14 janeiro 2017

A MODERNIDADE É LÍQUIDA...



Zigmunt Baumann, sociólogo polonês

Esta semana está marcada para mim pela tristeza. Nela tive/tivemos uma grande perda. Uma perda que, por certo, vai deixar uma lacuna irreparável.

Como aprendi com meu mestre e orientador Attico Chassot, é “mais uma biblioteca que incendiou”. A frase de efeito tem por autor o célebre escritor e poeta africano Hamadou Hampâté Ba. E eu já havia referido a frase dele lá em junho de 2010, com a partida de Saramago, e em dezembro de 2012, na morte de Niemeyer.

Desta vez, perdemos talvez um dois maiores pensadores contemporâneos, que assim como eu e muitos de meus amigos, perpassamos o século 20 para chegar ao 21. Mas este acumulou muito mais experiências e vivencias do que nós. Seu nome: Zigmunt Baumann. Viveu e sofreu os horrores da Segunda Guerra, servindo no exército polonês e participando das batalhas de Kolberg e de Berlim. Por proferir opiniões contrárias aos regimes de governo onde vivia, foi expulso do exército e teve de mudar para Israel, onde também foi preterido pela mesma causa. Atualmente era professor da Universidade de Leeds na Inglaterra, há mais de trinta anos.


A teoria defendida por Baumann
Ao longo de sua carreira como escritor, iniciada na década de 1950, desenvolveu uma sociologia crítica e emancipadora, abordando temas de cunho social e político como o holocausto, o consumismo, a modernidade, a pós-modernidade e a globalização. Dentre suas obras publicadas no Brasil, destacam-se “Modernidade Líquida”, “Amor Líquido”, “Vida Líquida”, “O mal-estar da pós-modernidade” e “Tempos Líquidos”.

Baumann é autor da “teoria da Modernidade Líquida” onde, segundo ele, a humanidade construiu uma realidade marcada por relações superficiais e sem qualquer solidez. São relações fluídas, com laços de extrema fragilidade, e capazes de serem rompidos ao menor ponto de conflito ou de discordância. 

Shopping Center, o templo do consumo e da modernidade líquida
O ponto que mais me chamou a atenção nas suas obras, foi quando o mesmo elegeu os “shopping centers” como símbolo máximo da “modernidade líquida”. Para Baumann, estes ambientes “higienizados”, “climatizados” e “customizados” substituíram os tradicionais espaços públicos das gerações anteriores: praças, largos e calçadões. Ali tudo parece pertencer a uma realidade artificial. O homem pós-moderno busca no shopping uma espécie de “pertencimento”, de “tribalidade”. Ao adentrar este espaço, a sensação é de que “todos são iguais”, “todos pertencem” ao mesmo mundo. E ali, o “consumismo” é a religião predominante. Todos estão naquele ambiente movidos pelo mesmo culto, pela mesma fé. É o templo da “Modernidade Líquida”.

Sempre achei “fantástica” esta reflexão, coisa que somente Baumann foi capaz de imaginar, e de nos brindar neste inicio de milênio.     

Dos autores estrangeiros que já li, Baumann acumula o maior número de obras. Poucos títulos em português deixei de ler.

Algumas obras de Baumann fazem parte do meu acervo
Sei que meus leitores, principalmente meus alunos e alunas, poderão se perguntar: “Por quê o prof. Jairo Brasil adquiriu tamanha devoção e admiração por este senhor de larga idade? O que simboliza ele para tamanho entusiasmo pelo seu pensamento?”

Pois quero dizer a vocês que pessoas como ele são perolas raras que surgem a cada centena de décadas. Dificilmente se tem a presença de um Baumann entre nós a cada tempo. Um sujeito como esse muda pensamentos, altera paradigmas, transforma realidades e influi em decisões.

A sua despedida de nosso meio, significa “a queima de uma biblioteca inteira”, como dizia Hamadou Hampâté Ba, que referi lá no início. Quem dera não demoremos muito para novamente desfrutar da qualidade de pessoas como Zigmunt Baumann. Fica a expectativa, e que estejamos atentos.          

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