13 junho 2014

COPA NO BRASIL: MEMORÁVEL E LAMENTÁVEL

Espetáculo de abertura da Copa do Mundo 2014
Uma semana inesquecível do ponto de vista esportivo, com muitas expectativas em relação a abertura da XX Copa do Mundo de Futebol, desta vez aqui no Brasil. E o que seu viu nesta quinta-feira na Arena São Paulo, como quer a FIFA, ou na Arena Corinthians, como querem alguns paulistas, foi ao mesmo tempo memorável e lamentável.

O espetáculo de abertura do evento foi simples e, ao mesmo tempo, elucidativo. Resgatou cenas de nossos costumes e do nosso folclore, mostrando como somos e de onde viemos. Imagens que correram o mundo. Concordo também que a música e os cantores que a interpretaram deixaram bastante a desejar, mesmo que a Claudia Leite tenha ostentado um “modelito” de quase 3 milhões de dólares, segundo os críticos de moda de plantão.
 
Presidenta foi hostilizada na abertura da Copa
Mas na sequencia da abertura da Copa, o que se viu foi uma grande e lamentável demonstração de verdadeira selvageria, tal qual aquela que ilustrou as manchetes de junho do ano passado. Agressão e vandalismo foi o que se viu em plena Arena São Paulo, com palavrões vociferados em alto e bom som contra a presidente da república. Naquela hora fiquei a imaginar que sentimento perpassava seu íntimo. Se não estavam ali os conhecidos “black-blocs” quebrando vidraças, arrancando placas de sinalização e se apoderando de eletrodomésticos, desta vez não foi muito diferente. O coro que ecoou no estádio mostrou um descontentamento geral que poderia, pelo menos, ter ficado só na “vaia”. Mas não! Acobertados pela falta de identidade característica da multidão medíocre quando se reúne, vândalos entoaram efusivamente um “Dilma, vai tomar no cu!” [E coloco aqui o palavrão exato, ouvido e repercutido mundialmente pela rede de televisão, para que talvez alguns se sintam tão constrangidos quanto me senti esta semana].

Em casa, na frente do televisor, juro a vocês que fiquei atônito e boquiaberto. Ao ver as cenas me perguntei: “Onde está o respeito pela autoridade constituída? E constituída por uma maioria que a escolheu como liderança maior?”

Vídeo mostra torcedores hostilizando a presidenta na abertura da Copa 

Analisando as imagens, não se pode dizer que aqueles “vândalos” vieram da periferia. Pois quem puxava o coro de vozes daquela falta de civilidade, é parte de uma elite capaz de adquirir ingressos a preços exorbitantes, sem se queixar. Certamente não estão cadastrados no Bolsa-Família, nem dependem de qualquer um dos programas sociais do governo. Aliás, o que alguns jornais relataram nesta sexta-feira sobre o caso eu me recuso a acreditar. Grande parte deles destaca que a maioria dos palavrões entoados tiveram origem na área Vip do estádio, onde se faziam presentes algumas personalidades e artistas de televisão. Uns e outros inclusive com acesso gratuito para assistirem ao jogo inicial da Copa. Principalmente do camarote Vip do Banco Itaú, empresa que patrocinava o acesso de alguns, como ficou constatado. 
 
Florestan Fernandes Júnior
Florestan Fernandes Júnior, competente jornalista da TV Brasil e âncora do Repórter Brasil, foi muito feliz em seu comentário desta sexta-feira. Pergunta ele:

“Onde estavam ontem os políticos que festejaram a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014? [...] Ontem, coube a uma única mulher receber toda a agressão de uma torcida rica e privilegiada que conseguiu ingressos para o jogo de abertura em São Paulo. Uma elite raivosa que não perde a chance de destilar seu ódio de classe, seus preconceitos e sua falta de educação. Parabéns, presidenta Dilma, você não se escondeu nos palácios da República como fizeram os governadores”.

Também o editor de mídia e jornalista de Carta Capital, Lino Bocchini, falou do ocorrido. Disse ele que o acontecido suscita uma reflexão por parte da presidenta; de como poderá adotar uma nova postura daqui pra frente.
 
Lino Bocchini
“Em um evento como o desta quinta 12, vaias e mandatários são comuns, quase a praxe. O que aconteceu em São Paulo na abertura da Copa do Mundo, contudo, foi além. Não foi uma vaia, como na abertura da Copa das Confederações, em Brasília. Foi uma monumental grosseira “made in Brazil”. Uma falta de educação abissal e carregada de simbolismo. (...) Difícil saber como Dilma registrou essa agressão, mas espero que tire uma lição do que presenciou em Itaquera.

Não faz o menor sentido continuar governando prioritariamente para estas pessoas. E não é uma questão de “gratidão”, nada disso. Dilma é, claro, a presidenta de todos os brasileiros. Mas não se justifica o número de concessões e agrados que ela se obriga a fazer para poderosos em geral, sejam eles do agronegócio, evangélicos fundamentalistas, banqueiros ou donos de redes de televisão.

No dito popular, “sem quebrar ovos não se faz uma omelete”. Alguns argumentarão: “mas no Brasil isso é impossível, as estruturas estão aí há séculos, não dá para mudar tudo de uma vez”. Concordo. Tudo é uma coisa, e de uma vez é muito rápido. Mas entre o chavismo e os Estados Unidos há muitas possibilidades. Temos que criar nosso próprio modelo. E aí não tem jeito: Dilma tem que quebrar alguns ovos. E se não dá para quebrar a caixa inteira, pelo menos alguns tem que ir para a frigideira. Por exemplo:

a) Reforma política profunda, minando o próprio sistema que a faz refém de picaretas históricos por um par de minutos na TV;

b) Taxação de grandes fortunas, começando pelas astronômicas e inaceitáveis heranças que perpetuam a desigualdade no país;

c) Reforma agrária real, abandonando o incômodo posto de governo que menos assentou famílias;

d) Democratização real da comunicação, revendo concessões públicas e alocando melhor as verbas publicitárias governamentais;

e) Direitos humanos de verdade, encarando de forma contundente o racismo, a homofobia e o machismo.


O nordeste teve o maior percentual na eleição da presidenta da república
Sobre os autores que destaquei acima, ambos trouxeram críticas e ponderações na mesma direção da qual sou adepto. De acordo com Florestan Fernandes, aqueles que estiveram nos palanques e homenagens em busca do evento Fifa, esta semana se enclausuraram sem mostrar a cara. Uma verdadeira covardia. E foram muitos, como Lula, Sérgio Cabral, Eduardo Campos, Aécio Neves, José Serra, Jaques Wagner, Ieda Crisius, Cid Gomes, Wilma de Faria, Roberto Requião, José Roberto Arruda e Blairo Maggi. E até Marina Silva, que queria uma sede no estado dela, o Acre.

Já, para Lino Bochinni, os xingamentos demonstram a possibilidade de uma mudança nos rumos da governabilidade do país. E isso é bem possível e plausível, pois o pleito que consolidou o acesso de Dilma ao poder teve no norte e nordeste seu maior quorum. Então, porque não priorizar as ações de governo para estes? Que apesar da ignorância que lhes inflige a sociedade culta brasileira, ainda sabem tratar com respeito suas lideranças. 

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caríssimo Jairo,
sou leitor de primeira hora de teu blogue. De vez em vez posto comentários. Neste chuvoso sábado junino não posso silenciar aqui.
De todas as edições que produziste nestes anos, nenhuma como a de hoje é tão importante e tão significativa.
Ela poderia ser sintetizada neste excerto, que desconhecia:
Florestan Fernandes Júnior, competente jornalista da TV Brasil e âncora do Repórter Brasil, foi muito feliz em seu comentário desta sexta-feira. Pergunta ele:

“Onde estavam ontem os políticos que festejaram a escolha do Brasil como sede da Copa do Mundo de 2014? [...] Ontem, coube a uma única mulher receber toda a agressão de uma torcida rica e privilegiada que conseguiu ingressos para o jogo de abertura em São Paulo. Uma elite raivosa que não perde a chance de destilar seu ódio de classe, seus preconceitos e sua falta de educação. Parabéns, presidenta Dilma, você não se escondeu nos palácios da República como fizeram os governadores”.
A admiração do
Attico chassot