16 agosto 2014

UM ANO DE MUITAS SAUDADES

Decorrido um ano de tua ausência física entre nós, cá estou novamente para prestar-te essa homenagem, sabendo quão difícil e doída é a saudade que deixastes. Inúmeras lembranças me afloram sucessivamente, fazendo com que recorde cada palavra, cada atitude, cada carinho, cada conselho.

Outro dia passando por casa, observei o quanto aquelas rosas que tu plantastes na beira do muro estavam floridas e esplendorosas. Pareciam sorrir para quem passasse por ali, como tu fazias ao cumprimentar vizinhos e transeuntes nas manhãs ensolaradas de inverno. Eras uma jardineira de mão cheia, legado que trouxestes da tua infância, quando dizias o quanto era gostoso mexer a terra. Lembro daquela história que contastes, de que as paredes de barro do rancho onde moravas com teus pais, eram reconstruídas de tempos em tempos, e que todos se uniam nesta tarefa. Também a poda anual da parreira era uma tarefa empreendida com muito capricho. A cada temporada, pacientemente a tesoura ia sacando os galhos mais fracos, renovando o viço e melhorando a estirpe das frutas. Tudo isso aprendi contigo.   

A exuberância das rosas por ti plantadas e o viço da parreira,
que todo ano se enche de frutas
E por falar na chegada das temperaturas rigorosas da estação, é nela que se exacerbam as recordações das tuas bondades, das tuas gentilezas. Como esquecer os quitutes que trazias a cada visita incerta em nossa casa? Sempre tinhas uma “surpresinha” a nos ofertar. O generoso pote de sopa, conteúdo feito com tanto acalanto, e que nos aquecia quando a noite fria ameaçava o convívio. O pão de casa, recém-saído do forno, que vinha enrolado no pano de prato de teu feitio, de cujas bordas tinhas orgulho de mostrar os pontos de crochê recém-aprendidos no livro de receitas.
A dedicação na elaboração dos doces
e salgados para as festinhas de aniversário

Foram inúmeros os aniversários das netas, em que carinhosamente te dispunhas a elaborar salgadinhos e tortas que encantavam os visitantes. Sem contar as surpresas que sempre tinhas como sugestão nos nossos natalícios; como o meu penúltimo, que chegando em casa tarde, vindo da Escola, fui surpreendido pelo coro do parabéns na sala escura. E lá estavas, junto com meu pai, minha esposa e filha, batendo palmas como uma criança, saudando o acontecimento. 

Hoje meu telefone não toca mais próximo à hora do almoço, como tocava antes. Me acostumastes com aquela pergunta que se tornou corriqueira a cada final de manhã: “Quer almoço hoje?” Por muitos meses, depois de tua derradeira despedida, ansiava pelo toque, no afã de ainda ouvir tua voz e acordar do pesadelo. Vez por outra observei que a “Nina”, nossa cachorra de estimação, espreitava a porta aguardando tua visita. Ela também se ressentiu da tua ausência. E muitas vezes, quando eu a instigava perguntando: “Cadê a Vovó?”, seus olhos ainda brilhavam e ela me olhava de forma interrogativa.

O gosto pela música eu herdei de ti
O instrumento musical, que por tua condução aprendi a manejar desde a infância, hoje está bem mais silencioso. Demorei a ter coragem para empunhá-lo novamente depois da tua partida. Eram para mim muito sofridos os acordes. A cada um emitido eu parecia vê-la, como sempre fazia, a minha frente admirando atenta o desfile dos dedos pelo teclado. E não era um olhar passivo, era um olhar de contemplação, de admiração, de verdadeiro entendimento. Um olhar de quem absorve a música como um remédio para a alma. Essa é a diferença entre quem simplesmente ouve música, e de quem realmente escuta música. Talvez aí resida essa paixão que te acometia pelo instrumento, pela música, e que aos filhos transferiu desde cedo. Por isso, ainda hoje me retoma a lembrança daquelas cenas da casa da Vila Ideal. Sentada, com a gaita nos braços, caderno de cifras aberto sobre a estante de madeira, entoando teimosamente a Primeira Valsinha.

Um dia dissestes de tua admiração por uma música que te recordava a infância no Cacequi. Não tinhas muita informação sobre o autor, mas recordava a melodia e a letra. Enfronhei-me a pesquisar sua origem depois. Era um xote, gravado pelo saudoso Pedro Raymundo, e que falava muito das tradições gaúchas. O nome, Gaúcho Velho. E impressionou-me, como parte da letra dizia muito de tua postura e de teus ensinamentos frente à vida. Sobre o não desistir, sobre estar sempre ativa, tal como eras nestes últimos tempos. Diz a letra em sua parte inicial: “A minha história é muita curta minha gente! Em poucos versos conto tudo o que se passa. O que é preciso é mostrar unicamente, que não há nada que eu queira fazer e não faça!”  Se hoje, as receitas de autoajuda afloram sob a forma de palestras e publicações, certamente nesta música buscastes um pouco da inspiração que te movia e que a nós transmitiu.

A Carteira de Motorista era um orgulho, pois não havia
nada que quisesse e não fizesse
Lembro bem quando dissestes que um de teus sonhos era aprender a dirigir e tirar a carteira de motorista. Pois mostraste unicamente que não havia nada que quiseras fazer e não o farias, como dizia a letra daquela música. Tenha certeza, de que isso aumentou ainda mais minha admiração pela persistência demonstrada. E também me ficou de exemplo. 

Mas hoje é um dia de te homenagear diante de toda a herança que nos legou. Muito pelas atitudes, pelas boas ações que te fazem ser lembrada constantemente em nossas rotinas, em nossos momentos de vida. As décadas podem passar, mas tua inspiração permanece viva entre nós. Vai guiando e influenciando também as gerações futuras. Fica a saudade e a certeza de que o Senhor te acolheu e certamente te terá aí nesta nova morada, preparando com muito cuidado nosso caminho, para que um dia nos encontremos neste regozijo eterno. Espera Mãe Querida, que eu também espero um dia te encontrar novamente. Porque aqui a saudade é enorme e muito dolorida. Até lá...       

2 comentários:

Gerson Rocha disse...

Bela homenagem a um amor puro. Um ano passa rápido, mas mantemos a eternidade da alma que Deus nos oportuniza também nas lembranças boas de quem amamos. Isso leva nossa vida distante no coração dos nossos filhos, netos, mesmo que ela não seja mais vivida aqui. Um abraço.

Attico CHASSOT disse...

Meu querido Jairo,
aqui em Ouro Preto lei emocionado as evocações que fazes a tua mãe.
Dona Diva ainda existe porque tu nos conta sua história.
Obrigado por mantê-la viva.
A admiração do
attico chassot
www.professorchassot.pro.br