12 abril 2014

MAIS UMA BIBLIOTECA QUE QUEIMA

Augusto Carneiro em sua residência na Cidade Baixa
Nossa vida é uma eterna sucessão de surpresas, ora alegres, ora tristes. Ninguém escapa das rédeas do destino e do que ele frequentemente nos reserva. Quando menos se espera somos surpreendidos por notícias de impacto; ainda mais quando estas notícias dizem respeito a pessoas que admiramos e que nos são muito caras.

Pois a morte do ambientalista Augusto Cunha Carneiro esta semana, embora sabendo que seu quadro se agravava a cada dia, me trouxe amargura. É uma ausência que certamente empobrece nossas vidas. Digo isso porque acredito que estamos muito pobres de recursos humanos na defesa do meio ambiente. E o Augusto Carneiro foi um destes ferrenhos defensores da natureza, sem contar ainda com a imensa solidariedade e amor fraterno com que tratava os amigos e parceiros. E falo porque fui testemunha disso.

Carneiro e Lutzenberger, precursores do movimento ambientalista
No ano de 2002 eu cursava uma especialização em Ciencias Sociais Aplicadas na União Pioneira de Integração Social de Brasília, cujo trabalho de conclusão versava sobre o impacto no movimento ambientalista brasileiro do retorno de José Lutzenberger ao Brasil na década de 1970. Este trabalho só me foi possível pela significativa contribuição que o Augusto Carneiro a ele emprestou naquela época, tendo em vista que o destino recentemente havia nos levado seu companheiro de AGAPAN.

Minha mãe, que ainda estava presente entre nós à época, fez um primeiro contato com o Augusto, indo até a casa dele ali na Cidade Baixa buscar um título que eu não conseguia em Brasília: o livro “Manifesto Ecológico Brasileiro” de Lutzenberger. Não posso deixar de agradecer ao Cristian Lavich Goldschmidt, hoje jornalista e escritor consagrado, que naquela época fazia estágio na casa do Augusto Carneiro e foi intermediário inicial neste contato.
 
Cristian Lavich foi responsável por minha aproximação
com Augusto Carneiro
Posteriormente minha mãe me contou que saiu maravilhada da casa do ambientalista, tamanha a ternura com que foi tratada. Ofereceu a ela, como fazia sempre, e a todos que recebia em sua casa, cópias de reportagens dos jornais locais tratando das questões ambientais. E mais! Deixou-me abertas as portas de sua casa para quando quisesse visitá-lo.

Foi então que no final do ano de 2002, quando costumava vir de férias, fui visitá-lo ali na Rua da República. E não foi diferente o tratamento. Tanto ele quanto sua esposa Rosalinda foram extraordinários. Ela me atendeu e me pediu para aguardar no sofá da sala, onde já foi possível perceber uma quantidade significativa de livros e, principalmente, de recortes de jornais. De repente adentra a sala aquela figura simpática, de baixa estatura, e com um sorriso doce no rosto como se me conhecesse há muito tempo. Me disse:

“Voce é o rapaz que a mãe esteve aqui conversando comigo? E que precisa de material para pesquisa sobre a nossa entidade ambiental e o Lutz?”

Respondi meio sem graça, pois ali estava um ícone da história ambiental brasileira:
 
Carneiro em vários momentos divulgando a proteção à natureza
“Eu mesmo! Vim de longe para conhecê-lo também.”

Augusto Carneiro me chamou para um pequeno escritório onde guardava seus escritos e recortes e me ofertou seu livro recém editado, a “História do Ambientalismo”. Ao me entregar a obra destacou:

A história escrita até agora não é verdadeira. Ambientalismo de verdade nós é que fizemos aqui na Agapan. Fomos o primeiro órgão a fazer protestos, passeatas e reivindicar melhorias no Brasil. Os demais que foram criados em São Paulo e Rio de Janeiro, principalmente, não tiveram atitude como nós aqui em Porto Alegre.”

Carneiro lembrou ainda do ano de 1975, e do protesto feito pelo estudante Carlos Dayrell, ao subir numa árvore do Parque da Redenção para evitar a sua derrubada. Aliás, até hoje o Túnel da Conceição termina seu percurso num “S” próximo à Faculdade de Ciencias Médicas da UFRGS por causa deste protesto. Ele nunca na verdade foi terminado em seu projeto original, cujos planos era atravessar todo o parque e dar acesso à Av. João Pessoa. Pelo menos esta é a parte da história que conheço, já que nesta época estudava na PUC e pude me acercar destas informações.
 
1975: Estudante Dayrell protesta contra corte de árvores
Ali em sua casa, gentilmente Augusto ainda me brindou com várias publicações, o que me deixou de certa forma constrangido, pois não sabia como reagir diante de tantas gentilezas. Jamais esqueci de suas orientações no sentido de realizar uma pesquisa mais aprofundada, respeitando as fontes e os fatos históricos. Predispôs-se ainda a me fornecer outros documentos caso eu necessitasse. Saí dali exultante e fascinado com o espírito colaborativo e a energia daquele homem.  

Por isso tudo fiquei chocado com a morte do Augusto Carneiro.

Infelizmente não costumamos cultuar personagens como este. Somos um país de pouco reconhecimento às pessoas que contribuíram/contribuem com aspectos relevantes da cultura. Diferentemente dos orientais e também dos africanos, que costumam reconhecer a importância destes sábios, nossa cultura atribui valor somente ao que é “novo”, numa “neopatia”  desmesurada.

Livro de autoria de Augusto Carneiro
Então, num momento de perda como este, sempre me vem à mente o ensinamento que guardo do meu amado Mestre Chassot. Em suas aulas nos chamava a atenção para a afirmação do poeta africano Hampaté Bah: “Quando morre um idoso, é como uma biblioteca que queima”. Pois esta semana, infelizmente, mais uma biblioteca queimou aqui, bem pertinho de nós!

Saudades, meu caro AUGUSTO CUNHA CARNEIRO!   

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
quando vi o anúncio da queima (metafórica) de mais uma biblioteca, o primeiro nome que aflorou-me foi teu.
Há razão se consubstancia na linda e comovente homenagem que fazes a AUGUSTO CUNHA CARNEIRO.
Tu és um dos sucessores destes que partem.
Agradecimentos emocionados
attico chassot