03 fevereiro 2017

O SONHO DO OPRIMIDO



Eike Batista, cabeça raspada antes da prisão

O bom hábito da leitura é capaz de transformar nossos pensamentos, nosso entendimento a respeito do mundo. Muda nossas atitudes, por consequência, a partir do momento em que somos capazes de aplicar na vida real muito da teoria que aprendemos. E a leitura, como uma prática singular e solitária, nos torna sujeitos mais introspectivos e mais reflexivos. E cada vez que uma situação inusitada se apresenta à nossa frente, é comum que resgatemos das nossas leituras, um leque de possibilidades que nos proporcione resoluções adequadas. 

Esta semana, munido da experiência de minhas leituras, resolvi trazer algumas reflexões sobre dois acontecimentos que marcaram a semana: a morte da esposa do ex-presidente Lula e a prisão do empresário Eike Batista.
Começo pelo segundo acontecimento, porque apesar de não ser fatídico, não se pode considerar ameno em relação à repercussão que ambos trouxeram na imprensa em geral e nas mídias sociais.

Manifestantes esta semana em frente ao Hospital Sírio Libanês
A obra “O X da Questão” me foi presenteada por um amigo em março de 2012, e a devorei em poucos dias, tal era minha curiosidade em relação ao sucesso do megaempresário brasileiro e sua meteórica trajetória. Afoito em suas estratégias empreendedoras, Eike reconheceu que por vezes ultrapassava determinados limites na busca de sucesso.

Bem, não vou fazer resenha aqui, e quem quiser se apropriar com mais detalhes, que leia a obra por inteiro. Está lá, baratinho, da editora “Primeira Pessoa”. Apesar da situação atual, ainda vale conhecer a história.  

Mas o que me impressionou esta semana foi a forma como a Polícia Federal tratou o caso (assim como já tratou de outros). Eike Batista foi denunciado na Lava-Jato, fruto do acordo de delações premiadas que ocorrem a toda semana. Nem virou réu, e sequer foi julgado. Mas teve a cabeça raspada e foi trancafiado em Bangu, onde já reside o ex-governador Sergio Cabral, seu parceiro segundo as investigações. A prisão de Eike, segundo os procuradores é “preventiva”. Mas porque a cabeça raspada, já que não foi sentenciado?

As redes sociais exibiram absurdos e falta de respeito humano.
Pareceu uma atitude de violação das regras de conduta, como aquelas mesmas que acontecem nas ações policiais das periferias de grandes metrópoles, em favelas e buracos onde o direito é ultrajado sem dar chance aos submetidos. Foi nada mais, nada menos, uma mostra de força do aparelho judicial, tendo por objetivo maior a humilhação, a opressão. Típico destes países de quarto mundo, onde a emoção suplanta a razão e muita gente ainda aplaude. E quando alguém defende uma atitude destas, ou se coaduna com ela, está na verdade aceitando que atitudes como estas se tornem banais no futuro, e talvez sejam aplicadas a muitos de nós.

De imediato me veio a cabeça a obra de Paulo Freire, “A pedagogia do oprimido”. Ali o educador exemplifica que, quando o oprimido se transforma em opressor, impõe maior radicalidade ainda, em função do ódio e do rancor que dele se apossam.

O grande recado de Paulo Freire está na sua obra
No segundo acontecimento, imbuído deste mesmo pensamento, e das reflexões que as leituras me trouxeram, observei o caso da internação e da evolução da saúde da ex-primeira dama Marisa Letícia. Entristeceu-me algumas declarações de ódio e rancor a respeito do fato, estampadas principalmente nas redes sociais. A princípio, percebe-se que algumas são influenciadas pela ignorância da “histeria coletiva”, e que também acomete de maneira similar legiões inteiras de torcedores clubistas em nosso futebol, incapazes de refletir individualmente. Se deixam ludibriar pelo coletivo. E o resultado a gente já sabe: agressões absurdas, linchamentos e mortes.

Sem contar ainda, manifestantes que tiveram a capacidade de se reunir em frente ao hospital gritando palavras de ordem, em demonstração de grande escárnio e desapego pelas verdadeiras relações de respeito e comiseração humanas.    

Uma das grandes diferenças dos animais em relação aos seres humanos é a capacidade de reflexão, de entendimento. E esta semana isso me pareceu muito distante da nossa sociedade, da sociedade brasileira; à exceção de alguns poucos que vieram a público se manifestar.

Em momentos como esse é que gostaria de ressuscitar nomes como Mahatma Gandhi, Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá, Zilda Arns e até nosso maior educador, Paulo Freire, que soube mostrar que o oprimido, quando vira opressor, é capaz de acumular ódio e rancor maior do que aquele que o oprimiu.   

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