02 abril 2011

UM CONVITE À GUERRA

O esporte pode ser considerado sob vários aspectos um grande elemento da construção humana. E disso ninguém duvida. Ele é um bom meio para se obter uma condição física saudável. Também temos conhecimento de seu valor enquanto atividade de lazer - seja praticando-o ou apenas assistindo a sua prática - ou ainda, e o mais importante, enquanto um valioso elemento educativo que serve para o reforço de valores morais adequados e hábitos que valorizam a qualidade de vida. Indiscutivelmente, a importância do esporte é elevada na sociedade atual. Pelo menos isso é propalado pelo Ministério do Esporte em seus Projetos Esportivos Sociais: “Fazer e produzir esporte é gerar mais saúde, mais equilíbrio, e é principalmente um importante instrumento para capacitar pessoas a ingressarem construtivamente na sociedade.”

Mas e o que dizer quando um esporte de massas pode até mesmo influir no comportamento das pessoas, a ponto de torná-las agressivas e capazes de ações inomináveis?

Comportamento agressivo é o que se tem observado numa grande parcela de torcedores que vão a campo para assistir os jogos de futebol, nos diversos campeonatos que se desenrolam pelo país. É claro que há exceções, e que muita gente já se deu conta de que uma partida de futebol é simplesmente um espetáculo, onde os atores são artistas contratados para fazer a alegria do grande público. Mas, e as torcidas organizadas? Que são capazes de impor um comportamento totalmente hostil à massa de torcedores? Esse comportamento, segundo Afonso Antonio Machado, especialista em psicologia e autor de “A Psicologia do Esporte”, é resultante de determinada situação, em que a reação agressiva ocorre em relação à frustração e diante de uma tentativa de vencer obstáculos na busca do prazer. Ainda, segundo esse autor, a violência que vem acontecendo nos meios esportivos acaba atingindo a popularidade do esporte. Dessa forma, quando há um torcedor se expressando de forma ilimitável, toda a sua agressividade acumulada pode ter sido originada não da situação do jogo, mas, sim, do meio social.

Mas, e esse meio social? Como ele se apresenta à população, de forma geral? Ele tem contribuído para reduzir a violência? Com campanhas onde se evite o racismo, tema comum nos encontros esportivos e longe de ser erradicado das arquibancadas, e o confronto entre torcedores? Parece estar longe disso. E mais, sem qualquer punição ou admoestação por parte das autoridades públicas. Somente quando a situação chega ao extremo, como no caso do Coritiba, clube da capital paranaense que teve seu estádio depredado numa final do campeonato brasileiro, onde o time foi guindado à segunda divisão, e que por isso, teve o mando de campo invertido e o local interditado por vários meses, é que algumas ações são tomadas.

Aqui no Rio Grande do Sul, a rivalidade é notória, e alguns acontecimentos têm marcado esse confronto entre os torcedores. Gremistas e colorados mantém um clima de animosidade fora dos estádios, com críticas e gozações, e que são consideradas normais, tendo em vista que isso é entendido como um fator motivacional, desde que o excesso não abranja ações predatórias, mas que muitas vezes tem por autores dos maus exemplos os próprios dirigentes esportivos. É muito interessante observar que pessoas que deveriam dar o exemplo de cordialidade e espírito desportivo, são capazes de realizar ataques verbais incitando os ânimos tanto de um lado quanto de outro. Com isso, demonstram uma incompetência extrema como gestores. Alias, há muito tempo a administração dos clubes gaúchos tem sido muito mais política do que tecnico-administrativa. E a população pouco informada, bem ao gosto desses dirigentes, é capaz de confundir futebol com política. Não é a toa que nas diretorias dos dois clubes de maior expressão do RS há deputados e vereadores da política local se aproveitando dessa confusão popular, muito conveniente a eles.

Chamou minha atenção nos últimos meses, e por isso, resolvi abordar a questão do futebol nesta edição do Blog, a divulgação, tanto na mídia televisiva quanto impressa, de imagens agressivas de torcedores e torcedoras em posições hostis e de ataque, inclusive crianças e adolescentes, numa demonstração de ódio e prontos para a batalha, ao lado de ídolos das camisas azul e vermelha. E a publicidade, como se não bastasse, ainda vem acompanhada de cognomes muito sugestivos e que demonstram o quanto estão pouco sensibilizados dirigentes de Grêmio e Internacional no desenvolvimento de um clima amistoso e cordial entre as torcidas. De um lado, o Exército Gremista, de outro, a Nação Colorada - nomes nada sugestivos para quem deseja a paz nos estádios. Avaliem as duas figuras que emolduram essa edição em sua parte final. Elas são parte de campanhas publicitárias dos clubes gaúchos.

Minha pergunta é: “Mas será que não há uma outra forma de conclamar o torcedor a comparecer no estádio? Só resta esse tipo de convite como se fossem às arquibancadas para travar uma verdadeira guerra?” Aliás, sou do tempo em que se ia ao estádio para comer pipoca e churrasquinho, e também havia sorteios de prêmios para os que lá comparecessem. Houve até um tempo em que o prêmio sorteado era um carro zero quilômetro. Perdoem-me aqueles que acham que eu exagero. Mas, outra vez, como professor não posso silenciar diante de tamanho mau exemplo; principalmente depois de haver convivido com tantas agressões no ano que passou. Agressões essas cuja origem estão justamente nestes maus exemplos.

E olhem o que diz o Código Brasileiro de Justiça Desportiva, em seu Capítulo II, artigo 243:

Art. 243-D. Incitar publicamente o ódio, a violência ou a prática de infração.

PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais), e suspensão pelo prazo de 360 (trezentos e sessenta) a 720 (setecentos e vinte) dias.

Parágrafo único. Em casos de extrema gravidade, quando a manifestação for feita por meio da imprensa, rádio, televisão, internet ou qualquer meio eletrônico, ou for praticada dentro ou nas proximidades da praça desportiva em que for realizada a partida, prova ou equivalente, o infrator poderá sofrer pena de multa entre R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) e R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Devo concordar com o comentário de muitos brasileiros, que tenho ouvido por aí em minhas andanças, de que a lei existe em nosso país, mas o que falta é fiscalização e cumprimento. As conseqüências nós todos já sabemos. Basta ligar o rádio ou a televisão para se ter a certeza de que esses maus exemplos tem gerado a morte de milhares de jovens e adolescentes. São os mais prejudicados em toda essa festa do marketing e da mídia, onde o que mais importa é a arrecadação. Até mesmo os atletas são vítimas nesse processo, pois é sabido que grande parte do valor das negociações de contrato tem destino comum: dirigentes ou empresários.

Por fim, acredito que devemos ter muito cuidado com o fanatismo que assola esse esporte coletivo trazido para cá pelos ingleses no início do século passado. Não devemos nos ufanar de que esse é o esporte do nosso país, pois bem se sabe que muitos dos exemplos trazidos de fora, a “nosotros” nem sempre foram benvenidos. Gente! Futebol é apenas mais um espetáculo! Tal como uma peça de teatro ou uma película de cinema. Não vale a vida de ninguém!!! Pense nisso quando estiver na arquibancada ou na frente da televisão.

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