólido no futebol: contratos por temporada,
administrações por metas, elencos temporários, craques criados em laboratório e
outros que tais.
Você sabe por que seu filho não consegue mais
“decorar” os nomes da sua equipe preferida de cinco anos atrás? Porque a cada
ano praticamente todos os jogadores abandonam o clube por outro, numa frenética
ida e vinda sem qualquer vínculo e princípio de fidelidade. Não há memória que
resista.
Portanto, se queremos ser cidadãos
pós-modernos, teremos de cada vez mais nos acostumarmos com essa realidade que
nos assombra. Ou então, nos refugiarmos em outro planeta, pois até mesmo as
cidades do interior não resistem aos efeitos desta pós-modernidade; e é bem
possível que o último reduto de passividade e tranquilidade conhecido
esteja sendo invadido neste momento em que você termina de ler este texto.
Um comentário:
Meu caríssimo colega e amigo Jairo, a trazida destes dois assuntos relevantes e encadeados, vistos com tua sensibilidade e análise crítica, te conferem o título de 'um cidadão pós-moderno'.
Certamente Bauman ratificaria,
Um bom 2013 para ti e para os teus.
Com admiração
attico chassot
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