De todas as maneiras
procurei esta semana me abster de comentar a questão do “racismo”, assunto que
tomou conta generalizada das pautas pelo país afora. E como a sala de aula se
torna um espaço profícuo para estas discussões, fui instado a opinar inúmeras vezes.
E os alunos se colocam argutos para ouvir nossa opinião. Isso é muito bom,
porque nos faz ver outros pontos de vista e experiências interessantes de suas
realidades. Onde houvesse uma discussão de atualidades, lá estava a lembrança
da torcedora vociferando claramente a palavra “macaco”, mesmo para aqueles que
não se aprofundaram em “linguagem labial”.
E pelo que se viu nestes últimos dias da semana, o caso não ficou nas promessas clubísticas de punir torcida e fazer campanhas. O Supremo do futebol adotou punição exemplar, com eliminação da equipe na copa que disputava e afastamento temporário do árbitro da partida. Já a torcedora que se tornou símbolo da malfadada injúria, talvez jamais queira pisar uma arquibancada. Prestou depoimento em prantos e pediu desculpas ao "injuriado", reafirmando sua não intenção. Entretanto, quando o espírito coletivo nos inflama a emoção, deixamos de lado a razão. E isso deve ter acometido a torcedora naquele momento.
Até mesmo o árbitro da partida foi punido por não incluir o fato na súmula |
Aproveitei, como
sempre faço, para me enfronhar na pesquisa de alguns conceitos e origens do
racismo no Brasil, onde observei que muitas fontes o atribuem ao passado colonial
e escravocrata herdado de nossa colonização portuguesa. Outros ainda conferem ao
“branqueamento” das primeiras décadas do século XX no Brasil, incentivado
inclusive pelo governo brasileiro. De acordo com o professor Valter Roberto Silvério, da Universidade
de São Carlos, em artigo publicado em novembro de 2002, “após a Segunda Guerra Mundial, às lutas dos trabalhadores por melhores
salários e condições de vida, somaram-se as lutas das mulheres, dos negros, de
grupos étnicos, que passaram a exigir uma ação do Estado para assegurar a
igualdade de oportunidades no mercado de trabalho e na educação.” Citando a
questão da exclusão que ocorre no contexto da discriminação racial, Valter
Silvério ressalta que “a identidade do
ser humano é parcialmente moldada a partir do reconhecimento ou falta deste, ou
seja, o modo como ele é representado pelos outros seres humanos pode afetar uma
pessoa ou um grupo, de modo a causar sérios danos à medida que aqueles que o
cercam tenham uma imagem desprezível ou desdenhosa de si.”
Patrícia chora ao prestar depoimento na polícia |
E o que tenta fazer
o torcedor, ou no caso, a torcedora, verbalizando palavrões ou expressões de
injuria racial à beira do gramado? Certamente procura desdenhar e desprezar uma
pessoa que conseguiu identidade e reconhecimento acima da média. O personagem “goleiro
Aranha”, do clube praiano do futebol paulista, naquele momento é hostilizado de
forma veemente por dois principais motivos. Primeiramente pela derrota que impõe ao clube da torcedora; em
segundo lugar, por simbolizar o pertencimento a classes sociais que outrora não
mereciam oportunidades. Ele, o goleiro, é conclamado a rememorar seu passado
naquele instante.
De acordo com o sítio da rede www.todamateria.com.br, pesquisas estatísticas no Brasil descobriram que o preconceito é sempre atribuído ao "outro". Já 63,7% dos brasileiros entendem que a raça determina a qualidade de vida dos cidadãos, principalmente no trabalho (71%), em questões judiciais (68,3%) e em relações sociais (65%). Para 93% dos entrevistados existe preconceito racial no Brasil, mas 87% deles afirmaram nunca sentirem-se discriminados; 89% deles afirmam haver preconceito de cor contra negros no Brasil, mas apenas 10% admitiram tê-lo.
Luiz Felipe Pondé: "Ainda veremos muitos casos!" |
As medidas adotadas diante do ocorrido me pareceram exemplares, e servem para que se deixe de lado esse "faz de conta" que corriqueiramente tem assolado a Justiça deste país. Observando o choro incontido da torcedora no seu depoimento à polícia, e de seu irmão numa entrevista para um jornal televisivo, declarando como a família se sente nestes dias, vê-se que a repercussão do caso traz um maior senso de responsabilidade às famílias na formação de seus filhos, bem como, no reconhecimento da igualdade de condições entre raças, classes sociais, gêneros, religiões, etc.
Assistindo grande
quantidade de manifestações esta semana, nos mais diversos meios de comunicação,
reconheci em mim uma enorme dificuldade de me posicionar a respeito. Não que
seja complacente com o que ocorreu, mas principalmente porque me vi desprovido
de argumentação e de leituras suficientes. Tenho procurado me inteirar mais a
respeito.
Todavia, gostei da manifestação do sociólogo Luiz Felipe Pondé,
colunista da Folha de São Paulo e comentarista do Jornal da TV Cultura. Destacou
ele que estas demonstrações de agressividade e injúria já são conhecidas há
tempo, não só no Brasil, mas em grande parte do mundo. Para ele, vivemos um período
onde começa a ser mais recorrente e promete um efeito multiplicador no futuro, por
conta dos programas afirmativos de inclusão social proporcionados pelo atual
governo.
O fato foi noticiado em veículos de comunicação de todo o mundo |
E para que se possa
entender tudo isso, basta asseverar nosso senso de observação em vários espaços.
Mesmo velado, o preconceito está presente em lugares como as escolas, os aeroportos,
os shoppings centers e onde se constate a participação cada vez maior das
classes que outrora estavam excluídas. E porque não ocorreria isso em estádios
de futebol? A única diferença é que nas escolas, aeroportos e shoopings não se
formam torcidas organizadas ávidas por xingar de “macaco” alguns transeuntes
que por ali passam. Ah! Se se pudesse ler pensamentos...
Um comentário:
Meu caro Jairo,
• mais uma postagem com assunto da hora. Parabéns pela maneira didática como apresentaste o assunto.
• Também comentei o tema em duas turmas de graduação e em uma turma da UAM – Universidade do Adulto Maior. Também, como ti, fiz uma blogada. Foi aquela da última terça-feira: 2.- RAÇA E RACISMO em MESTRECHASSOT.BLOGSPOT.COM
• A admiração do
• attico chassot
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