Augusto Carneiro em sua residência na Cidade Baixa |
Nossa vida é uma eterna sucessão de
surpresas, ora alegres, ora tristes. Ninguém escapa das rédeas do destino e do
que ele frequentemente nos reserva. Quando menos se espera somos surpreendidos
por notícias de impacto; ainda mais quando estas notícias dizem respeito a
pessoas que admiramos e que nos são muito caras.
Pois a morte do ambientalista Augusto
Cunha Carneiro esta semana, embora sabendo que seu quadro se agravava a
cada dia, me trouxe amargura. É uma ausência que certamente empobrece nossas
vidas. Digo isso porque acredito que estamos muito pobres de recursos humanos
na defesa do meio ambiente. E o Augusto Carneiro foi um destes ferrenhos
defensores da natureza, sem contar ainda com a imensa solidariedade e amor
fraterno com que tratava os amigos e parceiros. E falo porque fui testemunha disso.
Carneiro e Lutzenberger, precursores do movimento ambientalista |
No ano de 2002 eu cursava uma especialização
em Ciencias Sociais Aplicadas na União Pioneira de Integração Social de Brasília,
cujo trabalho de conclusão versava sobre o impacto no movimento ambientalista
brasileiro do retorno de José Lutzenberger
ao Brasil na década de 1970. Este trabalho só me foi possível pela
significativa contribuição que o Augusto Carneiro a ele emprestou
naquela época, tendo em vista que o destino recentemente havia nos levado seu
companheiro de AGAPAN.
Minha mãe, que ainda estava presente entre
nós à época, fez um primeiro contato com o Augusto, indo até a casa dele ali na
Cidade Baixa buscar um título que eu não conseguia em Brasília: o livro “Manifesto
Ecológico Brasileiro” de Lutzenberger. Não posso deixar de agradecer ao
Cristian
Lavich Goldschmidt, hoje jornalista e escritor consagrado, que naquela
época fazia estágio na casa do Augusto Carneiro e foi intermediário
inicial neste contato.
Posteriormente minha mãe me contou que saiu
maravilhada da casa do ambientalista, tamanha a ternura com que foi tratada.
Ofereceu a ela, como fazia sempre, e a todos que recebia em sua casa, cópias de
reportagens dos jornais locais tratando das questões ambientais. E mais!
Deixou-me abertas as portas de sua casa para quando quisesse visitá-lo.
Foi então que no final do ano de 2002,
quando costumava vir de férias, fui visitá-lo ali na Rua da República. E não foi
diferente o tratamento. Tanto ele quanto sua esposa Rosalinda foram
extraordinários. Ela me atendeu e me pediu para aguardar no sofá da sala, onde
já foi possível perceber uma quantidade significativa de livros e,
principalmente, de recortes de jornais. De repente adentra a sala aquela figura
simpática, de baixa estatura, e com um sorriso doce no rosto como se me
conhecesse há muito tempo. Me disse:
“Voce
é o rapaz que a mãe esteve aqui conversando comigo? E que precisa de material
para pesquisa sobre a nossa entidade ambiental e o Lutz?”
Respondi meio sem graça, pois ali estava um
ícone da história ambiental brasileira:
“Eu
mesmo! Vim de longe para conhecê-lo também.”
Augusto Carneiro me chamou para um pequeno
escritório onde guardava seus escritos e recortes e me ofertou seu livro recém editado,
a “História
do Ambientalismo”. Ao me entregar a obra destacou:
“A
história escrita até agora não é verdadeira. Ambientalismo de verdade nós é que
fizemos aqui na Agapan. Fomos o primeiro órgão a fazer protestos, passeatas e
reivindicar melhorias no Brasil. Os demais que foram criados em São Paulo e Rio
de Janeiro, principalmente, não tiveram atitude como nós aqui em Porto Alegre.”
Carneiro lembrou ainda do ano de 1975, e do
protesto feito pelo estudante Carlos Dayrell, ao subir numa árvore
do Parque da Redenção para evitar a sua derrubada. Aliás, até hoje o Túnel da
Conceição termina seu percurso num “S” próximo à Faculdade de Ciencias Médicas
da UFRGS por causa deste protesto. Ele nunca na verdade foi terminado em seu
projeto original, cujos planos era atravessar todo o parque e dar acesso à Av.
João Pessoa. Pelo menos esta é a parte da história que conheço, já que nesta
época estudava na PUC e pude me acercar destas informações.
Ali em sua casa, gentilmente Augusto ainda
me brindou com várias publicações, o que me deixou de certa forma constrangido,
pois não sabia como reagir diante de tantas gentilezas. Jamais esqueci de suas orientações
no sentido de realizar uma pesquisa mais aprofundada, respeitando as fontes e
os fatos históricos. Predispôs-se ainda a me fornecer outros documentos caso eu
necessitasse. Saí dali exultante e fascinado com o espírito colaborativo e a
energia daquele homem.
Por isso tudo fiquei chocado com a morte do Augusto Carneiro.
Infelizmente não costumamos cultuar personagens
como este. Somos um país de pouco reconhecimento às pessoas que contribuíram/contribuem
com aspectos relevantes da cultura. Diferentemente dos orientais e também dos
africanos, que costumam reconhecer a importância destes sábios, nossa cultura
atribui valor somente ao que é “novo”, numa “neopatia” desmesurada.
Livro de autoria de Augusto Carneiro |
Então, num momento de perda como este,
sempre me vem à mente o ensinamento que guardo do meu amado Mestre Chassot.
Em suas aulas nos chamava a atenção para a afirmação do poeta africano Hampaté Bah: “Quando morre um idoso, é como
uma biblioteca que queima”. Pois esta semana, infelizmente, mais uma
biblioteca queimou aqui, bem pertinho de nós!
Um comentário:
Meu caro Jairo,
quando vi o anúncio da queima (metafórica) de mais uma biblioteca, o primeiro nome que aflorou-me foi teu.
Há razão se consubstancia na linda e comovente homenagem que fazes a AUGUSTO CUNHA CARNEIRO.
Tu és um dos sucessores destes que partem.
Agradecimentos emocionados
attico chassot
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