Vivemos o limiar do século XXI e muitas coisas chamam a atenção para um comportamento diferente daquele ao qual nos acostumamos no século passado. Stuart Hall, pensador inglês da Open University, autor de "A identidade cultural na pós-modernidade", afirma que um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades atuais, fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça e nacionalidade, que, no passado, nos tinham fornecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Para ele: "...estas transformações estão mudando nossas identidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados." É uma perda de "sentido de si" estável que podemos denominar de "deslocamento" ou "descentração" do sujeito. Essa descentração dos indivíduos, tanto de seu lugar no mundo social e cultural, quanto de si mesmos, constitui uma verdadeira "crise de identidade". Ou seja, não sabemos mais se fazemos parte de nossa comunidade, de nosso Estado, de nosso país, ou de uma comunidade da China ou de Xangai, onde temos colegas e amigos numa filial da empresa onde trabalhamos. Sabemos, sim, que precisamos cumprir as metas estipuladas pela empresa, tanto eu, como funcionário aqui, quanto meus colegas em Xangai.
Um outro componente da transformação dos indivíduos, e aqui ninguém está isento, é a incerteza do mundo pós-moderno. O professor Lincoln Tavares Silva, diretor do Centro de Educação e Humanidades da UERJ, considera que não somente os pobres hoje sofrem com a incerteza e a possibilidade da escassez. A classe média vem passando nos últimos anos, de forma progressiva, por uma situação existencial cada vez mais incerta no que diz respeito ao emprego, ao salário, à moradia, à saúde, ao lazer, à aposentadoria, à qualidade de vida e ao endividamento constante que colocam em risco sua visão de futuro sempre emergente. Para o professor Tavares Silva, como os privilégios de consumo da classe média são banalizados no corpo social fragmentado:
"...as soluções oferecidas pelo mercado e pelo Estado não destacam as classes médias como determinantes para a partilha do poder. Enquanto "consumidores-mais-que-perfeitos", tendem a culpar, por sua situação nova e desconfortável, aqueles que (...) possibilitaram sua herança existencial dantes privilegiada, os políticos. Assim, como reflexo, acabam por desejar menos política, resultando menos participação."
Ou seja, a decepção com a classe política acaba alijando estas classes do processo de mudança. Por consequência, algumas figuras se aproveitam do voto dos desinformados para se perpetuarem no poder. Qualquer semelhança com a recente eleição para a presidência da Câmara e do Senado Federal, será mera coincidência.
Mas, voltando à crise financeira, as lições dela retiradas podem ser profíquas para o futuro. Talvez este seja o preço a pagar, para que se reflita a respeito da realidade atual. Senão, vejamos. Como pode um planeta que acumulou recursos naturais durante cerca de três milhões de anos sustentar por séculos uma população que produz milhões de toneladas de lixo diariamente? Vejam o que diz o teólogo e escritor Leonardo Boff, em recente entrevista (15/01/09) à Agência Carta Maior:
"Em 1961, precisávamos de metade da Terra para atender as demandas humanas. Em 1981, empatávamos: precisávamos de um Terra inteira. Em 1995, já ultrapassamos em 10% de sua capacidade de regeneração, mas era ainda suportável. Em 2008 passamos de 40%, e a Terra está dando sinais inequívocos de que já não agüenta mais. Se mantivermos o crescimento do PIB mundial entre 2-3% ao ano, em 2050 vamos precisar de duas Terras, o que é impossível."
Portanto, a atual crise não ocorre por acaso. Na verdade, estamos realmente no limite das possibilidades da tão propalada economia capitalista. E junto com ela, parece que os impérios que a sustentam também dão sinais de falência. Precisamos rever nossos costumes, nossas aquisições, nossos desperdícios. Em minha dissertação de Mestrado em Educação (A Noção do Desperdício - defesa em março de 2008), pude comprovar algumas barbaridades cometidas em restaurantes, self-services, churrascarias (aquelas do espeto corrido) e os famosos cafés coloniais (aqueles da Serra Gaúcha) . Também observei as futilidades dos adolescentes em relação à aquisição de supérfluos, incentivadas pela maioria dos pais, porque não possuem tempo para participarem da educação de seus filhos. E a Escola se torna ineficiente na restrição de tais hábitos, tendo em vista também sua cumplicidade com o mercado e a clientela.
Realmente, essa crise parece vir em boa hora. Pelo menos para que possamos realizar uma avaliação instrospectiva de nosso comportamento e posturas. O remédio é amargo, acompanhado de muitos desempregos e um possível acúmulo de dívidas, mas o que promete brotar deste cenário de caos pode ser promissor. Quem sabe um novo indivíduo? Quiçá, mais responsável, mais econômico e mais solidário?
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