14 novembro 2015

ERA UMA VEZ...

Era uma vez um pequeno lugarejo
Era uma vez, um pequeno lugarejo plantado num vale bucólico e repleto de belezas naturais. Um lugar esplendoroso, cheio de árvores, frutos e flores silvestres, onde o canto dos pássaros era a única sinfonia que ali ressoava. Corria ainda um rio de água límpida e tranquila, bem no meio daquele vale, tornando o clima ameno e agradável. Um verdadeiro paraíso.

Conta a lenda que aos poucos, um povo simples e ingênuo veio habitar aquele lugar. Construíram suas pequenas casas ao longo do rio, fazendo daquele recanto um local maravilhoso prá se morar. Embora a dádiva de todos os recursos que o lugar lhes ofertava, plantaram roças e pomares e passaram a colher hortaliças, verduras e frutas. Também criavam pequenos animais para seu sustento.

De nada este povo dependia da cidade grande, pois ali tinham de tudo. A terra lhes dava o que comer, o rio lhes dava a água de beber. E o rio ainda lhes oferecia a fartura de peixes para complementar a dieta necessária.

Ali ninguém era rico, tampouco ninguém era pobre. Todos eram felizes, pois não havia necessidades que não fossem satisfeitas por tudo o que o vale lhes proporcionava.

Acima daquele lugar tinha uma grande montanha, aonde diziam haver um tesouro maldito enterrado. Mas como o povo simples dali não entendia de ganancia e de riqueza, jamais seus habitantes se atreveram a explorar tal lugar. Tudo o que possuíam no vale acreditavam suficiente para viver de maneira simples e feliz.   

E as máquinas começaram a explorar a montanha
Mas eis que um belo dia, um senhor de roupas e botas bonitas, desconhecidas de qualquer morador que ali habitava, com um grande anel de brilhantes no dedo indicador da mão direita, conclamou a todos. Revelou-lhes que havia descoberto um tesouro na montanha, e que se o ajudassem a desenterrar aquele tesouro, repartiria com toda a população do povoado. A partir de então, ninguém necessitaria plantar, pescar ou trabalhar de sol a sol para viver feliz naquele lugar. Somente com os dividendos do tesouro seria possível viver ali para sempre, inclusive deixar parte deste tesouro para as outras gerações.

Um mar de lama fétida e tóxica desceu a montanha
Os mais velhos, ao ouvirem o relato do senhor de roupas e botas bonitas, se mostraram muito desconfiados, pois pela experiência que possuíam sabiam que o homem de palavra fácil e personalidade agradável, raras vezes é homem de bem.

Mas os mais jovens, imbuídos de grande egoísmo e de um espírito imediatista, se convenceram das palavras daquele senhor, e aceitaram sua proposta, apesar dos conselhos dos mais velhos. Empolgados pela promessa dele e munidos de ferramentas, todos subiram a montanha e se puseram a escavar em busca do tesouro.

O povoado reclama de volta o seu paraíso
Aos poucos a montanha foi dilapidada, expondo suas entranhas e a riqueza que do seu seio brotava. Eram metais preciosos dos quais eram feitos anéis como aquele do dedo indicador do senhor de roupas e botas bonitas. Mas junto com os metais, uma lama fétida e tóxica se acumulava no topo da montanha. E assim, seguiram as atividades em busca do tesouro, em busca da riqueza, por anos e anos. E os olhos do senhor de roupas e bota bonitas ficavam esbugalhados a cada quantidade de metal precioso que dali brotava. E ele queria mais, e mais, e mais ainda...


E os velhos, que inicialmente não quiseram se dobrar aos apelos daquele senhor, já se convenciam de que os jovens tinham razão, embora constatassem que a repartição do tesouro não era tão igual como ele prometera. Mesmo assim, eles agora viviam às custas dos rendimentos da montanha, e haviam deixado de plantar, de colher e de pescar.
No rio, antes límpido e tranquilo, hoje restam poças
com peixes agonizando

Mas eis que num entardecer muito lindo, daqueles capazes de emoldurar obras de arte, e que só ocorria naquele vale, uma grande e inesperada tragédia aconteceu. O sol já se punha no horizonte, quando uma parte da montanha se rompeu, e aquele mar de lama fétida e tóxica contida no topo da montanha  desceu com grande velocidade em direção ao povoado. Foi arrastando e arrasando tudo que encontrava pela frente. Árvores, casas, ruas, calçadas, praças e pessoas foram arrastadas e sepultadas pela excrescência daquele material que ninguém conhecia. E o senhor de roupas e botas bonitas, agora preocupado e apavorado, afirmava: “Não se assustem, esse material não faz mal. Fiquem tranquilos, vamos dar um jeito”.

E o desespero tomou conta de todos, quando viram que o povoado sumiu, junto com toda a beleza e com muitas das pessoas que ali habitavam. Casas e ruas foram tomados pela lama fétida e tóxica, putrefazendo toda a paisagem linda que ali havia. O rio de água límpida e tranquila se tornou um esgoto a céu aberto, com uma cor castanho escuro de material em decomposição e um lamaçal mal cheiroso. E onde havia algumas míseras poças d’água, podiam se ver peixes agonizando. E a água que o rio fornecia para saciar a sede do povoado, estava agora toda envenenada. Era, sem dúvida, também, a morte do rio. 

E os habitantes que sobreviveram à tragédia, agora sem as suas casas, sem os seus vizinhos, sem os seu pais, sem os seus filhos, choravam e imploravam de volta o seu paraíso. Agora nada sobrara, porque ERA UMA VEZ... um pequeno lugarejo plantado num vale bucólico e repleto de belezas naturais, onde havia um rio de água límpida e tranquila, e uma montanha onde diziam haver um tesouro maldito enterrado.  

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Muito estimado colega Jairo!
a saga de Mariana é dolorosa. As cores com as quais a pintaste são marcadas pela dor, pela tragédia e pela ganância.
Talvez, um dia falemos: "Era uma vez um rio Doce....
Com admiração e profunda dor,
attico chassot