O Audi que atropelou um casal esta semana próximo ao Parcão. |
Esta semana resolvo
novamente não falar de política, porque o assunto tem me causado náuseas,
principalmente pelo que tenho visto como uma grande demonstração de sarcasmo de
nossos representantes num momento tão grave do país. Definitivamente, não
merecem a minha atenção.
Por isso, vou
cuidar do meu umbigo e tratar das coisas da minha terra. Quero resgatar aqui o
artigo do excelente jornalista Paulo Germano, vencedor do Premio Petrobras e
finalista do Premio Esso, tratando do acidente de trânsito que atingiu um casal
na capital.
Ou a sociedade abre imediatamente um debate sobre a
leniência da nossa legislação, ou o criminoso continuará livre para encontrar
você.
Thomaz Coletti se recupera de várias fraturas após o acidente |
Numa esquina do Parcão, às quatro da
manhã, imagino o diálogo daquele casal com o cachorrinho.
— Será que é tranquilo?
Não é tranquilo, saiam daí!, eu
responderia. Moro bem perto, tenho medo de assalto até de manhã, que dirá de
madrugada. Tudo bem que é o Parcão, uma área iluminada inclusive à noite, com
segurança privada em frente aos prédios, mas andar na rua a essa hora, por
favor, nem pensar, não conhecem Porto Alegre?, daqui a pouco vem um
mal-encarado pedindo a carteira e...
Que estouro foi esse?
Seria um tiro?
O casal olha para frente, e um Peugeot 206
levanta voo do meio-fio, avança na direção dos dois, colide contra uma árvore e
os atinge violentamente. Tudo isso em dois segundos.
Rafaela se recupera de inúmeras fraturas, inclusive na coluna |
Lá pelas tantas, Thomaz lembrou que um carro "pode ser mais
perigoso do que uma arma". E eu lembrei que, embora seja impossível prever
o perigo em uma situação como essa, o criminoso continua lá. O triste é que
dificilmente ele será preso.
— Quase impossível — me disse ontem um
desembargador, meio constrangido, então liguei para um juiz e um promotor do
Ministério Público, e os dois repetiram a mesma coisa.
Quer dizer: em alta velocidade, um homem participa de um racha
numa das ruas mais movimentadas da cidade, ultrapassa o sinal vermelho, quase
mata duas pessoas, não presta socorro, foge do local e sua pena deve ser
reduzida a prestação de serviços comunitários. Tem mais. O dono do carro,
Thiago Brentano, 39 anos, não confirmou à polícia se era ele quem dirigia — porque, se
era ele, sabe-se que Thiago comprou 10 cervejas na boate onde estava e, para
completar, sua carteira de habilitação estava suspensa.
Vídeo mostra o momento do acidente
Pelo amor de Deus. Pode haver mais motivos para alguém ser
preso?
Os juristas que ouvi informaram que o
delito do motorista — lesão corporal culposa (sem intenção) — não dá cadeia.
Mas, ainda que o Ministério Público denuncie o condutor por tentativa de
homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), a
possibilidade de ele ser condenado por isso é minúscula.
Qual é o recado para a sociedade? O de
sempre: que a Justiça não funciona, que o Brasil é uma gandaia, que a
impunidade corre solta, que ser correto é uma idiotice e, claro, que um
delinquente pode abrir feridas eternas na vida de Rafaela e Thomaz que, tudo
bem, ninguém se importa.
Ou a sociedade — em especial o Congresso,
que é para isso que serve — abre imediatamente um debate sobre a leniência da
nossa legislação, ou amanhã mesmo, quando eu levar um tiro no peito ou um
Peugeot voar na minha cabeça, o criminoso continuará livre para encontrar você.
Um comentário:
Eu caro Jairo!
Respeito tua decisão de não falares em política. Na verdade o assunto que trazes é acerca do comportamento dos cidadãos na polis. Como históriafor sabes muito bem disso. Claro que sei que estás falando dos momentos dolorosos que vivemos. Estou te escrevendo numa tarde/noite muito triste. Esá ocorrendo a votação. Não tenho condições emocionais de acompanhá-la, por isso vim aqui te ler. Já te busquei ontem, há um tempo ainda não tinhas postado.
Permito-me te trazer o encerramento que fiz em duas palestras dessa semana. Uma para mais de 600 pessoas. As comento na última edição de meu blogue. Inspirei-me em Fernando Savater:
Enquanto mulheres e homens envolvidos com a Ciência marcados por posturas éticas há três virtudes são essenciais e devem ser reforçadas:
• - a coragem para poder viver: pois vivemos diante da morte, das dificuldades e das ameaças, e não se pode viver eticamente sem coragem;
• - a generosidade para poder conviver: pois viver com outros exige, de alguma maneira, ceder, e precisamos limitar nossos desejos no choque com os demais;
• - e a prudência para sobreviver: pois a vida está cheia de armadilhas e de riscos, e exercer o bem é, muitas vezes, arriscado. Mas passar por martírios sem proveito não serve de nada.
• attico chassot
• mestrechassot.blogspot.com
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