02 maio 2014

LEITURAS MÍNIMAS

A "Leitura Mínima" reduz a capacidade de compreensão
Já não me surpreende mais a escassez de leituras entre nossos estudantes, seja qual for o curso de formação frequentado. Estamos diante de uma geração que se pode denominar da “leitura mínima”. Os textos devem ser breves, bastante sintéticos, facilitados ainda e, quando possível, bem “mastigados” para a compreensão geral.

Um grande exemplo disso são as redes sociais, cuja economia de conteúdo atrai multidão de conectados, impacientes com as extensões de parágrafos que aprofundem assuntos. Não que isso seja inconveniente nestes espaços, pois foram construídos para tão somente “dar tintas” do assunto. Mas o que se tem visto é cada vez mais uma demasiada simplicidade redativa, o que leva a efeitos conclusivos nefastos; até porque, "reles leituras" podem resultar em ignorância e, porque não dizer, em injustiças.

Alunos adeptos da leitura se expressam melhor
A ausência da “Leitura” na formação básica de nossos alunos também tem contribuído sobremaneira nesta evolução negativa do conhecimento. Há casos em que também os docentes, ao serem interpelados sobre quais títulos teriam lido nos últimos meses, sequer sabem citar o autor ou a obra. Isto comprova a displicência com que a Leitura é tratada em nossa formação.

Como se não bastasse, a ausência de leituras também é a grande responsável pela dificuldade de escrita e de argumentação oral do aluno. Sem a bagagem das leituras, o indivíduo se empobrece de termos e expressões. O professor competente é capaz de detectar já no primeiro contato a experiência do aluno com a Leitura. Ao pronunciar as primeiras palavras é notória a riqueza de vocabulário de quem teve/tem contato com ela. A facilidade de tratar os assuntos de forma ordenada e com riqueza de detalhes, de se fazer entender sem muita dificuldade, é uma habilidade do aluno leitor.

A deficiência de leitura se reflete nas respostas de avaliações
E para nós docentes, que muitas vezes dependemos da leitura e do entendimento de textos, seja de um conceito, seja de uma legislação, vemos surgir inúmeras barreiras diante daqueles que pouco se dedicam ou nunca dedicaram tempo à Leitura. E o pior! Alguns, ainda dentro do curso, apesar de nossos apelos, seguem resistindo à leitura. O resultado é catastrófico: respostas em avaliações simplesmente absurdas, incompletas e, muitas vezes, sem qualquer nexo com o que está sendo solicitado.

Outro dia eu pedia numa questão de avaliação sobre Equipamentos de Proteção Individual, os famosos EPIs, qual tipo de proteção deve utilizar o soldador para que se proteja dos raios ultravioletas emitidos pela queima do eletrodo. A resposta não podia ser pior! Ao ler fui tomado de grande surpresa. Estava literalmente assim: “Neste caso o trabalhador deve utilizar o IPI Máscara de Ferro”.
O aluno confundiu a realidade com a fantasia 

Bem, ao fazer a correção da avaliação em sala de aula temos de tomar cuidado para não expor o aluno diante da turma. Chamei-o à parte, fiz a pergunta “In Off” sobre o que ele entendia por IPI? Logicamente não sabia que era um imposto federal cobrado sobre os produtos industrializados. Mas ainda foi capaz de me dizer que isso era “tudo a mesma coisa”. Depois perguntei se havia assistido a todos os filmes do Leonardo Di Caprio. Me disse que “Não”, no que eu duvidei, pois este foi o ator da última versão do clássico dirigido por Randal Wallace em 1998. Talvez tendo lembrado da película escreveu sem pestanejar.

As “leituras mínimas”, como chamo, são capazes de levar a este tipo de conclusão imediata, sem um aprofundamento do assunto. E este é o grande perigo para quem busca “qualificação” no intuito de preservar uma coisa tão importante, a saúde do trabalhador. Sei que minhas ponderações em relação à importância da leitura muitas vezes são vistas como um certo “exagero”. Mas não há como interpretar um conteúdo, sem que haja o entendimento do que aquele autor tinha em mente quando o escreveu.

Aurélio, o dicionário mais conhecido
E neste sentido, outra coisa tenho visto que me preocupa, uma verdadeira terraplanagem das palavras desconhecidas dos textos. O uso do dicionário é fundamental para que se entenda o contexto daquilo que foi escrito pelo autor. Todas as vezes que atropelamos as palavras, eliminamos a possibilidade de entendimento do texto. Por isso, muitos alunos se queixam, de que estudaram a tarde inteira para aquela avaliação e se saíram mal. Muitas vezes o texto que estudam está crivado de palavras e expressões inéditas que só o “pai dos burros”, como é comumente chamado, é capaz de elucidar.

Um de meus autores favoritos é Luiz Augusto Fischer. Natural de Novo Hamburgo, Luis Augusto é filósofo, escritor e professor da UFRGS. Outro dia estava lendo a respeito de uma das suas últimas obras, Filosofia mínima, em que o mesmo destaca que esses exercícios intelectuais da leitura, da escrita, do ensino e da aprendizagem estão cada vez mais fora de moda, e que há necessidade de se retomá-los. Na obra, Fischer diz que neste mundo fragmentado, cujos espaços existentes são preenchidos pelas redes sociais, a leitura atenta, reflexiva e de formação é cada vez mais escassa, e que alguns dos envolvidos nesta questão tem defendido a adaptação a textos mais breves e curtos para facilitar a compreensão dessa nova geração. Atitude essa a que o autor é totalmente avesso.
Luis Augusto Fischer, filósofo e professor gaúcho

Assim como ele, também sou contra esta “sintetização” de uma das maiores habilidades do ser humano, o poder de argumentação. E quanto mais reduzimos nossa aptidão de oratória e de escrita, apelando às chamadas “leituras mínimas”, mais nos tornamos pobres de espírito e miseráveis na capacidade de entender o mundo.

Um comentário:

Attico CHASSOT disse...

Meu caro Jairo,
Nesta manhã de sábado, quando o jornal que é hegemônico nestas plagas, em seu novo visual deixa de publicar o caderno Cultura faço de teu blogue alternativa.
Sou premiado com teu excelente testo acerca da "não-leitura". Endosso tua análise, inclusive quando afirmas que também entre nós professores grassa esta crise.
Lamentavelmente todos nós estamos lendo menos. A internet não apenas nos rouba horas de leituras em suporte papel, mas nos seduz com uma leitura ligeira e superficial,
Bons tempos aqueles que se pegava um livro e ia lê-ló na rede!
Parabéns pela qualidade da edição e também pelo aniversário do autor.
Com espraiada admiração
Attico Chassot