O modelo do movimento sindicalista brasileiro tem origem italiana |
“Experiência não é o que acontece com um
homem; é o que um homem faz com aquilo que lhe acontece”. O pensamento do
escritor inglês Aldous Huxley
(1894-1963) reflete muito do que eu penso no sentido do aprendizado que se
pode tirar das experiências ao longo da vida. Trago isso para refletir sobre um
tema que tomou grande proporção nas últimas semanas, a greve dos trabalhadores
do transporte público da capital.
A
palavra "greve" origina-se do francês grève, com o mesmo sentido, proveniente da
Place de Gréve, em Paris, na margem do Rio Sena, outrora lugar de embarque e
desembarque de navios e depois, local das reuniões de desempregados e operários
insatisfeitos com as condições de trabalho. O termo grève significa,
originalmente, "terreno plano composto de cascalho ou areia à margem do
mar ou do rio", onde se acumulavam inúmeros gravetos. Daí o nome da praça
e o surgimento etimológico do vocábulo, usado pela primeira vez no final do
século XVIII.
Originalmente,
as greves não eram regulamentadas, eram resolvidas quando vencia a parte mais
forte. O trabalho ficava paralisado até que ocorresse uma das seguintes
situações: ou os operários retornavam ao trabalho nas mesmas ou em piores
condições, por temor ao desemprego, ou o empresário atendia total ou
parcialmente as reivindicações para que pudessem evitar maiores prejuízos
devidos à ociosidade.
Eu também já fui grevista, e sei o quanto é difícil falar de posicionamento neste assunto. É como falar de religião, futebol e política. Claro que isso
não foi recente. Ocorreu há algumas décadas, mas foi muito importante como experiência
de vida. Nestes mais de trinta anos de vida profissional, foram inúmeros os
movimentos de paralisação que vivenciei e alguns até mesmo participei, às vezes
de forma ativa outras de forma passiva, seja como trabalhador, seja como
gestor. Em sua maioria possuíam razões essenciais para acontecerem. Em outros,
uma minoria, a massa de trabalhadores era manobrada em função de interesses, de
ascensão política e até mesmo de reivindicação duvidosa. Como esta dos
rodoviários, que parece ter a parceria dos proprietários de empresas de
transporte em busca do aumento das passagens.
As greves fazem parte da história da capital gaúcha |
Pelo menos esta é a minha visão, pois
imaginem as empresas pedirem aumento das tarifas neste caldeirão de movimentos
populares pedindo “passe livre” e melhoria das condições do transporte. Seria
uma afronta que certamente resultaria em quebra-quebra.
A primeira greve que vivi foi nos idos de
1979, quando era bancário na agencia de Canoas do extinto Banco Sul Brasileiro.
Assim que o movimento foi anunciado, eu e outros colegas da agencia resolvemos
aderir, apesar de arriscar nossos empregos sabidamente. Mas éramos estreantes
na classe trabalhadora, e qualquer experiência adicionada era muito válida.
Entramos na greve para saber o que era aquilo, como ocorria.
De um total de 50 trabalhadores na agencia, eu
entre uns dez tomamos a decisão de parar. Mas, alertados pelo sindicato dos
bancários, que à época era presidido pelo companheiro Olívio Dutra, deveríamos
diariamente comparecer à frente da agencia para tentar arrebanhar mais adeptos
para o movimento. Lembro que um dia fomos ameaçados pelo Tesoureiro da agencia,
que saiu à Rua Tiradentes, ali no centro de Canoas, com um trinta e oito em punho e bradando impropérios na defesa do seu grupo de trabalho (segundo ele).
Greve Estadual dos Bancários em 1979, em Porto Alegre |
Os comandos de greves eram destituídos
semana a semana, com a prisão sumária das lideranças, pois estávamos em pleno
regime de exceção. Lembro que Olívio Dutra foi um destes que permaneceu preso
por vários dias durante o movimento. Outros grupos se
sucederam e eram desfeitos com a prisão pelas tropas de choque do governo Amaral de Souza.
Foram 17 dias de paralisação, quando uma
negociação colocou fim ao movimento e libertou as lideranças presas. Retornamos
à agencia e surpreendentemente fomos bem recebidos pelo gerente, que nos
reintegrou sem maiores conflitos. Todavia, o Tesoureiro ficou em nossa alça de
mira. Curiosamente, seis meses depois foi demitido por justa causa, por
denuncia de desvio de dinheiro do banco.
Mas e quanto aos benefícios deste movimento,
pouca coisa foi agregada. Tivemos os dias parados descontados e quase nenhuma vantagem pode ser constatada “a posteriori”.
Outra experiência importante em minha vida
profissional, vivi quando trabalhava em uma grande indústria têxtil de
Blumenau, nos idos de 1989. É sabido que o Vale do Itajaí concentra um dos
maiores polos da indústria de malhas do país. São empresas como Artex, Teka,
Sul Fabril e Hering, entre outras. No dia 10 de fevereiro deste ano eclodiu a
maior greve que se tem conhecimento na região. Tecelões descontentes não aceitaram
os índices de aumento propostos pelos empresários e cruzaram os braços. Eu
estava entre estes trabalhadores naquela época.
Greve dos trabalhadores têxteis em 1989 no Vale do Itajaí - SC |
Não participei desta greve, e desde o início
resolvi adotar um comportamento de alienação, embora concordasse com as
reivindicações propostas pelo comando de greve. Mas algo naquele sindicato não
me cheirava bem, pois havia denuncias de que seu presidente compartilhava há
tempos de acordos espúrios com os empresários.
A greve perdurou por dez dias, envolvendo
mais de 40.000 trabalhadores. Um acordo foi fechado e, então, retomadas as frentes
de trabalho depois disso. Lembro que o sindicato prometia cestas básicas aos
trabalhadores em greve, coisa que nunca aconteceu. Houve também ocupação de
fábricas em alguns casos, com o caos tomando conta tanto de empresários quanto
de funcionários, pois ocorreram alguns abusos e depredações. Esta era uma
modalidade de greve desconhecida e que fora importada do ABC Paulista. Ocorreram
também prisões de lideranças e uma série de demissões na sequencia pós-greve. Ah! E anos depois, descobriu-se que o presidente do sindicato havia recebido uma casa de férias no litoral, fruto de alguns favores ao sindicato patronal, além de um veículo zero quilômetro na garagem, com explicações pouco convincentes em sua origem.
Aderir a uma greve deve ser um ato bem pensado |
Tanto na greve dos bancários em 1979 como na
greve dos têxteis dez anos depois, aprendi várias coisas. As greves são
importantes para mostrar a força dos trabalhadores diante do poder dos
empresários, e a capacidade de articulação dos sindicatos neste sentido. Os
movimentos “paredistas” trazem a marca no Brasil da descendência italiana, que
foi aquela com as quais nos identificamos desde as primeiras fábricas aqui
instaladas. Todavia, se deve perceber que algumas lideranças se utilizam
destes movimentos para alcançar cargos políticos relevantes, fazendo uso dos
trabalhadores e por meio delas buscando destaque na mídia e no cenário
trabalhista. Por isso, se deve considerar sempre os reais motivos que conflagram
os trabalhadores em busca de melhores salários ou condições de trabalho, e se
esta é a via mais adequada.
Pela minha experiência, penso que para nós
que trabalhamos com profissões de qualificação técnica, a adesão deve ser bem pensada e com muito bom senso. Aderir a uma greve deve levar em conta as responsabilidades assumidas. Acredito que a qualificação, a competência e as habilidades profissionais
deverão ser nossas armas para exigir melhor salário e boas condições de
trabalho. Isso está acima de qualquer coisa para um profissional de qualidade e seguro de sua atuação.
Se as empresas assim não nos valorizarem, cabe-nos preparar um bom currículo e
partir em busca de melhores oportunidades.
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