14 março 2015

INEZITA DO BRASIL

O Patrimonio Cultural é algo difícil de
mensurar em termos de valor
Diferentemente da riqueza econômica de uma nação, medida pelo Produto Interno Bruto como principal indicador, a riqueza cultural é difícil de se aquilatar, pois não há indicador para mensurá-la da mesma forma. Até porque, cultura não se pode medir em cifras. É como tentar valorizar algo que é belo. Só quem é sensível, sabe admirar a arte e valorizar o belo, consegue dar valor a uma obra de arte; seja ela uma pintura, uma escultura, uma composição musical, uma peça de teatro ou até mesmo por de sol. Para estes, a natureza está sempre exibindo seus dotes, e encanta quase todo dia.
 
E sempre que um destes ícones da cultura nos deixam, mesmo que isso não interfira no PIB da riqueza econômica, sinto que ficamos bem mais despojados, bem mais pobres. Particularmente, a cada perda destas fico a imaginar quanto tempo demoraremos para ter outro astro de tamanha grandeza. Assim foi, por exemplo, em 2014, com Gabriel Garcia Marques, Eric Hobsbawn, Ariano Suassuna e Paulo Goulart; só para citar aqueles pelos quais tinha maior admiração.
Inezita Barroso: ícone da nossa cultura
Pois agora, outra grande personagem de nosso patrimônio cultural dá adeus: Inezita Barroso. O trabalho de Inezita dedicado ao folclore nacional é de uma importância extraordinária. Se tivesse que descreve-lo resumidamente aqui neste semanário, dificilmente deixaria de ultrapassar algumas dezenas de páginas. Mas vou me deter nas influencias que seu trabalho trouxe a todos nós, essencialmente para aqueles que apreciam a música folclórica brasileira.
 
Ignez Magdalena Aranha de Lima nasceu em São Paulo em março de 1925 e teve uma vida cultural intensa, tendo sido cantora, atriz, instrumentista, professora e apresentadora de radio e televisão. Cursou Biblioteconomia na Universidade de São Paulo. Mas sua carreira foi marcada pelo aprendizado de piano em um conservatório, o que a direcionou para a música, mais apropriadamente para a música folclórica. Dedicou-se à pesquisa das músicas de raiz, popularizando-se entre os cantores sertanejos do interior de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Mas não deixou de realizar pesquisas pelo Brasil inteiro, fazendo contato com diversos folcloristas e estudiosos do tema. Seu grande feito para a cultura nacional foi o resgate de grande parte da musica folclórica brasileira nos discos que gravou ao longo da carreira.
Inezita participou de diversos musicais e filmes brasileiros
Das canções gauchescas pesquisadas e gravadas por Inezita, teve como parceiros os dois maiores folcloristas regionais, Paixão Cortes e Barbosa Lessa. Neste contato conheceu as danças e as musicas do folclore gaúcho, realizando um excepcional resgate musical que até hoje é parte do acervo folclórico nacional.
 
Confesso que conheci as músicas e danças gauchescas com as gravações de Inezita Barroso, muito antes do contato com o resgate dos folcloristas regionais. Aprendi a cantar a cana-verde, o maçanico e o tatu ouvindo as gravações de Inezita. Como fazia parte de grupo folclórico na década de 1970, aos poucos fui percebendo a importância desta mulher para a cultura brasileira.
 
Posteriormente, já no final da década de 1990, tive a oportunidade de estudar com um docente paulista que havia sido pupilo de Inezita na USP. Foi numa pós-graduação sobre o Brasil Contemporâneo realizada na capital federal. Foram aulas marcantes onde em alguns momentos foram resgatadas letras e canções do universo sertanejo paulista. Ali pude perceber o quanto elas diziam sobre a realidade e as agruras da atividade rural.
No Programa "Viola, Minha Viola", da TV Cultura, com o
cantor sertanejo Sérgio Reis 

O trabalho relevante de Inezita Barroso acerca do folclore nacional não para por aí. Sua pesquisa vai mais além, desbravando a música nordestina de raiz e a música da região norte do país. Seu primeiro disco, ainda em 78 rotações, data de outubro de 1951, tendo gravado as músicas “Funeral de um Nagô” (folclore afro) e “Curupira” (canção amazônica).

Depois vieram outros ainda, como a gravação de “Ronda”, de Paulo Vanzolini, em novembro de 1953, fazendo par com a “Moda da Pinga”, que a tornou bastante conhecida. No total foram setenta e quatro gravações, entre discos 78 rotações, discos de vinil, CDs e DVDs.
 
Para entender o significado e o alcance da obra de Inezita, é conveniente citar o nome de algumas de suas gravações: “Estatutos da gafieira”, “Maracatu Elegante”, “Danças Gaúchas”, “Coisas do Meu Brasil”, “O Gosto do Caipira”, “Vamos Falar de Brasil”, “Alma Brasileira”, “Raízes Sertanejas”, “A Música Brasileira deste Século” entre tantos.
 
Por tudo isso, Inezita representa um dos ícones da nossa cultura, pois dificilmente nos próximos anos surgirá alguém do seu quilate que trate o folclore nacional com tamanha dedicação. Perdemos muito no PIB da nossa cultura com a sua morte. Não sei dizer quanto em termos de valores.  

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Salve Jairo,
com a atualidade de semanário ágil e arguto, neste fim de semana somos embalados pela perda de Inezita Barroso. Não tenho tua cultura musical para descrever com a propriedade que teceste a celebração da perda. Vico em duas evocações: Ronda (que sempre nos evoca um físico que se fez músico) e apreciado programa “Viola minha Viola”.
Concordo contigo que há porque nos sentirmos mais pobre em nossas raiz culturais.
Obrigado por cantares esta cantora que perdemos,