Desde os primórdios da
humanidade a natureza se tornou para o homem uma
grande fonte de recursos para
sua subsistência. Basta que observemos em nossa volta o quanto estamos
impregnados das maravilhas naturais. Da natureza extraímos a madeira para o
papel, o minério para os metais, o algodão para os tecidos e os frutos para a
sobremesa. Em outra dimensão, o homem moderno se capacitou em trabalhar estes
recursos transformando-os em verdadeiras maravilhas. Os móveis que enfeitam
nossas casas, os eletrodomésticos que facilitam nossas vidas e os veículos que
movimentam toda a população, são “constructos” humanos que fizeram desta
sociedade uma das mais avançadas que se tem conhecimento.
A natureza nos proporciona inúmeros recursos indispensáveis |
Todavia, nestas
maravilhas estão depositados alguns recursos indiretos que muitas vezes não percebemos.
Em cada etapa de seu processo de fabricação há interferências humanas sob a
forma de trabalho, cujas condições e remunerações algumas vezes podem-se considerar
vergonhosas e humilhantes.
Poderia aqui sofismar
por muitos parágrafos sobre a teoria marxista, bem como, sobre o conceito da “mais-valia”
do grande pensador da economia moderna. Mas não é este meu objetivo esta
semana. O grande mote desta edição é divulgar uma indústria que absurdamente
utiliza os recursos naturais, em prol de uma beleza estética da arquitetura,
mas que emprega mão de obra em condições análogas às da escravidão. Falo da
indústria do mármore e do granito.
A geomorfologia do Espírito Santo é de impressionar os visitantes |
No ano de 2010 tive
uma oportunidade de visitar, pela primeira vez, o estado do Espírito Santo. Chegando
ao aeroporto de Vitória, eu e o Ernani, meu parceiro de consultoria há quase
sete anos, apanhamos um veículo na locadora e viajamos até a cidade de Resplendor,
no interior mineiro. Lá iriamos executar um trabalho para empresa da região. Como
o itinerário nos obrigava a transitar pelo território capixaba, nos deparamos inúmeras
vezes com caminhões carregando enormes blocos de pedras. Desconhecedores da
matéria, pedimos informação no primeiro restaurante que paramos para almoçar. Diante
de nossa tamanha ignorância, um dos garçons nos afirmou categoricamente: “Vocês
não sabiam que o Espírito Santo é o maior produtor destas pedras no país?“ E
nos olhou como se reconhecesse de imediato nossa estupidez.
O trabalho com pedras decorativas é extremamente perigoso e insalubre |
A partir de então, me
inteirei um pouco mais do assunto, observando que essa atividade econômica resulta
em muita lucratividade para quem nela investe, mas pouca rentabilidade traz para
os que nela estão empregados. É uma quase fábrica de “miséria humana”. Um setor
capaz de reunir extremos da periculosidade e da insalubridade. Ali se faz
presente o perigo dos explosivos, no “desmonte de rochas”, assim como, as doenças
pulmonares pelo excessivo contato com poeiras minerais. Além disso, outros
riscos adicionais se podem constatar: o ruído dos marteletes e martelos
rompedores, e as quedas de altura, no acesso aos pontos mais elevados das
montanhas de rochas.
Muitos acidentes ocorrem no transporte e movimentação de pedras |
O processo de
recorte das rochas é realizado em máquinas muito perigosas, com grande
quantidade de partes móveis expostas, elevando ainda mais os riscos de
acidentes. O acabamento das pedras de mármore e granito também exige esforço
físico, deveras monótono e repetitivo. Não fosse o bastante, a movimentação destas
pedras, no transporte e estocagem, também traz infortúnios aos trabalhadores.
Se não houver um cuidado com a utilização de ferramentas específicas, como as “ventosas”
e alguns guinchos ou pontes rolantes, que facilitam o manuseio e impedem o
deslizamento das pedras, os acidentes são inevitáveis. Prova disso foi o
acidente ocorrido há alguns anos, aqui na obra do Barra Shopping da zona sul de
Porto Alegre, quando um ajudante foi atingido por uma lâmina de vidro no osso
da epiglote, durante a descarga. Desfecho fatal.
A beleza da decoração esconde um trabalho penoso e mal remunerado |
E quando nos deslumbramos
com a beleza destas pedras, seja numa residência vistosa, emoldurando uma pia
de cozinha, ou numa sede bancária, perfilando os degraus de uma escada
imponente, não devemos esquecer a origem deste recurso da natureza, que chegou
onde chegou, recortado e lapidado pelas mãos destes trabalhadores.
Posso dizer que eu também
não possuía esse olhar crítico por detrás da beleza das pedras que ornamentam
muitas de nossas edificações. Somente após esta experiência revelada, pude me
dar conta da extrema penúria que está depositada nestas maravilhas que o homem aprendeu
a fabricar há séculos. Todavia, é um segmento que ainda agoniza por melhorias nas condições que impõe
aos trabalhadores da atividade.
Um comentário:
Meu caro Jairo,
Leio tua blogada desde a linda Vitória. Como tu me encanto com a paisagem maravilhosa. Conto um pouco na edição desta segunda-feira.
Não vi, até porque minha estada aqui é apenas na grande Vitória aquilo que com propriedade denuncias. Mais uma vez teu blogue se faz sentinela ou guardião da natureza.
Por tal minha admiração.
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