50
ANOS DE TORTURA, PRÁ ESQUECER...
Há 50 anos tinha início o período mais obscuro de nossa história política |
Não posso deixar passar despercebida uma
semana como esta. Semana na qual tantos como eu, que viveram aquele momento,
relembram os 50 anos do golpe de 1964. Esta é uma data importante, e que não
deve ser esquecida. Esquecida no sentido de que as próximas gerações evitem
novamente uma história igual aquela, de repressão aos movimentos
reivindicatórios, de restrição aos direitos individuais e da tortura infame
escondida.
Para uma grande parcela da população brasileira,
que viveu aqueles momentos, são os chamados “Anos de Chumbo”. A história tem até
hoje pontos nebulosos nestas décadas 60, 70 e 80, e que muito temos de
investigar para colocar luzes sobre o passado. Não somente as torturas
realizadas pelos DOI-CODI, aparelhos de repressão comandados por agentes do
regime, foram parte destas ações. E me acreditem, se quiserem, muitos destes
agentes estão vivos, aposentados (reformados no caso dos militares) e desfrutando
de nobres moradias nos lagos da capital federal.
Uma das formas de tortura que se tornou
famosa no regime foi o “pau de arara”, cuja metodologia teve a Escola das
Américas, nos Estados Unidos, uma das fontes destes macabros procedimentos. E os
militares brasileiros que lá estiveram tornaram-se especialistas nestas
atividades. E muitos dos denominados “elementos subversivos” foram submetidos a
ele submetidos. Aliás, “subversivo” era o nome genérico dado pelos repressores
a todos aqueles que se antepunham ao regime. Desta forma, até mesmo um vizinho
desafeto poderia ser denunciado como “subversivo”, e na maioria das vezes sofria
prisão e era torturado sem saber “quem” denunciou e o “por que”.
Aqui no Blog já contei uma experiência minha
durante a ditadura militar. Convivi com pessoas que faziam parte do regime
militar, sem que me desse conta, e também por causa da minha inexperiência pueril
à época. A postagem ocorreu no dia 18 de janeiro do ano passado, e teve por
título “A Ditadura na Minha Vida” (http://profjairobrasil.blogspot.com.br/2013/01/a-ditadura-na-minha-vida.html).
A Ilha do Presídio, no centro do Guaíba, foi utilizada pela repressão militar |
Me espanta por vezes alguns discursos em
prol do retorno da ditadura, como forma de resolver problemas de nossa
realidade. Principalmente as questões que dizem respeito à segurança pública. Como
se esse problema estivesse resoluto naquele tempo, e somente ele acomete a população.
Sabemos que temos deficiência em varias áreas no país, tais como educação, saúde,
serviços públicos de forma geral. Mas o avanço que o país teve nestes últimos anos,
em termos de direitos individuais, possibilidade que só a democracia é capaz de
proporcionar aos cidadãos, aumentam sobremaneira as reivindicações da população.
Isso seria impossível numa ditadura militar. Exatamente como ocorreu naquele período.
Sem contar ainda a transparência que os organismos de representação popular são
capazes de exigir em todos os níveis de governo.
Portanto, que este abril de 2014 nos sirva para
execrar este abominável período de nossa história.
A
TORTURA NO UNIVERSO FEMININO
Este iniciar de abril trouxe às nossas
lembranças outra forma de tortura que ainda é muito presente em nossos dias,
embora tenha sido motivo de repressão há décadas. Uma tortura de que é vítima grande
parte das mulheres, o estupro.
A campanha iniciada pela jornalista Nana Queiroz teve grande adesão mas mídias sociais |
Tomando por base a divulgação de uma
pesquisa do conhecido instituto IPEA, sobre o comportamento feminino e os
abusos masculinos, ocorreu um movimento liderado pela jornalista brasiliense Nana
Queiroz. Na pesquisa divulgada, uma quantidade de pessoas respondeu à pergunta “se
as mulheres soubessem se comportar, haveria menos estupros?”, tendo por
resultado uma maioria de SIM em quase
60%. Foi o estopim para detonar uma campanha adversa aos resultados, com o mote
“Eu não mereço ser estuprada”, e que tomou conta das mídias sociais.
Também a população feminina tem sido vítima não
somente destes abusos, mas também com relação às agressões físicas de
companheiros, ao assédio moral no local de trabalho, e ainda, ao preconceito e
à desvalorização na carreira profissional. Neste sentido, muito se avançou em
nosso país nas ultimas décadas. Uma das maiores vitórias obtidas pelas mulheres
foi a Lei Maria da Penha, que restringiu sobremaneira as agressões sofridas por
elas. Também algumas medidas governamentais, sob a forma de cotas regulares,
têm demonstrado bons resultados. Mas muito ainda há de ser feito para suprimir
estas práticas. Todavia, estas ações tem origem e são plenamente possíveis num
regime democrático, e não numa ditadura, como pensam alguns.
Jean Claude Guilleband, autor de "A Tirania do Prazer" |
Recentemente tive entre minhas leituras uma
obra de excepcional esclarecimento a respeito do comportamento humano no tocante
ao prazer e ao sexo. Trata-se do livro “A Tirania do Prazer”, onde o autor,
Jean Claude Guillebaud investiga a questão da moral sexual, do lugar proibido,
em uma sociedade moderna. Suas considerações na obra trazem varias questões de
nossa realidade no tocante à moral sexual, desde a lascívia, o incesto, o
estupro e abuso sexual.
Diz ele que muitas vezes ocorre em nossa
sociedade uma esquizofrenia, onde se conjugam um discurso permissivo e uma prática
repressiva. A certa altura do texto diz ele:
“...organizamos,
sem dar conta disso, a mais dura das junções entre uma ostensiva permissividade
e uma repressão que se apega até a bagatelas. O dilema chega a ser ainda mais insolúvel
quando vemos que tal oposição mantém permanentemente em nossa própria vida cotidiana,
a solicitação e a rejeição, uma pan-sexualidade proselitista e uma vigilância detalhista,
uma extraordinária convocação ao “deleite sexual” e a ameaça maníaca de uma inquisição." (p. 37 e 38)
A leitura é bastante complexa, mas contribui
no sentido de observar uma realidade que nos é muito próxima. Da visão do autor,
analisando o trecho acima, logicamente há ponderações a serem feitas, tal a
complexidade do assunto. Mesmo assim, aconselho a leitura, pois foi laureado
com o disputado Prêmio Renaudot Ensaio 1998, um dos mais importantes da
literatura francesa.
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