30 maio 2015

TRISTEZA NA MÚSICA GAÚCHA

A música gaúcha perde dois talentos
Já tinha eu um tema para a edição deste final de semana. Mas a vida nos reserva surpresas a todo instante, algumas de imensa exultação, outras de grande tristeza. E para o mundo da música gaúcha, a tristeza foi a tônica destes dois últimos dias. Perdemos dois talentos nascidos neste torrão.

Primeiramente na quinta, dia 28, o engenheiro, professor, escritor e letrista da música gaúcha, Sérgio Napp. Ele é autor de um dos clássicos da música gaúcha, cantada por muitos sem que se deem conta de sua autoria, em parceria com Mario Barbará. “Desgarrados” retrata em sua letra e melodia os menores abandonados nas ruas da capital. Foi Sérgio que chamou a atenção das pessoas para este quadro triste de Porto Alegre, numa das edições da Califórnia da Canção de Uruguaiana, onde ganhou a Calhandra de Ouro em 1981. Também compôs outras composições como “Canto Livre”, com Fernando Cardoso e Jair Kobe, além de “Meus Olhos”, gravada por Elis Regina. Na seara de compositores rio-grandenses, Sérgio Napp deixa uma lacuna, que dificilmente será preenchida pelo raro talento de estrutura de composições como esta:

"Eles se encontram no cais do porto pelas calçadas/ Fazem biscates pelos mercados, pelas esquinas/ Carregam lixo, vendem revistas, juntam baganas/ E são pingentes das avenidas da capital ”.

Desgarrados, com o cantor Vitor Hugo

Não bastasse a perda de um grande compositor, a sexta-feira de manhã nos reservaria mais uma surpresa, a perda de uma das maiores expressões do violão brasileiro, por causa de um lamentável acidente de automóvel. Seu nome, Arthur Salles de Bonilla, natural de Cruz Alta, tinha 33 anos.

Alguns momentos importantes do violonista de Arthur Bonilla
Bonilla era um músico daqueles que não precisava falar para ser reconhecido e ser querido pelos amigos. O instrumento parecia falar por ele, a dizer em seu nome que ali estava para emoldurar mais uma canção, mais uma composição. Conheci Bonilla nos festivais nativistas da região, mais particularmente, na Guyanuba da Canção de Sapucaia do Sul, acompanhando intérpretes com a ressonância e a vibração das cordas de seu violão. De imediato me chamou a atenção a melodia e o esplendor de seus acordes, de um violão limpo e audível de grande sonoridade.  

Um sujeito bonachão, muito humilde e extremamente carinhoso com os amigos. Deixa a vida num momento em que alçava grandes voos na carreira, timbrando as notas de seu violão de sete cordas em muitos quadrantes do globo terrestre. Recentemente havia chegado de mais uma turnê musical pela Europa, na companhia de Renato Borghetti.

Arthur Bonilla e Renato Borghetti, Milonga para as Missões

Gravou com inúmeros talentos da música gaúcha, tais como o próprio Borghettinho, Yamandu Costa, Pirisca Grecco e João de Almeida Neto, entre outros. No cenário nacional acompanhou celebridades como Dominguinhos e Hamilton de Holanda. Sua extrema simplicidade era capaz de conquistar amizades em cada uma destas parcerias, tornando-se mais do que um músico, um grande amigo de todos.

Duas perdas para a música gaúcha nesta semana que se encerra. Dois talentos que nos abandonam, tornando mais pobre o meio musical e reforçando o que disse o colega e também compositor Pirisca Grecco nas redes sociais:
“Abracemos nossos amigos. Digamos o quanto são importantes e o quanto os queremos bem. Amanhã podem não estar mais entre nós. RIP Bonilla. Força aos que ficam”

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu querido Jairo,
a morte do Sérgio Napp me pegou diferente do que a ti. Tu tens um gene musical nativista que não tenho.
Duas coisas muito fortes me marcaram nesta morte:
Primeiro, eu e ele somos (ou éramos) coetâneos; quando morre alguém da safra da gente é algo esdrúxulo.
Segundo, eu tinha uma inveja dele (eu sei que isso é pecado! Mas...), quando na década de 80 concorríamos no ‘Habitasul revelação Literária’ na categoria contos; ele quase sempre ganhava. Eu ficava no máximo com menções honrosa.
Parece que essa notícia, que também evocas, nos a todos faz um pouco mais desgarrados. Ou talvez, mais amarrados.
“Sopram ventos desgarrados, carregados de saudade
Viram copos viram mundos, mas o que foi nunca mais será...”