Diva Brasil Vieira (07.out.1934-17.ago.2013) |
É duro perder
alguém a quem se ama. Dá a impressão de que o coração se despedaça, e toda
vez que algum objeto ou imagem insiste em trazer a lembrança desta pessoa, a
dor novamente se apossa de nosso espírito. Eu ainda não havia experimentado
esse sentimento, pois fui um privilegiado, ao contar com a presença de meus
pais em grande parte da vida. Disso não posso me queixar.
Mas quero
confessar a vocês que a partida de minha mãe me abalou, de maneira que “perdi o
norte”, “fiquei sem rumo”. Estou sem inspiração, sem condições de escrever
outra coisa que não seja sobre este sentimento de perda. Somente depois da
partida de minha mãe é que pude perceber mais amiúde o quanto ela significava
para mim. Digo àqueles que ainda as possuem, valorizem-nas!
Esta semana,
tomado pelo pensamento nela, recordei algumas doces lembranças, e que gostaria
de compartilhar com vocês. Não quero tornar este relato tão triste quanto foi
esta minha semana. Quero sim, demonstrar meu orgulho desta mulher que muito me
ensinou e que me tornou uma pessoa um pouco melhor.
Lembrei-me
daqueles dias no Curso Primário, em que encetei as primeiras letras, utilizando
o antigo e conhecido, pelo menos prá os que são de minha época, caderno de
caligrafia. Eu, sentado à mesa da cozinha, ela, posicionada em pé atrás de mim,
me segurava o pulso de forma a desenhar as letras “a, e, i, o, u”. Com extremada
paciência curvava meus dedos, pressionando-os sobre o lápis e indicando o
limite das linhas inferior e superior, de maneira a padronizar a escrita. Assim
aprendi a escrever e até recebi vários elogios por minha caligrafia. Uma dívida
com minha mãe.
Depois, na adolescência,
me introduziu na música. Por sua iniciativa, aprendi a tocar um instrumento e
também tomei gosto pelas melodias. Sentia-se orgulhosa toda vez que eu
empunhava o acordeon, talvez por aquele desejo dela introjetado em mim. Meu encantamento
pelas notas e por todo esse universo musical tem essa origem. Mais uma dívida.
Outra de suas paixões
era ouvir as canções de Roberto Carlos, pelas quais nutria grande admiração. Numa
daquelas visitas surpresa, que costumava me fazer quando morei por mais de
vinte anos longe de casa, desta vez em Brasília, pude agendar nossa ida a um
show de seu cantor predileto. No início da noite, aos nos dirigirmos para
próximo do palco, como havia me pedido, se mostrava exultante, comportamento
típico de uma fã indo ao encontro de seu ídolo pela primeira vez. Fiz algumas
brincadeiras com ela, sobre essa devoção das fãs com seus ídolos. E reagiu como
uma adolescente. Minha mãe tinha um espírito pueril, muito brincalhona, mas sem
nunca deixar de honrar com suas responsabilidades.
Nas minhas
vitórias da vida profissional e acadêmica não cansava de enfatizar o seu
orgulho, e que não havia tido a oportunidade de estudar, mas que projetava em
mim estes sonhos.
Quantas vezes ao
chegar em sua casa no entardecer para tomar um chimarrão ou simplesmente para tomar ciência de como ia sua saúde, escutava alguns acordes da velha gaitinha de 80 baixos, um tanto desafinada. Era ela sentada na cadeira da sala, em frente à estante de madeira feita por meu pai, atenta às cifras do caderno de música onde constava aquela repetida valsinha que jamais vou esquecer.
Em outros
momentos, me deparava com ela totalmente envolvida com os trabalhos artesanais
de que mais gostava, o crochê e o tricô. Vivia comprando livretos para aprender
novos pontos, e se orgulhava ao me contar novas formas de tramar as linhas com
as agulhas. Nas últimas duas semanas, se esmerou na confecção de umas
sapatilhas de lã para que eu cobrisse os pés nas noites de frio. Ao me entregar
disse: “Ainda bem, filho, que eu terminei! Tinha receio de que o frio fosse embora e eu
não concluísse seu presente!”
Nunca mediu esforços
para auxiliar os familiares e, até mesmo, os vizinhos. Que o digam alguns
destes que hoje são mais próximos e que tiveram nela uma “segunda mãe”. Cuidou
de muitos quando crianças, compartilhando aconchego, carinho, alimento e
brincadeiras.
A idade parece
embrutecer gradativamente algumas pessoas, tirando-lhes a paciência, o bom
humor e o bom senso. Talvez isso explique um determinado afastamento dos mais
novos em relação às pessoas de mais idade. Mas outras crescem em sabedoria na
medida em que o tempo avança, conservando os predicados adquiridos durante a existência.
Testemunhei
ainda esta semana, vasculhando uma sacolinha que continha suas agulhas de
crochê, um pequeno livro de historietas: “João e Maria”. Me perguntei: Por que
ela o conservava entre seus instrumentos de trabalho? Que motivos uma pessoa com mais de 70 anos tem para ler estas histórias? Talvez para relembrar e contar às crianças quando com elas estivesse, ou até mesmo, para rememorar dias da sua infância, como gostava de fazer com frequencia.
Assim era minha
mãe, uma pessoa que parecia ir melhorando a cada ano vivido. Nos últimos meses
de existência, demonstrava um grande encanto pela vida. Aproveitava os momentos
vividos, doando-se a todos de forma completa sem se importar com o cansaço, sem
se importar com o tempo despendido para isso. Quando tomávamos chimarrão nos
finais de tarde, lembro-me de meu pai cobrando-lhe que apressasse o mate.
Costumeiramente ela dizia-lhe: “Chimarrão foi feito prá conversar, e não prá
tomar de um gole, como um suco ou uma cerveja! Então, espera!” Essa era minha mãe, meu exemplo de vida. Que saudade!!!
6 comentários:
Prezado Jairo Brasil.
Sei muito bem o que é perder uma referência em nossa vida, passei por isso após a perda de meu pai e não há palavra amiga que conforte-nos, tão pouco a passagem do tempo que só nos faz aumentar a saudade.
Muito querido amigo Jairo,
Quando leio tão lindas evocações do quando dona Diva foi significativa em tua vida, entristeço-me junto contigo.
Até esta manhã de domingo estava decidida minha participação no culto de 7º para reverenciar com saudade a memória de tua mãe.
Já fizera pelo mapa do Google o roteiro que faria da Estação do trem Unilasalle até a igreja anglicana São Lucas.
A continuada instabilidade climática e a jornada acadêmica muito densa da sexta-feira e do sábado (adita da a uma ameaça gripal me contraindicaram sair hoje.
Releva não ter comparecido á São Lucas para, ao vivo, levar meu conforto.
Assim, aqui e agora, minha saudosa homenagem a Dona Diva Brasil Vieira cuja perda repentina e prematura toldam de dor tua vida e daqueles que te são próximos, particularmente teu pai, teu irmão, tua esposa e tua filha.
Com profundo sentimento
attico chassot
Querido Jairo, recebe meu soldário abraço neste momento em que a dor da perda te faz um "menino" órfão...
Querido Jairo, recebe meu soldário abraço neste momento em que a dor da perda te faz um "menino" órfão...
Muito estimado colega e amigo Jairo.
Postei o que está abaixo,
como comentário no blogue na manhã de ontem:
Muito querido amigo Jairo,
Quando leio tão lindas evocações do quanto dona Diva foi significativa em tua vida, entristeço-me junto contigo.
Até esta manhã de domingo estava decidida minha participação no culto de 7º para reverenciar com saudade a memória de tua mãe.
Já fizera pelo mapa do Google o roteiro que faria da Estação do trem Unilasalle até a igreja anglicana São Lucas.
A continuada instabilidade climática e a jornada acadêmica muito densa da sexta-feira e do sábado (adita da a uma ameaça gripal me contraindicaram sair hoje.
Releva não ter comparecido á São Lucas para, ao vivo, levar meu conforto.
Assim, aqui e agora, minha saudosa homenagem a Dona Diva Brasil Vieira cuja perda repentina e prematura toldam de dor tua vida e daqueles que te são próximos, particularmente teu pai, teu irmão, tua esposa e tua filha.
Com profundo sentimento
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
Não é fácil mesmo, mas que o Espírito Santo "O Consolador" encha os nossos corações da Paz que excede o nosso entendimento.
Meu Papai ficaria feliz com minha formatura, homem de uma humildade e tamanha sabedoria.
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