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Minha intenção sempre ao falar dessa revolta da natureza é não assumir um tom catastrofista, como muitos tecnocratas e autoridades impingiram ao grande ambientalista brasileiro falecido em 2004, José Lutzenberger, e posteriormente, ao cientista ambiental James Lovelock. Mas é muito difícil assumir uma posição otimista em relação a este tema, bem como, não ser catastrofista, pois os próprios fatos que hoje presenciamos costumeiramente na mídia, falam por si. São eventos como terremotos, maremotos, avalanches, soterramentos, nevascas e tantos outros. A aldeia global hoje é notícia em qualquer cantinho minúsculo do Planeta.
Mas, para uma análise do comportamento humano nesta realidade atual, retomemos as palavras de Lutzenberger no Manifesto Ecológico Brasileiro publicado em 1980, e que de tão significativo pode ser considerado referência obrigatória para aqueles que buscam um modo ecológico de viver, onde vamos perceber quanta atualidade há em suas ponderações. Senão, vejamos quando o mesmo se refere aos aspectos econômicos atribuídos aos recursos naturais. Diz ele:
“O Consumo parte de um modelo absurdo, um modelo divorciado da realidade. Encara-se a Economia como se ela existisse em um plano que transcende a Natureza e que com ela não tem contato a não ser naqueles pontos em que ela é explorada como fonte gratuita de matéria-prima.
Tanto o mundo inorgânico quanto o mundo vivo, com a única exceção do homem, são encarados como simples matéria-prima. Nesta visão, o ambiente não é senão uma massa amorfa que só adquirirá forma significativa depois de manipulada pelo homem, seu soberano.
Implicitamente, o modelo econômico vigente postula um fluxo aberto. Este fluxo é unidirecional e se move entre dois infinitos: num extremo, matéria-prima e energia inesgotáveis, no outro, capacidade ilimitada de absorção de detritos.” (p. 13)
Sendo assim, o que se vê atualmente é uma pouca ou quase nenhuma preocupação com a geração de resíduos por parte da sociedade contemporânea. O Consumo exacerbado e sem nenhum controle leva a humanidade ao grande desperdício dos recursos naturais e a um uso criminoso do que ainda existe. Basta adquirir algum eletrodoméstico ou eletrônico e se observar a quantidade periférica de insumos adicionados a estes que são de imediato enviados ao lixo. Todo este lixo possui inserido uma quantidade enorme de beneficiamento e de valores intrínsecos para tão facilmente serem assim descartados. Talvez, se pensássemos melhor em tudo isso, nos daríamos conta de quanta riqueza é jogada fora sem qualquer sensação de arrependimento.
E quando extraímos essas riquezas do ambiente natural, deixamos a descoberto muito daquilo que o Planeta criou e manteve como forma de se proteger e proteger àqueles que dele fazem parte. Mas, nosso antropocentrismo nos atrapalha a visão coerente que devemos ter em relação ao Planeta. Ou seja, não somos donos dessas riquezas, mas sim, vivemos integrados nesse ambiente e somos parte dele. Toda vez que ele é agredido, por conseqüência, nós também somos agredidos.
Conforme Lovelock em sua obra “A vingança de Gaia”, publicado em 2006, nossa civilização pode ser comparada a um viciado que morrerá se continuar consumindo a droga ou se tentar uma retirada brusca do vício. Esse processo destrutivo pode ter iniciado há mais de 100 mil anos atrás, quando os humanos começaram a atear fogo nas florestas como uma forma preguiçosa de caça. Nesse momento, deixamos de ser apenas mais um animal na cadeia alimentar e começamos a destruir nosso ambiente.
Para Lovelock, somos uma espécie equivalente àquela dupla esquizóide do romance de Stevenson: O médico e o mostro.
“Temos a capacidade de destruição desastrosa, mas também o potencial de edificar uma civilização magnífica. O monstro nos levou a usar mal a tecnologia; abusamos da energia e superpovoamos a Terra, mas não é abandonando a tecnologia que sustentaremos a civilização. Pelo contrário, temos de usá-la sabiamente, como faria o médico, tendo em mira a saúde da Terra, não a de pessoas. Daí ser tarde demais para o desenvolvimento sustentável; precisamos é de uma retirada sustentável.”(p. 20)
Portanto, as discussões em torno de um desenvolvimento sustentável, para Lovelock, já são inúteis, pois todos os parâmetros em relação a preservação ambiental já foram extrapolados. E é o que se tem visto nas reuniões internacionais para tratar destas questões. Países desenvolvidos não se demovem de reduzir suas atividades poluidoras, e aqueles que ocupam posição de destaque no desenvolvimento, considerados futuras potências, e que tanto tempo esperaram por esse momento, como o Brasil, timidamente demonstram boa vontade, mas sabem que isso significaria um passo atrás no desenvolvimento.
Sobre a solução para tudo isso, eu não saberia responder. Mas, sei que há necessidade de buscar alternativas para conviver pacificamente com o Planeta, ou como na visão de Lovelock, viver harmonicamente com Gaia. E muitas delas nos levam a tomar atitudes radicais, até mesmo, com uma certa redução do conforto que a Economia criou para o ser humano, mas que não pode ser desfrutado por toda a população mundial, sob o risco da criação de um mundo inóspito e sem vida.
É o mesmo Lovelock que escreve em seu fatídico “Alerta final”. Diz ele que nosso imperativo é sobreviver quando advier a catástrofe, mas uma pergunta não se calará: A quem deveremos rejeitar nesse bote salva-vidas? Em pouco tempo haverá um grande clamor dos refugiados climáticos e de conflitos internacionais, que buscam um porto seguro onde haja empregos, habitação, clima favorável e comida disponível. E a comparação com o bote salva-vidas é correta, pois não há condições de navegar com peso excessivo num mar revolto.
Sugiro finalmente nesta reflexão, por uma sensibilização muito consistente, o filme “Lixo Extraordinário”, que mistura as realidades de quem “vive no e do lixo”, num dos maiores aterros sanitários do mundo, na periferia do Rio de Janeiro. Podem acessar em http://www.lixoextraordinario.net Uma outra alternativa sobre Consumo Consciente pode ser acessada em http://www.akatu.org.br/central/noticias/2011/procon-lanca-videos-sobre-educacao-para-o-consumo mostrando alguns vídeos produzidos pelo PROCON de São Paulo.
De resto é torcer para que consigamos superar nossas vaidades e nosso egoísmo, tomando uma decisão radical em relação aos nossos hábitos de consumo, em prol do Planeta e das próximas gerações, que incluem nossos filhos e nossos netos.
Referências Bibliográficas:
LOVELOCK, James, A Vingança de Gaia. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2006.
__________________, Gaia: Alerta Final. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2010.
LUTZENBERGER, José, Ecologia: Do Jardim ao Poder. 11.a Ed. Porto Alegre: L&PM, 2001.
_____________________, Fim do Futuro? Manifesto Ecológico Brasileiro. Porto Alegre: Ed. Movimento, 1980.
Um comentário:
Meu caro Professor Jairo,
uma vez mais teu blogue oferece uma aula de ambientalismo. Teus dois, ou melhor nossos dois, gurus: José Lutzenberger e James Lovelock, são trazidos com oportunidade. Deste já nonagenário e ativo ambientalista, permito-me aditar: "Temos que ter em mente o assustador ritmo da mudança e nos darmos conta de quão pouco tempo resta para agir, e então cada comunidade e nação deve achar o melhor uso dos recursos que possui para sustentar a civilização o máximo de tempo que puderem" http://www.ecolo.org/lovelock
Com estima e admiração e também seu leitor.
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
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