14 fevereiro 2014

TERCEIRIZANDO A CULPA


Três momentos do cinegrafista Santiago Andrade
A semana foi permeada pelo assunto da morte do cinegrafista Santiago Andrade, da rede Bandeirantes de televisão. E não podia ser diferente, principalmente dadas as circunstâncias pelas quais ela ocorreu.

Acompanhei com bastante atenção os momentos que antecederam a prisão dos envolvidos, tanto do rapaz que inicialmente se entregou por causa da identificação das câmeras, assim como, daquele que num primeiro momento “virou pó”, e que, aconselhado pela namorada e pelo advogado, resolveu também pisar na cena com medo de ser “retaliado”. Digo retaliado porque me refiro a “retaliações” que poderia sofrer, mas também pode ser entendido como “retalhações” (aos pedaços), tal o poder da mídia e a velocidade da informação hoje em dia. Por certo, até no interior da Bahia, onde o réu tomava um fôlego para prosseguir em fuga à casa do avô no Ceará, poderia ser “retalhado” caso fosse reconhecido.

Toda vez que fatos como esses ocorrem, faço uma reflexão e me pergunto: “O que pode ter contribuído para que esses adolescentes tivessem tomado tais atitudes? De reunirem-se em meio a uma multidão para disparar rojões e coquetéis molotov contra a polícia e contra jornalistas que trabalhavam na cobertura? Será que não foi a sensação de anonimato que lhes conferiu coragem?”
O jovem torcedor boliviano Kevin Espada

Acredito que sim! O mesmo anonimato que acometeu alguns membros da torcida corinthiana em fevereiro do ano passado na Bolívia, quando um morteiro atingiu fatalmente o menino Kevin Espada. Na certeza de se acobertar sob o manto da impunidade que graça em muitos tumultos esportivos nacionais, um dos acusados, menor de idade, ainda aguarda o julgamento em liberdade em Guarulhos. Os demais ficaram presos 156 dias no país vizinho, mostrando que a justiça lá é menos condescendente do que a nossa.

Outro momento em que presenciei um ato destes, em que o anonimato encorajou atitude similar, foi quando morava em Brasília e recebemos a notícia da morte do índio Galdino. Ele que dormia num ponto de ônibus de Brasília, aguardando as comemorações do Dia do Índio, foi incendiado em seu colchão durante a noite por três adolescentes. Em depoimento após o crime, os acusados alegaram que acreditavam ser um mendigo, e que resolveram somente fazer uma “brincadeira” com ele. Como se fosse possível fazer brincadeiras isentas da responsabilidade que há nestas atitudes.
 
Índio Galdino não resistiu a queimaduras em 95% do corpo
O que fica destes três casos escabrosos, e observados sob a lente da responsabilidade da sociedade como laboratório desta juventude que aí está, são várias questões. Algumas relacionadas à responsabilidade da família na criação de nossas crianças, outras em relação à educação e à sua eficácia como forma de formar o cidadão e outras ainda sobre a justiça que tem se mostrado incompetente para punir e recuperar os desvios de conduta.

Agora, mais do que tudo isso, fiquei boquiaberto com a argumentação do advogado dos acusados da morte do cinegrafista, ao justificar o ocorrido com um provável subsídio das manifestações por partido político ou outra instituição. De que são eles que financiam e até instrumentam estes jovens para cometer vandalismos desta espécie. Como se não houvesse por parte de cada indivíduo a “capacidade do discernimento” entre o que é certo e o que é  errado. Pois mesmo sob os auspícios de quem seja, individualmente se deve levar em conta a responsabilidade por nossos atos.

A diferença no semblante de Caio antes e depois do crime
Me pareceu que, fazendo uso de um expediente tipo “cortina de fumaça”, o advogado desmereceu as instituições de investigação policiais e arremeteu a culpa para o financiamento dos movimentos. Ideia essa que pareceu surgir de improviso, quando acossado pelos órgãos de imprensa. Ou seja, seus clientes são meros “marionetes” de uma organização criminosa financiadora dos atuais protestos de rua. Eles não possuíam qualquer intenção de fazer aquilo que ali foi visto ali e documentado. Observe na imagem de Caio Silva de Souza, o semblante arrogante do manifestante e a imagem patética e assustada de suspeição. Dolo ou culpa? 

Por parte do advogado, um “sofisma” tendencioso, uma falácia na tentativa desesperada de buscar alternativas para livrar os meninos de uma responsabilidade que não assumiram quando para lá se dirigiram no final da tarde. Quando lá se encontraram e resolveram acionar o rojão. Típico comportamento de quem crê que o anonimato é sempre possível, principalmente quando se está em dupla, reunido em grupo. Ledo engano, pois aprendi desde cedo com meu pai que “a multidão é burra, e não responde por seus atos”. Basta ver o que pode acontecer num estádio de futebol lotado. Todo mundo ali é corajoso, até que algo dê errado e que se exponha a nudez em palco público, onde ninguém quer assumir a autoria diante das responsabilidades.

Aprendi também com meu pai a observar as “lideranças negativas”, capazes de atiçar o fogo e ficar só de longe vendo a cena incendiária! É isso que falta a estes jovens aprender dentro de casa, com a família. E não agora tentar "terceirizar a culpa"!

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