16 abril 2016

UM DIA ELE PODE ENCONTRAR VOCÊ!


O Audi que atropelou um casal esta semana próximo ao Parcão.
Esta semana resolvo novamente não falar de política, porque o assunto tem me causado náuseas, principalmente pelo que tenho visto como uma grande demonstração de sarcasmo de nossos representantes num momento tão grave do país. Definitivamente, não merecem a minha atenção.

Por isso, vou cuidar do meu umbigo e tratar das coisas da minha terra. Quero resgatar aqui o artigo do excelente jornalista Paulo Germano, vencedor do Premio Petrobras e finalista do Premio Esso, tratando do acidente de trânsito que atingiu um casal na capital.  

Ou a sociedade abre imediatamente um debate sobre a leniência da nossa legislação, ou o criminoso continuará livre para encontrar você.

Thomaz Coletti se recupera de várias fraturas após o acidente
Numa esquina do Parcão, às quatro da manhã, imagino o diálogo daquele casal com o cachorrinho.

— Será que é tranquilo?

Não é tranquilo, saiam daí!, eu responderia. Moro bem perto, tenho medo de assalto até de manhã, que dirá de madrugada. Tudo bem que é o Parcão, uma área iluminada inclusive à noite, com segurança privada em frente aos prédios, mas andar na rua a essa hora, por favor, nem pensar, não conhecem Porto Alegre?, daqui a pouco vem um mal-encarado pedindo a carteira e...

Que estouro foi esse?

Seria um tiro?

O casal olha para frente, e um Peugeot 206 levanta voo do meio-fio, avança na direção dos dois, colide contra uma árvore e os atinge violentamente. Tudo isso em dois segundos.

Rafaela se recupera de inúmeras fraturas, inclusive na coluna
Rafaela Perrone, 24 anos, e Thomaz Coletti, 25, viveram o que há de mais arbitrário na violência urbana: quando o risco é inimaginável, imprevisível, quando não há como se precaver nem como fugir. Ela segue internada no Hospital Moinhos de Vento, com suspeita de fratura na coluna. Ele, com 50 pontos no rosto e com uma parte da mandíbula descolada dos dentes, concedeu uma entrevista angustiante a Zero Hora.

Lá pelas tantas, Thomaz lembrou que um carro "pode ser mais perigoso do que uma arma". E eu lembrei que, embora seja impossível prever o perigo em uma situação como essa, o criminoso continua lá. O triste é que dificilmente ele será preso.

— Quase impossível — me disse ontem um desembargador, meio constrangido, então liguei para um juiz e um promotor do Ministério Público, e os dois repetiram a mesma coisa.

Quer dizer: em alta velocidade, um homem participa de um racha numa das ruas mais movimentadas da cidade, ultrapassa o sinal vermelho, quase mata duas pessoas, não presta socorro, foge do local e sua pena deve ser reduzida a prestação de serviços comunitários. Tem mais. O dono do carro, Thiago Brentano, 39 anos, não confirmou à polícia se era ele quem dirigia — porque, se era ele, sabe-se que Thiago comprou 10 cervejas na boate onde estava e, para completar, sua carteira de habilitação estava suspensa.

Vídeo mostra o momento do acidente
Pelo amor de Deus. Pode haver mais motivos para alguém ser preso?

Os juristas que ouvi informaram que o delito do motorista — lesão corporal culposa (sem intenção) — não dá cadeia. Mas, ainda que o Ministério Público denuncie o condutor por tentativa de homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar), a possibilidade de ele ser condenado por isso é minúscula.

Qual é o recado para a sociedade? O de sempre: que a Justiça não funciona, que o Brasil é uma gandaia, que a impunidade corre solta, que ser correto é uma idiotice e, claro, que um delinquente pode abrir feridas eternas na vida de Rafaela e Thomaz que, tudo bem, ninguém se importa.

Ou a sociedade — em especial o Congresso, que é para isso que serve — abre imediatamente um debate sobre a leniência da nossa legislação, ou amanhã mesmo, quando eu levar um tiro no peito ou um Peugeot voar na minha cabeça, o criminoso continuará livre para encontrar você.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Eu caro Jairo!
Respeito tua decisão de não falares em política. Na verdade o assunto que trazes é acerca do comportamento dos cidadãos na polis. Como históriafor sabes muito bem disso. Claro que sei que estás falando dos momentos dolorosos que vivemos. Estou te escrevendo numa tarde/noite muito triste. Esá ocorrendo a votação. Não tenho condições emocionais de acompanhá-la, por isso vim aqui te ler. Já te busquei ontem, há um tempo ainda não tinhas postado.
Permito-me te trazer o encerramento que fiz em duas palestras dessa semana. Uma para mais de 600 pessoas. As comento na última edição de meu blogue. Inspirei-me em Fernando Savater:
Enquanto mulheres e homens envolvidos com a Ciência marcados por posturas éticas há três virtudes são essenciais e devem ser reforçadas:
• - a coragem para poder viver: pois vivemos diante da morte, das dificuldades e das ameaças, e não se pode viver eticamente sem coragem;
• - a generosidade para poder conviver: pois viver com outros exige, de alguma maneira, ceder, e precisamos limitar nossos desejos no choque com os demais;
• - e a prudência para sobreviver: pois a vida está cheia de armadilhas e de riscos, e exercer o bem é, muitas vezes, arriscado. Mas passar por martírios sem proveito não serve de nada.
• attico chassot
• mestrechassot.blogspot.com