08 agosto 2015

A EDUCAÇÃO MAIS POBRE AINDA

Içami Tiba, um educador por excelência
"Toda vez que um velho morre, é como uma biblioteca que queima!” Já referi esta frase aqui em edições anteriores. Ela é de autoria de um diplomata africano malinês chamado Amadou Hampaté Bâ. Tomei o costume de utilizá-la quando da passagem de pessoas que considero importantes, principalmente aqueles da educação, com quem me identifico. E esta semana, mais uma vez, a frase de Amadou me veio à mente, pois um de meus educadores favoritos partiu de nosso convívio. Seu nome, Içami Tiba.

Era filho de imigrantes japoneses, que haviam chegado ao Brasil por conta das dificuldades que passaram em consequência dos tempos de guerra que o Japão passava. O mesmo país que esta semana relembrou com tristeza os setenta anos das bombas de Hiroshima e Nagasaki, momento único em que armas nucleares foram utilizadas contra civis num conflito internacional, e cujo saldo de mortos estima-se até hoje em cerca de 240 mil de maneira instantânea, excetuando-se aquelas que vieram posteriormente a ocorrer.

Os cogumelos nucleares que devastaram as duas cidades japonesas
Os pais de Içami Tiba construíram  em Tapiraí, interior de São Paulo, um armazém de alvenaria chamado “Casa Tiba – Secos e Molhados”, onde ao fundo ficava a casa onde ele nasceu. Na casa moravam também, além dos pais e irmãos, os avós e alguns tios, bem ao estilo oriental de congregar toda a família em um mesmo local. Sonhou ser caminhoneiro, mas inspirado pelo médico da cidade de Piedade, Dr. Imamura, resolveu ser médico, quando este prestou atendimento à sua família. Formou-se em medicina pela Universidade de São Paulo em 1968, e depois especializou-se em psiquiatria pelo Hospital de Clínicas da universidade, onde foi docente por mais de sete anos.

Eu pouco havia ouvido falar de Içami Tiba até junho de 2002, quando fiz minha inscrição numa palestra promovida pelo CIEE – Centro Integrado Empresa Escola e Correio Braziliense na capital federal. Passava um pouco das oito da manhã, auditório quase lotado, e eis que adentra o recinto do teatro do CIEE, apresentado por um jornalista do Correio Braziliense, o psiquiatra e educador Içami Tiba. De voz macia e com uma empatia muito grande, em poucos minutos cativou todo o público. Era um especialista dedicado na educação de crianças e jovens, matéria prima de rara presença nos tempos atuais.
Içami Tiba em sessão de autógrafos em SP

Contou-nos inicialmente um pouco de sua vida, e de sua participação em mais de três mil eventos daquele tipo, tanto no Brasil quanto no exterior. Aos poucos, sem que nos déssemos conta foi introduzindo o assunto educação de maneira imperceptível, demonstrando todo seu conhecimento em relação ao assunto. Tiba falava muito do quanto a educação de crianças e adolescentes está envolvida com o amor, com o carinho e com o afeto.

Tiba deixou-nos uma grande contribuição relativa à psicoterapia para adolescentes e suas famílias. São dezesseis obras versando sobre o tema e que muito retratam a realidade atual e de como lidar com o conflito familiar. Dizia ele que “a maior parte dos problemas psíquicos dos adolescentes pode ser atribuída ao comportamento de seus pais, que agem eles próprios como adolescentes. Esses pais, na expressão criada pelo médico, estariam vivendo uma fase de “adultescência””.

Algumas das muitas obras de Içami Tiba
Entre as obras de Içami Tiba estão “Adolescência, o despertar do sexo” (1994), “Seja Feliz, Meu Filho” (1995), “Disciplina, limite na medida certa” (1996) e “Quem Ama, Educa!” (2002). Tenho este último em minha biblioteca particular, recebido com o autógrafo de Içami Tiba, após a palestra daquela manhã em Brasília. Muitas vezes me servi dos conselhos de Tiba nalgumas vezes em que tive de lidar com o comportamento adolescente aqui em casa.

Com a passagem de Içami Tiba perdemos um educador relevante, e de raríssima habilidade em lidar com os conflitos da adolescência. Principalmente num momento em que nossa sociedade demonstra grande dificuldade em tratar com adolescentes envolvidos na criminalidade e no vício, e cuja única alternativa vislumbrada até então foi a redução da maioridade penal. Certamente, esta foi uma semana de grande perda, e que também nos deixou algumas cinzas de conhecimento.   

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo!
Bem posta a conexão que fazes da morte de Içami Tiba com evocação do bombardeamento de Nagasaki e Hiroshima, assunto do meu blogue de sexta-feira.
Por outro lado a terna pavana que fazes ao educador que tiveste o privilégio de ouvir em Brasília, é digna do admirado intelectual.
Cumprimentos pelo dia dos pais, que amanhã comemoramos.
achassot