O Patrimonio Cultural é algo difícil de mensurar em termos de valor |
Diferentemente da
riqueza econômica de uma nação, medida pelo Produto Interno Bruto como
principal indicador, a riqueza cultural é difícil de se aquilatar, pois não há
indicador para mensurá-la da mesma forma. Até porque, cultura não se pode medir
em cifras. É como tentar valorizar algo que é belo. Só quem é sensível, sabe
admirar a arte e valorizar o belo, consegue dar valor a uma obra de arte; seja
ela uma pintura, uma escultura, uma composição musical, uma peça de teatro ou
até mesmo por de sol. Para estes, a natureza está sempre exibindo seus dotes, e
encanta quase todo dia.
E sempre que um
destes ícones da cultura nos deixam, mesmo que isso não interfira
no PIB da riqueza econômica, sinto que ficamos bem mais despojados, bem mais
pobres. Particularmente, a cada perda destas fico a imaginar quanto tempo
demoraremos para ter outro astro de tamanha grandeza. Assim foi, por exemplo,
em 2014, com Gabriel Garcia Marques, Eric Hobsbawn, Ariano Suassuna e Paulo
Goulart; só para citar aqueles pelos quais tinha maior admiração.
Inezita Barroso: ícone da nossa cultura |
Pois agora, outra
grande personagem de nosso patrimônio cultural dá adeus: Inezita Barroso. O
trabalho de Inezita dedicado ao folclore nacional é de uma importância
extraordinária. Se tivesse que descreve-lo resumidamente aqui neste semanário,
dificilmente deixaria de ultrapassar algumas dezenas de páginas. Mas vou me
deter nas influencias que seu trabalho trouxe a todos nós, essencialmente para
aqueles que apreciam a música folclórica brasileira.
Ignez Magdalena
Aranha de Lima nasceu em São Paulo em março de 1925 e teve uma vida cultural
intensa, tendo sido cantora, atriz, instrumentista, professora e apresentadora
de radio e televisão. Cursou Biblioteconomia na Universidade de São Paulo. Mas
sua carreira foi marcada pelo aprendizado de piano em um conservatório, o que a
direcionou para a música, mais apropriadamente para a música folclórica.
Dedicou-se à pesquisa das músicas de raiz, popularizando-se entre os cantores
sertanejos do interior de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Mas não
deixou de realizar pesquisas pelo Brasil inteiro, fazendo contato com diversos
folcloristas e estudiosos do tema. Seu grande feito para a cultura nacional foi
o resgate de grande parte da musica folclórica brasileira nos discos que gravou
ao longo da carreira.
Inezita participou de diversos musicais e filmes brasileiros |
Das canções
gauchescas pesquisadas e gravadas por Inezita, teve como parceiros os dois
maiores folcloristas regionais, Paixão Cortes e Barbosa Lessa. Neste contato
conheceu as danças e as musicas do folclore gaúcho, realizando um excepcional
resgate musical que até hoje é parte do acervo folclórico nacional.
Confesso
que conheci as músicas e danças gauchescas com as gravações de Inezita Barroso,
muito antes do contato com o resgate dos folcloristas regionais. Aprendi a
cantar a cana-verde, o maçanico e o tatu ouvindo as gravações de Inezita. Como
fazia parte de grupo folclórico na década de 1970, aos poucos fui percebendo a
importância desta mulher para a cultura brasileira.
Posteriormente, já
no final da década de 1990, tive a oportunidade de estudar com um docente
paulista que havia sido pupilo de Inezita na USP. Foi numa pós-graduação sobre
o Brasil Contemporâneo realizada na capital federal. Foram aulas marcantes onde
em alguns momentos foram resgatadas letras e canções do universo sertanejo
paulista. Ali pude perceber o quanto elas diziam sobre a realidade e as agruras
da atividade rural.
No Programa "Viola, Minha Viola", da TV Cultura, com o cantor sertanejo Sérgio Reis |
O trabalho relevante de Inezita Barroso acerca do folclore nacional não para por aí. Sua pesquisa vai mais além, desbravando a música nordestina de raiz e a música da região norte do país. Seu primeiro disco, ainda em 78 rotações, data de outubro de 1951, tendo gravado as músicas “Funeral de um Nagô” (folclore afro) e “Curupira” (canção amazônica).
Depois vieram outros ainda, como a gravação de “Ronda”, de Paulo Vanzolini, em novembro de 1953, fazendo par com a “Moda da Pinga”, que a tornou bastante conhecida. No total foram setenta e quatro gravações, entre discos 78 rotações, discos de vinil, CDs e DVDs.
Para entender o significado e o alcance
da obra de Inezita, é conveniente citar o nome de algumas de suas gravações: “Estatutos
da gafieira”, “Maracatu Elegante”, “Danças Gaúchas”, “Coisas do Meu Brasil”, “O
Gosto do Caipira”, “Vamos Falar de Brasil”, “Alma Brasileira”, “Raízes
Sertanejas”, “A Música Brasileira deste Século” entre tantos.
Por tudo isso,
Inezita representa um dos ícones da nossa cultura, pois dificilmente nos próximos
anos surgirá alguém do seu quilate que trate o folclore nacional com tamanha dedicação.
Perdemos muito no PIB da nossa cultura com a sua morte. Não sei dizer quanto em
termos de valores.
Um comentário:
Salve Jairo,
com a atualidade de semanário ágil e arguto, neste fim de semana somos embalados pela perda de Inezita Barroso. Não tenho tua cultura musical para descrever com a propriedade que teceste a celebração da perda. Vico em duas evocações: Ronda (que sempre nos evoca um físico que se fez músico) e apreciado programa “Viola minha Viola”.
Concordo contigo que há porque nos sentirmos mais pobre em nossas raiz culturais.
Obrigado por cantares esta cantora que perdemos,
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