23 agosto 2013

MEU EXEMPLO DE VIDA

Diva Brasil Vieira
(07.out.1934-17.ago.2013)
É duro perder alguém a quem se ama. Dá a impressão de que o coração se despedaça, e toda vez que algum objeto ou imagem insiste em trazer a lembrança desta pessoa, a dor novamente se apossa de nosso espírito. Eu ainda não havia experimentado esse sentimento, pois fui um privilegiado, ao contar com a presença de meus pais em grande parte da vida. Disso não posso me queixar.

Mas quero confessar a vocês que a partida de minha mãe me abalou, de maneira que “perdi o norte”, “fiquei sem rumo”. Estou sem inspiração, sem condições de escrever outra coisa que não seja sobre este sentimento de perda. Somente depois da partida de minha mãe é que pude perceber mais amiúde o quanto ela significava para mim. Digo àqueles que ainda as possuem, valorizem-nas!  

Esta semana, tomado pelo pensamento nela, recordei algumas doces lembranças, e que gostaria de compartilhar com vocês. Não quero tornar este relato tão triste quanto foi esta minha semana. Quero sim, demonstrar meu orgulho desta mulher que muito me ensinou e que me tornou uma pessoa um pouco melhor.


Lembrei-me daqueles dias no Curso Primário, em que encetei as primeiras letras, utilizando o antigo e conhecido, pelo menos prá os que são de minha época, caderno de caligrafia. Eu, sentado à mesa da cozinha, ela, posicionada em pé atrás de mim, me segurava o pulso de forma a desenhar as letras “a, e, i, o, u”. Com extremada paciência curvava meus dedos, pressionando-os sobre o lápis e indicando o limite das linhas inferior e superior, de maneira a padronizar a escrita. Assim aprendi a escrever e até recebi vários elogios por minha caligrafia. Uma dívida com minha mãe.

Depois, na adolescência, me introduziu na música. Por sua iniciativa, aprendi a tocar um instrumento e também tomei gosto pelas melodias. Sentia-se orgulhosa toda vez que eu empunhava o acordeon, talvez por aquele desejo dela introjetado em mim. Meu encantamento pelas notas e por todo esse universo musical tem essa origem. Mais uma dívida.

Outra de suas paixões era ouvir as canções de Roberto Carlos, pelas quais nutria grande admiração. Numa daquelas visitas surpresa, que costumava me fazer quando morei por mais de vinte anos longe de casa, desta vez em Brasília, pude agendar nossa ida a um show de seu cantor predileto. No início da noite, aos nos dirigirmos para próximo do palco, como havia me pedido, se mostrava exultante, comportamento típico de uma fã indo ao encontro de seu ídolo pela primeira vez. Fiz algumas brincadeiras com ela, sobre essa devoção das fãs com seus ídolos. E reagiu como uma adolescente. Minha mãe tinha um espírito pueril, muito brincalhona, mas sem nunca deixar de honrar com suas responsabilidades.

Nas minhas vitórias da vida profissional e acadêmica não cansava de enfatizar o seu orgulho, e que não havia tido a oportunidade de estudar, mas que projetava em mim estes sonhos.

Quantas vezes ao chegar em sua casa no entardecer para tomar um chimarrão ou simplesmente para tomar ciência de como ia sua saúde, escutava alguns acordes da velha gaitinha de 80 baixos, um tanto desafinada. Era ela sentada na cadeira da sala, em frente à estante de madeira feita por meu pai, atenta às cifras do caderno de música onde constava aquela repetida valsinha que jamais vou esquecer.

Em outros momentos, me deparava com ela totalmente envolvida com os trabalhos artesanais de que mais gostava, o crochê e o tricô. Vivia comprando livretos para aprender novos pontos, e se orgulhava ao me contar novas formas de tramar as linhas com as agulhas. Nas últimas duas semanas, se esmerou na confecção de umas sapatilhas de lã para que eu cobrisse os pés nas noites de frio. Ao me entregar disse: “Ainda bem, filho, que eu terminei!  Tinha receio de que o frio fosse embora e eu não concluísse seu presente!”

Nunca mediu esforços para auxiliar os familiares e, até mesmo, os vizinhos. Que o digam alguns destes que hoje são mais próximos e que tiveram nela uma “segunda mãe”. Cuidou de muitos quando crianças, compartilhando aconchego, carinho, alimento e brincadeiras.

A idade parece embrutecer gradativamente algumas pessoas, tirando-lhes a paciência, o bom humor e o bom senso. Talvez isso explique um determinado afastamento dos mais novos em relação às pessoas de mais idade. Mas outras crescem em sabedoria na medida em que o tempo avança, conservando os predicados adquiridos durante a existência.  

Testemunhei ainda esta semana, vasculhando uma sacolinha que continha suas agulhas de crochê, um pequeno livro de historietas: “João e Maria”. Me perguntei: Por que ela o conservava entre seus instrumentos de trabalho?  Que motivos uma pessoa com mais de 70 anos tem para ler estas histórias?  Talvez para relembrar e contar às crianças quando com elas estivesse, ou até mesmo, para rememorar dias da sua infância, como gostava de fazer com frequencia. 


Assim era minha mãe, uma pessoa que parecia ir melhorando a cada ano vivido. Nos últimos meses de existência, demonstrava um grande encanto pela vida. Aproveitava os momentos vividos, doando-se a todos de forma completa sem se importar com o cansaço, sem se importar com o tempo despendido para isso. Quando tomávamos chimarrão nos finais de tarde, lembro-me de meu pai cobrando-lhe que apressasse o mate. Costumeiramente ela dizia-lhe: “Chimarrão foi feito prá conversar, e não prá tomar de um gole, como um suco ou uma cerveja! Então, espera!” Essa era minha mãe, meu exemplo de vida. Que saudade!!!       

6 comentários:

Uilson Carvalho. disse...



Prezado Jairo Brasil.

Sei muito bem o que é perder uma referência em nossa vida, passei por isso após a perda de meu pai e não há palavra amiga que conforte-nos, tão pouco a passagem do tempo que só nos faz aumentar a saudade.



Attico CHASSOT disse...

Muito querido amigo Jairo,
Quando leio tão lindas evocações do quando dona Diva foi significativa em tua vida, entristeço-me junto contigo.
Até esta manhã de domingo estava decidida minha participação no culto de 7º para reverenciar com saudade a memória de tua mãe.
Já fizera pelo mapa do Google o roteiro que faria da Estação do trem Unilasalle até a igreja anglicana São Lucas.
A continuada instabilidade climática e a jornada acadêmica muito densa da sexta-feira e do sábado (adita da a uma ameaça gripal me contraindicaram sair hoje.
Releva não ter comparecido á São Lucas para, ao vivo, levar meu conforto.
Assim, aqui e agora, minha saudosa homenagem a Dona Diva Brasil Vieira cuja perda repentina e prematura toldam de dor tua vida e daqueles que te são próximos, particularmente teu pai, teu irmão, tua esposa e tua filha.
Com profundo sentimento
attico chassot

Gelsa disse...

Querido Jairo, recebe meu soldário abraço neste momento em que a dor da perda te faz um "menino" órfão...

Gelsa disse...

Querido Jairo, recebe meu soldário abraço neste momento em que a dor da perda te faz um "menino" órfão...

Attico CHASSOT disse...

Muito estimado colega e amigo Jairo.
Postei o que está abaixo,
como comentário no blogue na manhã de ontem:
Muito querido amigo Jairo,
Quando leio tão lindas evocações do quanto dona Diva foi significativa em tua vida, entristeço-me junto contigo.
Até esta manhã de domingo estava decidida minha participação no culto de 7º para reverenciar com saudade a memória de tua mãe.
Já fizera pelo mapa do Google o roteiro que faria da Estação do trem Unilasalle até a igreja anglicana São Lucas.
A continuada instabilidade climática e a jornada acadêmica muito densa da sexta-feira e do sábado (adita da a uma ameaça gripal me contraindicaram sair hoje.
Releva não ter comparecido á São Lucas para, ao vivo, levar meu conforto.
Assim, aqui e agora, minha saudosa homenagem a Dona Diva Brasil Vieira cuja perda repentina e prematura toldam de dor tua vida e daqueles que te são próximos, particularmente teu pai, teu irmão, tua esposa e tua filha.
Com profundo sentimento
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com

Vivo por JESUS disse...

Não é fácil mesmo, mas que o Espírito Santo "O Consolador" encha os nossos corações da Paz que excede o nosso entendimento.
Meu Papai ficaria feliz com minha formatura, homem de uma humildade e tamanha sabedoria.