03 agosto 2013

"SEU DOUTOR", ATÉ QUANDO?

Os médicos brasileiros não aceitam a contratação
de estrangeiros
Custei a me decidir se deveria tratar deste assunto aqui, pois ele é polêmico e gerou muitos debates na semana que passou: a questão dos médicos e suas exigências na interiorização da profissão. Preferi ficar alguns dias meditando, lendo e relendo outras opiniões. Inclusive participei de alguns fóruns nas redes sociais, prá tentar entender se minha opinião divergia excessivamente de outros colegas ou a eles se alinhava. Também ouvi alguns colegas docentes que transitam pela área da Saúde, e que demonstraram apreço pela classe médica, mas também possuem restrições. A seguir, parte do depoimento de uma colega da área de Enfermagem, e que atuou ao lado de médicos por mais de trinta anos. Diz ela em determinado momento:

“Sim, o médico é um profissional caro e que deve ser valorizado e bem pago, como todos os demais na área da saúde. Mas por que consideram um salário de R$ 10.000,00 insuficiente? Por que reclamam tanto quando tem que atender algum paciente a mais nos Postos de Saúde? Por que se ofendem quando lhes cobram cumprimento de horário? Por que tratam seus pacientes diferenciadamente conforme sua origem social? Muitos alegam a incompetência do sistema e a falta de recursos, esquecendo que nós profissionais da saúde também fazemos parte deste sistema, e que apesar de todas as dificuldades que são reais, podemos fazer melhor, podemos acolher melhor nossos pacientes sim, diminuindo as longas esperas por consultas com algum especialista por exemplo. Podemos sim explicar melhor a receita e o tratamento aos nossos pacientes para que se sintam respeitados. Podemos e devemos trata-los como gostaríamos que nos tratassem ou às pessoas que nos são caras.”
 
Pois olha, embora as idas e vindas, não consegui me convencer de que lado está a razão. Mesmo assim, sabendo do risco das críticas que posso receber, me arrisco em tratar o assunto sob a minha ótica. Mas vou por um outro viés, não o da reivindicação da classe, até porque qualquer profissional tem direito em fazê-la. Mas me arvoro a transitar pelo viés da educação, o da formação destes profissionais.

Vejamos! Todos são unanimes de que os médicos trazidos de fora devem passar por um exame de avaliação, de forma a comprovarem sua competência na arte do diagnóstico e da possível cura. Cubanos não servem, venezuelanos não podem, argentinos nem pensar. Parece que nossas universidades estão realmente em alta, pois somente os brasileiros são competentes neste momento. Tudo podem eles.

Dr. Paulo de Argollo Mendes, presidente do SIMERS,
possui dois filhos médicos formados em Cuba
Outro dia eu lia o colunista desportivo Paulo Santana, que gosta também de tratar de diversidades e chamava a atenção para os médicos formados em Cuba. Destacava ele que o presidente do SIMERS (Sindicato Médico do RS), Paulo de Argollo Mendes, possui dois filhos formados em medicina. E sabe aonde? Em Havana. Isso mesmo. Diz assim textualmente o Paulo Santana, em sua coluna de 13 de junho passado:

“O doutor Argollo, conhecedor como é da problemática médica, não ia mandar para estudar e formar-se em Cuba dois de seus filhos em vão. Se os mandou, é porque em Cuba a formação médica é melhor até que a do Brasil.”

Por isso, me parece que a palavra que tenho usado nos últimos dias qualifica perfeitamente a classe médica brasileira: “corporativismo”. E se há uma coisa que não se pode negar, é que eles são unidos em defesa da sua causa. Por isso, considero a profissão extremamente elitizada, com algumas exceções, é claro. 


Mas também esta semana, estive lendo um artigo interessante que me foi disponibilizado nas redes sociais, agora não me lembro bem por quem. De autoria da brilhante jornalista Eliane Brum, chama-se “Doutor Advogado e Doutor Médico: até quando?”. Lá pelas tantas do bom artigo, e que pode ser encontrado em  http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/09/doutor-advogado-e-doutor-medico-ate-quando.html, diz ela:
Eliane Brum: "O paciente é um
objeto de intervenção".

“Se olharmos a partir das relações de mercado e de consumo, a medicina e o direito são os únicos espaços em que o cliente, ao entrar pela porta do escritório ou do consultório, em geral já está automaticamente numa posição de submissão. Em ambos os casos, o cliente não tem razão, nem sabe o que é melhor pra ele. Seja como vitima de uma violação da lei ou como autor de uma violação  da lei, o cliente é sujeito passivo diante do advogado, promotor, juiz, delegado. E, como “paciente” do médico [...] deixa de ser pessoa para tornar-se objeto de intervenção.”

“Num país no qual o acesso à Justiça e o acesso à Saúde são deficientes, como o Brasil, é previsível que tanto o título “doutor” permaneça atual e vigoroso quanto o que ele representa tambem como viés de classe.”  
    
E a formação da classe médica no Brasil, em sua maioria, se dá nas universidades públicas, que são gratuitas. O acesso é abstruso, pois um vestibular concorrido, obviamente pela gratuidade, há muitas décadas possibilita se candidatar às vagas somente indivíduos de boa formação no ensino básico. Ou seja, alunos que cursaram escolas privadas de altíssimo nível, daquelas onde cada mensalidade é capaz de pagar um consórcio de automóvel de luxo. E isso, certamente, não é pra qualquer cidadão brasileiro.

A Lei de Cotas tornou mais justo o acesso às
universidades públicas gratuitas
Pois bem, após se utilizarem e explorarem a infraestrutura das universidades públicas gratuitas, o que nos devolvem estes alunos médicos, formados às custas dos impostos pagos pela população? Nada! Por isso mesmo sou defensor ferrenho das cotas. Outro dia, conversava com um colega que é professor em universidade federal, a respeito do perfil dos alunos naquela instituição. E me confidenciava ele que, agora, depois das cotas, estava retomando a motivação para ministrar aulas. Dizia que se cansara de estudantes egressos de escolas privadas em que se cultua uma certa arrogância, e porque não dizer petulância; e que, sendo assim, ali tinham só mais uma etapa a cumprir, desfazendo das aulas e dos professores. Segundo esse colega, os alunos beneficiados pelas cotas, trouxeram novo ânimo ao campus, demonstrando mais afeto e valorizando o fazer docente. “É outra realidade”, disse ele.

Portanto, minha impressão é que a resistência da classe médica em aceitar o ingresso de profissionais estrangeiros, está mais ou menos na mesma proporção da aceitação dos calouros que ingressam pelas cotas na universidade. De olho num mercado outrora reservado para a minoria, se veem agora ameaçados e buscam de qualquer maneira obstruir um processo que me parece irreversível no país: tanto a Lei das Cotas nas universidades públicas, quanto a vinda de médicos estrangeiros para interiorizar o atendimento médico.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
primeiro um protesto: ¿Por que meu comentário à adição pretérita não foi aceito pelo moderador deste blogue que leio a cada fim de semana?
A palavra chave desta blogada está muito bem posta: CORPORATIVISMO.
Não existe uma classe profissional tão arrogantemente corporativa como os médicos;
Parabéns pela oportuna e corajosa publicação.
A admiração do
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
Meu caro Jairo,
primeiro um protesto: ¿Por que meu comentário à adição pretérita não foi aceito pelo moderador deste blogue que leio a cada fim de semana?
A palavra chave desta blogada está muito bem posta: CORPORATIVISMO.
Não existe uma classe profissional tão arrogantemente corporativa como os médicos;
Parabéns pela oportuna e corajosa publicação.
A admiração do
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com