08 fevereiro 2014

MINHA EXPERIENCIA DAS GREVES



O modelo do movimento sindicalista brasileiro tem origem italiana
“Experiência não é o que acontece com um homem; é o que um homem faz com aquilo que lhe acontece”. O pensamento do escritor inglês Aldous Huxley (1894-1963) reflete muito do que eu penso no sentido do aprendizado que se pode tirar das experiências ao longo da vida. Trago isso para refletir sobre um tema que tomou grande proporção nas últimas semanas, a greve dos trabalhadores do transporte público da capital.

A palavra "greve" origina-se do francês grève, com o mesmo sentido, proveniente da Place de Gréve, em Paris, na margem do Rio Sena, outrora lugar de embarque e desembarque de navios e depois, local das reuniões de desempregados e operários insatisfeitos com as condições de trabalho. O termo grève significa, originalmente, "terreno plano composto de cascalho ou areia à margem do mar ou do rio", onde se acumulavam inúmeros gravetos. Daí o nome da praça e o surgimento etimológico do vocábulo, usado pela primeira vez no final do século XVIII.
 
A Place de Gréve hoje é um lugar de luxuosos apartamentos
Originalmente, as greves não eram regulamentadas, eram resolvidas quando vencia a parte mais forte. O trabalho ficava paralisado até que ocorresse uma das seguintes situações: ou os operários retornavam ao trabalho nas mesmas ou em piores condições, por temor ao desemprego, ou o empresário atendia total ou parcialmente as reivindicações para que pudessem evitar maiores prejuízos devidos à ociosidade.

Eu também já fui grevista, e sei o quanto é difícil falar de posicionamento neste assunto. É como falar de religião, futebol e política. Claro que isso não foi recente. Ocorreu há algumas décadas, mas foi muito importante como experiência de vida. Nestes mais de trinta anos de vida profissional, foram inúmeros os movimentos de paralisação que vivenciei e alguns até mesmo participei, às vezes de forma ativa outras de forma passiva, seja como trabalhador, seja como gestor. Em sua maioria possuíam razões essenciais para acontecerem. Em outros, uma minoria, a massa de trabalhadores era manobrada em função de interesses, de ascensão política e até mesmo de reivindicação duvidosa. Como esta dos rodoviários, que parece ter a parceria dos proprietários de empresas de transporte em busca do aumento das passagens.
As greves fazem parte da história da capital gaúcha

Pelo menos esta é a minha visão, pois imaginem as empresas pedirem aumento das tarifas neste caldeirão de movimentos populares pedindo “passe livre” e melhoria das condições do transporte. Seria uma afronta que certamente resultaria em quebra-quebra.

A primeira greve que vivi foi nos idos de 1979, quando era bancário na agencia de Canoas do extinto Banco Sul Brasileiro. Assim que o movimento foi anunciado, eu e outros colegas da agencia resolvemos aderir, apesar de arriscar nossos empregos sabidamente. Mas éramos estreantes na classe trabalhadora, e qualquer experiência adicionada era muito válida. Entramos na greve para saber o que era aquilo, como ocorria.

De um total de 50 trabalhadores na agencia, eu entre uns dez tomamos a decisão de parar. Mas, alertados pelo sindicato dos bancários, que à época era presidido pelo companheiro Olívio Dutra, deveríamos diariamente comparecer à frente da agencia para tentar arrebanhar mais adeptos para o movimento. Lembro que um dia fomos ameaçados pelo Tesoureiro da agencia, que saiu à Rua Tiradentes, ali no centro de Canoas, com um trinta e oito em punho e bradando impropérios na defesa do seu grupo de trabalho (segundo ele).

Greve Estadual dos Bancários em 1979, em Porto Alegre
Os comandos de greves eram destituídos semana a semana, com a prisão sumária das lideranças, pois estávamos em pleno regime de exceção. Lembro que Olívio Dutra foi um destes que permaneceu preso por vários dias durante o movimento. Outros grupos se sucederam e eram desfeitos com a prisão pelas tropas de choque do governo Amaral de Souza.

Foram 17 dias de paralisação, quando uma negociação colocou fim ao movimento e libertou as lideranças presas. Retornamos à agencia e surpreendentemente fomos bem recebidos pelo gerente, que nos reintegrou sem maiores conflitos. Todavia, o Tesoureiro ficou em nossa alça de mira. Curiosamente, seis meses depois foi demitido por justa causa, por denuncia de desvio de dinheiro do banco.

Mas e quanto aos benefícios deste movimento, pouca coisa foi agregada. Tivemos os dias parados descontados e quase nenhuma vantagem pode ser constatada “a posteriori”.

Outra experiência importante em minha vida profissional, vivi quando trabalhava em uma grande indústria têxtil de Blumenau, nos idos de 1989. É sabido que o Vale do Itajaí concentra um dos maiores polos da indústria de malhas do país. São empresas como Artex, Teka, Sul Fabril e Hering, entre outras. No dia 10 de fevereiro deste ano eclodiu a maior greve que se tem conhecimento na região. Tecelões descontentes não aceitaram os índices de aumento propostos pelos empresários e cruzaram os braços. Eu estava entre estes trabalhadores naquela época.
Greve dos trabalhadores têxteis em 1989 no Vale do Itajaí - SC

Não participei desta greve, e desde o início resolvi adotar um comportamento de alienação, embora concordasse com as reivindicações propostas pelo comando de greve. Mas algo naquele sindicato não me cheirava bem, pois havia denuncias de que seu presidente compartilhava há tempos de acordos espúrios com os empresários.

A greve perdurou por dez dias, envolvendo mais de 40.000 trabalhadores. Um acordo foi fechado e, então, retomadas as frentes de trabalho depois disso. Lembro que o sindicato prometia cestas básicas aos trabalhadores em greve, coisa que nunca aconteceu. Houve também ocupação de fábricas em alguns casos, com o caos tomando conta tanto de empresários quanto de funcionários, pois ocorreram alguns abusos e depredações. Esta era uma modalidade de greve desconhecida e que fora importada do ABC Paulista. Ocorreram também prisões de lideranças e uma série de demissões na sequencia pós-greve. Ah! E anos depois, descobriu-se que o presidente do sindicato havia recebido uma casa de férias no litoral, fruto de alguns favores ao sindicato patronal, além de um veículo zero quilômetro na garagem, com explicações pouco convincentes em sua origem. 

Aderir a uma greve deve ser um ato bem pensado
Tanto na greve dos bancários em 1979 como na greve dos têxteis dez anos depois, aprendi várias coisas. As greves são importantes para mostrar a força dos trabalhadores diante do poder dos empresários, e a capacidade de articulação dos sindicatos neste sentido. Os movimentos “paredistas” trazem a marca no Brasil da descendência italiana, que foi aquela com as quais nos identificamos desde as primeiras fábricas aqui instaladas. Todavia, se deve perceber que algumas lideranças se utilizam destes movimentos para alcançar cargos políticos relevantes, fazendo uso dos trabalhadores e por meio delas buscando destaque na mídia e no cenário trabalhista. Por isso, se deve considerar sempre os reais motivos que conflagram os trabalhadores em busca de melhores salários ou condições de trabalho, e se esta é a via mais adequada.

Pela minha experiência, penso que para nós que trabalhamos com profissões de qualificação técnica, a adesão deve ser bem pensada e com muito bom senso. Aderir a uma greve deve levar em conta as responsabilidades assumidas. Acredito que a qualificação, a competência e as habilidades profissionais deverão ser nossas armas para exigir melhor salário e boas condições de trabalho. Isso está acima de qualquer coisa para um profissional de qualidade e seguro de sua atuação. Se as empresas assim não nos valorizarem, cabe-nos preparar um bom currículo e partir em busca de melhores oportunidades.

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