15 março 2014

GESTÃO DE SST PARA SERVIDORES PÚBLICOS Entrevista com o Eng. Luiz Francisco Pedroso Lopes

Na década de 1970 o Brasil foi Campeão Mundial de Acidentes de Trabalho
No ano de 1972 o Brasil foi detentor de um título muito infeliz para a reputação nacional e para os trabalhadores, “Campeão Mundial de Acidentes de Trabalho”. Diante desta realidade, o governo militar procurou na legislação uma forma de amenizar esta tragédia, já que a própria repressão já alertava o mundo democrático que aqui as coisas não iam bem. Foi quando surgiram as Normas Regulamentadoras no cenário da segurança do trabalho, através da conhecida Portaria 3.214 de junho de 1978.

Mas até hoje, creiam leitores, nem todos os trabalhadores são assistidos por esta legislação. Os órgãos públicos prescindem de uma legislação mais efetiva que proteja os trabalhadores estatutários, aqueles que não se registram pela Consolidação das Leis do Trabalho, CLT.

Por isso, nesta semana, o Blog do Prof. Jairo Brasil entrevista Luiz Francisco Pedroso Lopes, engenheiro de segurança do trabalho do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Luiz Francisco atualmente representa o Estado do Rio Grande do Sul no Grupo de Trabalho (GT) nacional em Brasília, responsável pela elaboração de um Projeto de Lei federal em prol de uma Gestão de SST aplicável aos servidores públicos.
 
Eng. Luiz Francisco entre os participantes do Grupo de Trabalho Nacional, reunido em Brasília
A seguir, as respostas do engenheiro Luiz Francisco para o Blog do Prof. Jairo Brasil.     

BLOG do Prof. Jairo Brasil: Por que as empresas públicas não possuem as mesmas regras da legislação para atender a saúde e a segurança de seus funcionários, tal como as empresas privadas, que possuem funcionários em regime CLT e demais observados pelo item 4.1 da NR 04 que trata do SESMT?

Eng° Luiz Francisco: Em primeiro lugar, esclarecendo, na Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA) têm-se repartições públicas em regime dito Centralizado, onde o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) está incluído e sob “subordinação” financeira, da SMF - Secretaria Municipal da Fazenda; Gestão de Servidores, da SMA - Secretaria Municipal de Administração; da SST, de certa forma, nosso “SESMT”. É ela que coordena as nossas CSST - Comissão de Saúde e Segurança no Trabalho, equivalendo às CIPA da NR 5, ou seja, a GSSM-Gerência em Saúde dos Servidores Municipais, subordinado pela SMS-Secretaria Municipal da Saúde e tem mais as Autarquias, como o DMAE, o DMLU, as empresas de economia mista, como a CARRIS , a EPTC, sendo que estas possuem o SESMT, pois a maioria de seus servidores, em mais de 95%, são regidos pela CLT.
Espaço Confinado é realidade constante no DEP

Concluindo, as Legislações em SST, vigentes, foram “criadas” para a “proteção” dos trabalhadores de regime CLT. Para estatutários, como eu e para 70% da totalidade de Servidores da PMPA, inexiste a obrigatoriedade de Gestão em SST. Há um Decreto-lei Municipal de nº 18158 de 18-01-13, que “obriga” a  implantação das CSST em todas as secretarias ou departamentos, centralizado ou não, na PMPA. Felizmente, hoje, têm-se em torno de 85% destas CSST implantadas e em funcionamento nas repartições públicas da PMPA, exceto, nas empresas de economia mista, onde existe obrigatoriamente as CIPA.

Blog: Como surgiu esta ideia de buscar caminhos para se criar um Sistema de Gestão em saúde e segurança aplicáveis aos funcionários estatutários em todos os níveis do Poder Executivo?                                                                    

Luiz Francisco: O que tenho conhecimento, é sobre as CIPAs, que de certa forma, e com iniciativas de alguns servidores de secretarias, “funcionavam” mas  com pouca divulgação e durabilidade. Isto entre os anos de 1994 a 1997. No DEP, no primeiro semestre de 1998, a Direção Geral do departamento  solicitou a um colega que criasse um Grupo de Trabalho e constituísse uma Comissão Eleitoral para formalização de uma CIPA organizada, legítima e referenciada pela NR 5.
 
Servidores Públicos enfrentam riscos no dia a dia de suas atividades
nas galerias e esgotos pluviais de Porto Alegre
Fui convidado a participar deste GT, e interessei-me pelos resultados das reuniões e encaminhamentos. Resolvi participar como candidato na 1ª eleição organizada no DEP, onde 96% dos servidores lotados e com matrícula funcional no departamento votaram. (na época, havia aprox. 300 Servidores, desses, 35 da CLT).

Fui o mais votado e por “acordo” com a Direção, me tornei Presidente da CIPA por este motivo. O Vice foi indicado pelo Gestor Principal.

Nessa primeira Gestão, 1998/1999, concentrei-me na organização,  nas necessidades e carências e em detectar a estrutura de que dispúnhamos em matéria de SST. Paralelamente, comecei a perceber que a NR 5 era direcionada somente aos trabalhadores do regime CLT.  Compreendi ainda que na PMPA não havia algum Grupo de Trabalho ou Comissão em SST, organizada ou com “poder de Gestão”, e que estendesse sua atuação aos demais servidores. Na segunda Gestão, 1999/2000, fui reeleito e, já com o trabalho mais organizado nos cientificamos que a NR 5 era impraticável para nós servidores públicos estatutários. Exemplo? Quem é o nosso Empregador que deverá indicar o Presidente? Resposta: Todos que pagam impostos na cidade de POA. Esses são os nossos Empregadores... Seria possível “eles” escolherem o Presidente da CIPA no DEP, conforme a NR 5?

Neste mesmo período criei o RICIPA – Regimento Interno da CIPA no DEP, ou seja, uma norma “precursora” readaptada da NR 5 aos Servidores Estatutários.

No ano de 2000, depois de dois Seminários da CIPA na PMPA, promovida pelo Governo Municipal, foi criado e participei do GT dos presidentes ou designados das CIPAs existentes (havia aproximadamente 14 CIPAs). Nesse GT, com nove indicados, formalizamos e propusemos ao Governo Municipal um Projeto de Lei instituindo a CSST-Comissão de Saúde e Segurança do Trabalho. Os representantes do Governo solicitaram um tempo para “estudar a proposta” e fornecer em breve um retorno.

O retorno veio posteriormente, mas não sob a forma de Lei Municipal, como gostaríamos, mas através de Decreto Municipal nº 14725 de 05-11-2004.

Eng. Luiz Francisco participou da Conast em Goiania-GO

Blog: De que forma você tem participado desta iniciativa inédita pela criação do Sistema de Gestão em SST para servidores estatutários?                           
  
Luiz Francisco: Como Presidente da CIPA/DEP, no GT no ano de 2000, e durante este período, participando em GTs Municipais, como Prevencionista Voluntário. Também como Supervisor de Estágio de alunos dos cursos de  Técnico em Segurança do Trabalho. Em 2004, entrei na Associação Riograndense dos Engenheiros de Segurança (ARES), onde pude ministrar palestras técnicas, de capacitações em NR 33 – Espaço Confinado. Participei ativamente no desembargo do DEP em agosto de 2008, provando que a NR33 têm que ser adaptada às peculiaridades das atividades naquele departamento, que lida muito nestes locais. Participei também de inúmeros eventos como representantes da ARES.

Também por iniciativa própria participei de debates relacionados à Gestão Obrigatória em SST dos Servidores Públicos de Regime Jurídico Estatutário em Goiania, na Conferencia Nacional de Segurança e Saude no Trabalho do Serviço Público (1ª CONAST), ocorrida em dezembro do ano passado. Hoje, sou o representante do RS, perante o GT Nacional dos Servidores Públicos, que se reúne em Brasília para discutir o futuro do Sistema de Gestão em SST.

Blog: Em que patamar estão as negociações com os órgãos governamentais para que isso se torne uma realidade?

Luiz Francisco: Na Prefeitura Municipal de Porto Alegre, foi solicitado indicações de Servidores, de diferentes Secretarias, que atuam em SST, para a Composição de um GT Municipal para fins de revisão ou propostas de Gestão em SST, duradoura, baseado nas Legislações existentes. Pelo DEP, serei o representante.


Em nível Nacional, após o Evento em Goiania, no qual fui uns dos Painelistas, apresentando a Gestão CSST na prefeitura de Porto Alegre, a minuta de Projeto de Lei resultante dos debates e propostas aprovadas nesse evento está em nova formatação. Na reunião do GT Nacional dos servidores públicos, ocorrida em Brasília no último dia 13 de fevereiro, decidimos reavaliar e readequar as propostas, elaborando uma minuta de Projeto de Lei que cria (ou implanta) nacionalmente uma Gestão Obrigatória em SST aos Servidores Públicos Federais, Estaduais e Municipais em todo território nacional. Este documento contem diretrizes para referenciar a implantação em nossas unidades federativas.  

Estamos cientes que as NRs são de grande valia e referência, sem dúvida nenhuma. Mas, como ocorre aqui em Porto Alegre, tanto a NR 5 quanto a NR 33 devem ser adaptadas às nossas particularidades. No DEP já adaptamos a NR 33 aos nossos procedimentos, nos casos de adentramento, permanência e rastreabilidade do Espaço Confinado e Rede de Esgotos Pluviais ou Mistas. Tenho inclusive um artigo publicado em meio eletrônico sobre isso (http://www.ppci.com.br/pdf/nr33repm.pdf).

No início de abril haverá a 2ª Reunião do GT Nacional em Brasília, onde definiremos e encaminharemos a minuta de Projeto de Lei Federal em Gestão em SST dos Servidores Públicos e, nesse caso, por extensão a todos do Regime Jurídico Estatutário. Temos alguns aliados políticos no Senado Federal e na Câmara dos Deputados. Buscamos convencê-los da importância e dos benefícios deste projeto de Lei. O GT sabe que é importante ser aprovado em 1ª instância, numa Audiência Pública e, posteriormente, o convencimento dos demais parlamentares. Vamos, “democraticamente”, enfrentar essa luta, com Saúde e Segurança, mas sempre unidos. A hora é agora!

Blog: E quando for criado este novo sistema, como você acha que ele ocorrerá dentro do serviço público? Que barreiras você visualiza no futuro, caso isso aconteça?

Luiz Francisco: Após sua aprovação e passados os “prazos legais de implantação”, acredito que esse GT Nacional e seus componentes terão de auxiliar, capacitar através de seminários e palestras. Teremos muito trabalho, e isso é salutar quando é para o bem do trabalhador servidor público.

Quanto às possíveis barreiras no caminho do Projeto de Lei, a principal deverá ser “financeira”. Há necessidade de investimentos em melhorias no ambiente funcional, juntamente com os gastos em exames médicos periódicos, mudança de função ou de retorno de Licença Médica (afastamento), sem mencionar ainda os custos em infraestrutura na informatização do sistema, nos programas comuns a todos, nos registros de Acidentes de Trabalho e estatísticas diversas etc....(Isso é só o começo...)

Convencer gestores em sua administração (quatro anos) da necessidade de investir, e priorizar a SST, sendo que o retorno destes “investimentos” ocorrerá, possivelmente, fora de sua Gestão.

A solução em contornarmos esses “obstáculos” é trabalhar no sentido da persuasão, do convencimento sempre...

O Conast foi realizado em dezembro de 2013
Blog: Implantado o novo sistema destaque quais serão os maiores benefícios para os trabalhadores da iniciativa pública.

Luiz Francisco: Conforme “escrevestes”, os trabalhadores da iniciativa pública terão dois caminhos a seguir:

a)Sendo da CLT, cumprir rigorosamente o que determina as Normas Regulamentadoras;

b)Atender as Legislações Municipais, Estaduais ou Federais, próprias aos Servidores Estatutários, como a CSST que é o homônimo da NR 5-CIPA.

Blog: Você gostaria de incluir mais outro tema ou responder alguma pergunta que não foi incluída nesta entrevista?

Luiz Francisco: Não, no momento. Vamos priorizar e que o “Pai Maior nos emana do Alto: força, saúde, perseverança, paciência e sucesso nesta “grande batalha” que entramos, esperando a vitoriada nossa luta”...

Blog: Deixe uma mensagem para os estatutários seus colegas e o que eles podem esperar deste esforço que conta com a sua participação. 

Luiz Francisco: Precisamos ter persistência, paciência, coragem, otimismo, espírito de grupo, união e buscar de forma constante a melhoria de nossas condutas profissionais. Principalmente precisamos conscientizar aqueles mais carentes de instrução, educação ou financeiramente. Necessitamos melhoraro ambiente profissional, pois, de certa forma “somos privilegiados” em ter esse saber, aliados com a prática (vivência...).

Mas seremos julgados pela nossa “própria consciência” e pelo servidor ou trabalhador mais humilde, se não repassarmos o que temos dessa experiência e que assegure um ambiente de trabalho  saudável e harmonioso!

Grande abraço, meu amigo, mestre e prof. Jairo Brasil...


Um comentário:

Anônimo disse...

Prof. Jairo, interessante e importante conteúdo e aprendizagem temos com esta entrevista e alegra-nos saber dessas gestões na busca da aplicação da SST e especialmente das Normas de prevenção também aos servidores públicos não celetistas. Em 1996 fui relator e aprovamos na UFRGS as COSATS - Comissões de Saúde e Ambiente de Trabalho e os CONSSATS - Conselhos de Saúde e Ambiente de Trabalho. Temos nas COSATS todos o membros eleitos, sempre a escolha da legislação mais favorável ao trabalhador, mesmo que internacional, assim como um curso de formação que ministro com cerca de 45 horas aulas, sendo que a último edição foi em novembro-dezembro de 2013. Exercemos cargos de gestão no campo da SST e hoje temos o Departamento de Atenção à Saúde que congrega várias Divisões, todas ligadas a saúde dos servidores e alunos. Já ministramos cursos e palestras para mais de 1000 pessoas ao longo desses anos, na UFRGS e fora dela, levando a idea da participação dos trabalhadores na melhoria das suas condições de trabalho. Implementamos ainda em 2000, quando dirigíamos a área de Segurança do Trabalho, um sistema informatizado de perícias técnicas de insalubridade e periculosidade, dando a esta questão antes meramente pecuniária, um interesse na promoção da saúde e identificação, nas áreas de perícia médica, de possíveis adoecimentos relacionados aos riscos no trabalho. Hoje o Serviço Público Federal trem o SIAS-Sistema Integrado de Atenção à Saúde do Servidor, buscando implementar sistemas e comissões que na UFRGS já implementamos em 1996 oficialmente. Procuramos agora avançar ainda mais com o Mestrado e dentro dessa nova etapa de formação, ofereceremos importante produto social para a qualificação do campo prevencionista não apenas nos serviços públicos, mas para todas as empresas. Aguardemos.
Prof. Gerson Rocha...