“Quando um velho morre é uma biblioteca inteira
que queima”. A frase é do célebre escritor e poeta africano Hamadou Hampâté Ba.
Mas quem pela primeira vez me trouxe esta reflexão, e na qual passei a dar
muita atenção depois de incorporá-la, foi o meu grande mestre desta última
década, professor Attico Chassot, meu orientador no programa de pós-graduaçao
em educação da Unisinos. E quando o velho que morre é um Oscar Niemeyer, aí então
o conteúdo desta biblioteca parece muito mais expressivo e, portanto, mais
sentido. Até porque, raras vezes em nossas vidas podemos desfrutar da inteligência
de gênios como ele. Talvez as gerações futuras não tenham esse privilégio que
nós da segunda metade do século XX tivemos.
Meu primeiro contato com a obra de Niemeyer
foi ainda no ensino primário, o atual ensino fundamental, onde aprendi que ele
foi um dos idealizadores da nossa atual capital federal. Nasci ainda sob a
égide do governo JK e de seu plano de metas, onde Brasilia ainda constava
somente como um projeto na prancheta.
Na década de 1950 Brasília era um grande canteiro de obras |
Na época meu pai trabalhava como mecânico de
manutenção de sistemas de refrigeração das aeronaves da extinta VARIG. Todas as
vezes que retornava de suas viagens, e que não foram poucas pelo país afora a
serviço da empresa, trazia na bagagem souvenirs e histórias. Muitas delas me
encantavam pela forma como as contava. E uma destas viagens, que muito me
encantou, foi aquela em que relatava como se desenvolvia a construção da
capital federal: um imenso canteiro de obras, dizia ele. Eu tinha a idade de
apenas três anos, mas tenho resquícios destes relatos, além de um conjunto de
taças de cristal que ele trouxe na bagagem, e minha mãe guarda até hoje, em
cuja gravação se lê “Eu vi Brasília nascer”.
Os nomes de Niemeyer e Lucio Costa, essa
dupla genial e que conseguiu fazer do Brasil referencia mundial em termos de
projeto urbano e arquitetônico, eram frequentes toda vez que se falava de Brasília
em sala de aula. Isso já me aguçava a curiosidade. Antes de conhecê-la, Brasília
para mim significava uma cidade de sonhos. Mas eis que uma oportunidade de
trabalho nos idos de 1994 me proporcionou conhecer e viver o Plano Piloto,
complexo que integra todo o projeto da capital ao denominado Distrito Federal.
Assim, pude observar de perto a esplendida obra destes dois gênios que, pela
autonomia fornecida pelo presidente JK, transformaram o sonho em realidade.
O formato de um avião inspirou o nome Plano Piloto |
Ao chegar em Brasília naquele ano, vindo do
oeste paranaense, onde morávamos eu e minha família em Londrina, assumi a
gerencia industrial de uma empresa com mais de 500 funcionários, na então pioneira
Samambaia, cidade satélite localizada na saída da capital para Goiânia.
Disse-me o superintendente que recém me recepcionara:
“Preciso que você conheça bem o lugar. E para
tanto, quero que apanhe esse carro e percorra a cidade toda nos próximos dois
dias. Somente depois disso, retorne ao trabalho e poderemos iniciar suas
atividades administrativas.”
Era tudo que eu podia imaginar de bom. Foi
uma oportunidade sem comparação. Durante dois dias percorri todos os lugares possíveis
de Brasília, tomando informações daqui e dali, sem jamais me sentir confuso nas
vias de circulação e na busca de endereços. E em menos de 24 horas eu já entendia
toda a lógica da cidade planejada pelos construtores.
Os monumentos da arquitetura de Niemeyer estão por todos os lugares |
Um eixo central corta o Plano Piloto de sul
a norte. Então temos o eixo Sul e o eixo Norte. Na verdade, o eixo central são as
asas de um avião, formato dado pelo projeto revolucionário do urbanista Lucio
Costa. Paralelo ao chamado “Eixão” correm os denominados “eixinhos”, onde se localizam
as quadras numeradas, de um lado com números pares e de outro com números
ímpares. Uma coisa extremamente lógica e sem dúbias interpretações. Em cada “Superquadra”
há comércio, restaurantes e escolas. Ou seja, as quadras praticamente possuem
vida própria. Nas pontas Norte e Sul destes eixos há núcleos de Estadia, Educação
e Saúde, onde se posicionam o Setor Hoteleiro, Setor Educacional e Setor
Hospitalar. O corpo do avião é a esplanada dos ministérios, onde se aglomeram
as autarquias e órgãos administrativos do governo federal. Isso é tão somente
um resumo do megaprojeto coordenado por estes dois gênios.
Mas os monumentos projetados por Niemeyer, e
que também foram responsáveis por tornar Brasília patrimônio cultural da
humanidade, estão presentes em todos os lugares. Desde a Praça dos Três
Poderes, onde se encerram o Palácio do Planalto, o Congresso Nacional e o Palácio
da Justiça, até a Catedral de Brasília, o Teatro Nacional, o Palácio da
Alvorada e o Itamaraty. São obras inomináveis por seu arrojo e ineditismo.
Niemeyer foi um dos primeiros arquitetos a fazer o concreto se curvar à sua
genialidade. Numa época em que os traços retilíneos eram a marca da
arquitetura, ele mostrou a possibilidade de vergar o dorso do rústico em prol
da beleza.
Moramos em Brasília durante quatro anos, num
local chamado Setor Octogonal, um residencial de oito condomínios na entrada da
Asa Sul, e depois mais cinco anos em Taguatinga, onde adquirimos um apartamento
no setor sul da cidade satélite. Felizmente fui agraciado por essa dádiva do
destino, de viver por quase dez anos numa realidade onde pude entender a
genialidade do maior arquiteto brasileiro, num lugar que concentra toda a sua
criatividade. Fica aqui o convite a todo brasileiro para que não deixe de
conhecer esta obra prima, mesmo depois da queima desta biblioteca que
infelizmente ocorreu nesta semana que passou.
2 comentários:
Meu caro Jairo,
primeiro obrigado por me mencionares na abertura de tua homenagem ao mago que fez arte com concreto.
Ele também é assunto de minha blogada dominical.
Tua celebração tem um plus: trazes as reminiscências de JB a tua homenagem.
Um bom domingo, com expectativa do advento de quarta-feira, quando almoçaremos juntos,
attico chassot
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