Os médicos brasileiros não aceitam a contratação de estrangeiros |
Custei a me decidir se deveria tratar deste
assunto aqui, pois ele é polêmico e gerou muitos debates na semana que passou:
a questão dos médicos e suas exigências na interiorização da profissão. Preferi
ficar alguns dias meditando, lendo e relendo outras opiniões. Inclusive
participei de alguns fóruns nas redes sociais, prá tentar entender se minha
opinião divergia excessivamente de outros colegas ou a eles se alinhava. Também
ouvi alguns colegas docentes que transitam pela área da Saúde, e que demonstraram apreço
pela classe médica, mas também possuem restrições. A seguir, parte do depoimento de
uma colega da área de Enfermagem, e que atuou ao lado de médicos por mais de
trinta anos. Diz ela em determinado momento:
“Sim,
o médico é um profissional caro e que deve ser valorizado e bem pago, como
todos os demais na área da saúde. Mas por que consideram um salário de R$
10.000,00 insuficiente? Por que reclamam tanto quando tem que atender algum
paciente a mais nos Postos de Saúde? Por que se ofendem quando lhes cobram
cumprimento de horário? Por que tratam seus pacientes diferenciadamente
conforme sua origem social? Muitos alegam a incompetência do sistema e a falta
de recursos, esquecendo que nós profissionais da saúde também fazemos parte
deste sistema, e que apesar de todas as dificuldades que são reais, podemos
fazer melhor, podemos acolher melhor nossos pacientes sim, diminuindo as longas
esperas por consultas com algum especialista por exemplo. Podemos sim explicar
melhor a receita e o tratamento aos nossos pacientes para que se sintam
respeitados. Podemos e devemos trata-los como gostaríamos que nos tratassem ou
às pessoas que nos são caras.”
Pois olha, embora as idas e vindas, não
consegui me convencer de que lado está a razão. Mesmo assim, sabendo do risco
das críticas que posso receber, me arrisco em tratar o assunto sob a minha ótica.
Mas vou por um outro viés, não o da reivindicação da classe, até porque
qualquer profissional tem direito em fazê-la. Mas me arvoro a transitar pelo
viés da educação, o da formação destes profissionais.
Vejamos! Todos são unanimes de que os
médicos trazidos de fora devem passar por um exame de avaliação, de forma a
comprovarem sua competência na arte do diagnóstico e da possível cura. Cubanos
não servem, venezuelanos não podem, argentinos nem pensar. Parece que nossas
universidades estão realmente em alta, pois somente os brasileiros são
competentes neste momento. Tudo podem eles.
Dr. Paulo de Argollo Mendes, presidente do SIMERS, possui dois filhos médicos formados em Cuba |
Outro
dia eu lia o colunista desportivo Paulo Santana, que gosta também de tratar de
diversidades e chamava a atenção para os médicos formados em Cuba. Destacava
ele que o presidente do SIMERS (Sindicato Médico do RS), Paulo de Argollo
Mendes, possui dois filhos formados em medicina. E sabe aonde? Em Havana. Isso
mesmo. Diz assim textualmente o Paulo Santana, em sua coluna de 13 de junho passado:
“O doutor Argollo, conhecedor como é da problemática
médica, não ia mandar para estudar e formar-se em Cuba dois de seus filhos em
vão. Se os mandou, é porque em Cuba a formação médica é melhor até que a do
Brasil.”
Por isso, me parece que a palavra que tenho
usado nos últimos dias qualifica perfeitamente a classe médica brasileira: “corporativismo”.
E se há uma coisa que não se pode negar, é que eles são unidos em defesa da sua
causa. Por isso, considero a
profissão extremamente elitizada, com algumas exceções, é claro.
Mas também esta semana, estive lendo um
artigo interessante que me foi disponibilizado nas redes sociais, agora não me
lembro bem por quem. De autoria da brilhante jornalista Eliane Brum, chama-se
“Doutor Advogado e Doutor Médico: até quando?”. Lá pelas tantas do bom artigo,
e que pode ser encontrado em http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/eliane-brum/noticia/2012/09/doutor-advogado-e-doutor-medico-ate-quando.html, diz ela:
Eliane Brum: "O paciente é um objeto de intervenção". |
“Se olharmos a partir das relações de mercado e de
consumo, a medicina e o direito são os únicos espaços em que o cliente, ao
entrar pela porta do escritório ou do consultório, em geral já está
automaticamente numa posição de submissão. Em ambos os casos, o cliente não tem
razão, nem sabe o que é melhor pra ele. Seja como vitima de uma violação da lei
ou como autor de uma violação da lei, o
cliente é sujeito passivo diante do advogado, promotor, juiz, delegado. E, como
“paciente” do médico [...] deixa de ser pessoa para tornar-se objeto de intervenção.”
“Num país no qual o acesso à Justiça e o acesso à Saúde
são deficientes, como o Brasil, é previsível que tanto o título “doutor”
permaneça atual e vigoroso quanto o que ele representa tambem como viés de
classe.”
E a
formação da classe médica no Brasil, em sua maioria, se dá nas universidades
públicas, que são gratuitas. O acesso é abstruso, pois um vestibular concorrido,
obviamente pela gratuidade, há muitas décadas possibilita se candidatar às
vagas somente indivíduos de boa formação no ensino básico. Ou seja, alunos que
cursaram escolas privadas de altíssimo nível, daquelas onde cada mensalidade é
capaz de pagar um consórcio de automóvel de luxo. E isso, certamente, não é pra
qualquer cidadão brasileiro.
A Lei de Cotas tornou mais justo o acesso às universidades públicas gratuitas |
Pois bem,
após se utilizarem e explorarem a infraestrutura das universidades públicas
gratuitas, o que nos devolvem estes alunos médicos, formados às custas dos impostos
pagos pela população? Nada! Por isso mesmo sou defensor ferrenho das cotas.
Outro dia, conversava com um colega que é professor em universidade federal, a
respeito do perfil dos alunos naquela instituição. E me confidenciava ele que, agora,
depois das cotas, estava retomando a motivação para ministrar aulas. Dizia que
se cansara de estudantes egressos de escolas privadas em que se cultua uma
certa arrogância, e porque não dizer petulância; e que, sendo assim, ali tinham
só mais uma etapa a cumprir, desfazendo das aulas e dos professores. Segundo
esse colega, os alunos beneficiados pelas cotas, trouxeram novo ânimo ao
campus, demonstrando mais afeto e valorizando o fazer docente. “É outra realidade”, disse ele.
Portanto,
minha impressão é que a resistência da classe médica em aceitar o ingresso de
profissionais estrangeiros, está mais ou menos na mesma proporção da aceitação dos
calouros que ingressam pelas cotas na universidade. De olho num mercado outrora
reservado para a minoria, se veem agora ameaçados e buscam de qualquer maneira
obstruir um processo que me parece irreversível no país: tanto a Lei das Cotas
nas universidades públicas, quanto a vinda de médicos estrangeiros para
interiorizar o atendimento médico.
Um comentário:
Meu caro Jairo,
primeiro um protesto: ¿Por que meu comentário à adição pretérita não foi aceito pelo moderador deste blogue que leio a cada fim de semana?
A palavra chave desta blogada está muito bem posta: CORPORATIVISMO.
Não existe uma classe profissional tão arrogantemente corporativa como os médicos;
Parabéns pela oportuna e corajosa publicação.
A admiração do
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
Meu caro Jairo,
primeiro um protesto: ¿Por que meu comentário à adição pretérita não foi aceito pelo moderador deste blogue que leio a cada fim de semana?
A palavra chave desta blogada está muito bem posta: CORPORATIVISMO.
Não existe uma classe profissional tão arrogantemente corporativa como os médicos;
Parabéns pela oportuna e corajosa publicação.
A admiração do
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
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