01 abril 2009

MUITOS DIREITOS, POUCOS DEVERES

Mais uma vez vou pautar meu comentário sobre a realidade da educação na atualidade. Aliás, esta tem sido a temática que mais me apaixona neste momento da vida. Saído de um curso tecnológico de Produção na década de 1970, atuei como Analista de Métodos e Processos em várias frentes (onde até em fábrica de ataúdes desenvolvi metodologias de trabalho, elaborando desenhos explodidos dos produtos numa época em que não haviam os recursos da Informática, com seus CAD e SOLID WORKS, e a régua "T" era um recurso que demandava capricho e paciência), e realizei treinamentos para funcionários nos processos produtivos; atuei também como Gestor de Indústrias por quase quinze anos. Somente em 2002, a convite de um amigo engenheiro de segurança em Brasília, iniciei minha atividade docente em cursos profissionalizantes. Por isso, hoje me considero um "mestre-de-obras" da educação. E não que me utilize de forma pejorativa ao destacar a profissão. Creio que depois do profissional de engenharia responsável pela obra, este profissional tem a habilidade de interpretar o projeto e de alocar todos os recursos da melhor forma possível, para entregá-lo totalmente pronto e no prazo certo. Assim me vejo e àqueles que comigo dividem esta responsabilidade nas Escolas na tarefa de educar.

Pois bem, por quê então se observam hoje as sucessivas notícias de agressividade nas Escolas, tal qual estas recentemente divulgadas em nosso Estado? Por quê o "Mestre de Obras" tem sido tão desvalorizado e maltratado em sua faina de entregar o projeto bem acabado e dentro das exigências do prazo? Será que somente uma das partes possui a culpa neste processo deteriorativo? Façamos uma análise suscinta das partes.

Pelo lado docente, há que se refletir sobre vários aspectos, tais como os baixos salários, a desorganização da Escola Pública, a pressão pela escassez de recursos e a falta de preparo profissional. Tudo isso é combustível para que o ambiente se torne fértil à intolerância. Mesmo assim, não se pode considerar estes aspectos como desculpa plausível para quem se dispõe à preparação responsável de cidadãos. Principalmente para aqueles que vêem na educação tão somente uma forma de buscar recursos financeiros para a sobrevivência. Se este for o pensamento, que se abra espaço para quem realmente possui a "proficiência". Aliás, este é o motivo principal das exigências de formação especial recentemente implementadas pelo Ministério da Educação. Na educação profissional, a partir do próximo ano, todos os professores do Ensino Técnico deverão possuir formação a nível de licenciatura.

Pelo lado discente, creio que residem vários aspectos contributivos desde os primórdios da Educação Infantil, iniciando pela Família, peça essencial neste processo. É do ambiente familiar que despontam os fatores comportamentais que influenciarão as atitudes do aluno. Se o ambiente familiar está impregnado de agressividade e da resolução de conflitos na base da imposição da vontade do mais forte, que se há de esperar deste aluno em sala de aula? O exemplo de casa floresce no ambiente escolar. Se pai e mãe incentivam o uso da força, e com ela exemplificam o formato mais adequado de atuação nestas situações, é este exemplo que permeará o comportamento na Escola.

Na verdade as duas partes sofrem a pressão imposta pela sociedade, num ambiente disputado por muitos direitos, mas com poucos deveres. O que mais se têm ressaltado na atual conjuntura são os direitos que cada um possui. E o que menos me parece estar em evidência neste contexto pós-moderno são os deveres de cada um de nós. E numa sociedade onde os direitos se sobrepõem aos deveres, a exacerbação dos conflitos é quase que "natural", pois ninguém sabe onde terminam estes e principiam aqueles. Algumas instituições recentemente criadas para resguardar os direitos da sociedade (estatuto da criança e do adolescente, estatuto do idoso, código de defesa do consumidor, conselho tutelar entre outros) parecem ter contribuído para despertar o compromisso de empresas e órgãos públicos. Todavia, as cartilhas mais antigas que se referiam aos deveres foram aposentadas e porque não dizer "engavetadas". Sendo assim, para uma grande maioria, eu "estou no meu direito".

Outro elemento complexo de todo este processo de deterioração das relações sociais diz respeito às críticas. Nossa sociedade desacostumou da convivência com as críticas. Minha esposa comumente me corrige, dizendo que na verdade muitos não sabem conviver com as "frustrações", no que eu a considero em parte com razão. Na verdade, a adoção do termo "crítica" me parece mais adequada. Lembro-me quantas vezes éramos, eu e meu irmão, respeitosamente obrigados a ouvir um sermão de meu pai a respeito de nossas atitudes. E ao final, perguntava ele: "Vocês já pararam prá pensar o que fizeram?"

Uma expressão recentemente trazida ao convívio das corporações foi a proatividade, demonstrando a necessidade do profissional aprender a conviver e aprender com as críticas. Ser proativo significa, além de se antecipar nas atitudes, tirar proveito das críticas para se aperfeiçoar, para se aprimorar. Mas, parece que isto não tem sido bem assimilado por muitas pessoas. A aversão e a reação às críticas é uma atitude muito comumente observada.

Não quero aqui pousar de formulador de panacéias. Minha única preocupação, na qualidade de Educador ou de "Mestre de Obras", é expor idéias para que reflitamos se nossas atitudes não estão em consonância com alguns aspectos aqui relatados, desta obra tão grandiosa que é a construção de um cidadão mais solidário e compreensivo em suas ações.

Um comentário:

attico chassot disse...

Jairo, meu ínclito ‘mestre-de-obras’ teu comentário de hoje, muito pertinente nos remete a novela "Entre les murs", de François Bégaudeau – que deu origem ao filme ‘La clase’ que assisti em janeiro quando recém estreara em Madrid e agora é muito questionado na sua recente estréia no Brasil como ‘Entre os muros da escola’. Ganhador da Palma de Ouro na última edição de Festival de Cannes. O filme tido por alguns como monótono descreve o desenvolvimento de um ano escolar em uma sala aula onde adolescentes de um bairro conflitado de Paris convivem diariamente com professores, que lutam por manter o entusiasmo por educar. Minha sensação como professor é a mesma expressa pela minha mulher ao final: “É como se eu tivesse ganho um joelhaço no estomago!” Eu, se tivesse viver situações como aquelas mostradas no filme (que são reais), provavelmente, não seria mais professor que já sou há mais de 48 anos. É dolorosamente uma cruenta realidade que teu texto de hoje nos faz refletir.
Obrigado também por isso,
attico chassot