16 abril 2011

DOIS EDUCADORES E SUAS CONTRIBUIÇÕES

A edição do Blog desta semana é bem mais amena, como prometido tempos atrás, e quer trazer aqui dois grandes exemplos na área da educação. O primeiro é bem próximo a nós, especialmente de mim, que fui seu orientando, enquanto aluno do Mestrado em Educação de 2006 a 2008. Mora em Porto Alegre e tem nada menos que um Cinqüentenário a comemorar como docente em várias instituições do Estado (UFRGS, PUCRS, ULBRA, UNISINOS, IPA entre outros): professor Attico Chassot. E nessa comemoração dos 50 anos como docente, convidou-me para fazer a leitura crítica de sua obra “Memórias de um Professor: hologramas desde um trem misto”, que esta semana foi aprovada de forma unânime pelo conselho editorial do IPA – Instituto Metodista para publicação, e cuja capa muito bem escolhida pelo próprio autor é esta acima, mostrando o trem que foi imagem presente desde a infância do professor. A obra faz um resgate da trajetória do Professor Chassot, desde seu início de carreira no município de Montenegro, no Colégio Jacob Renner, nos idos de 1961. Tive grande prazer em ser convidado para fazer parte de mais essa etapa da carreira do Mestre Chassot e faço convite a todos os meus leitores a adquirirem a obra que em breve estará nas livrarias, ou então acessar o blog do professor Chassot em http://www.mestrechassot.blogspot.com É ele que emoldura juntamente comigo a abertura deste meu blog, nessa foto da página inicial.

Na seqüência quero trazer um outro grande mestre da educação. Este, de descendência francesa, foi professor de Ciências da Educação da Universidade de Paris e tem grande expertise nas realidades de professores e alunos, pois passou praticamente vinte anos estudando as relações que as pessoas estabelecem com o conhecimento. Para Bernard Charlot, “quando falta reflexão no saber e aventura em classe, a escola perde o sentido original.” Segundo Charlot, há uma semelhança muito grande entre a escola francesa e a brasileira, embora as situações como a do Ensino Básico sejam universais. A título de leitura complementar ao texto de Charlot, gostaria de sugerir duas excelentes obras do autor: "Da Relação com o Saber" e "Os Jovens e o Saber", ambos da Editora Artmed.

Atualmente, Charlot acompanha de perto a realidade das escolas brasileiras, principalmente as do Nordeste, pois vive em Aracaju, como professor de pós-graduação da Universidade Federal de Sergipe, e é casado com uma professora brasileira.

Extraí trechos dos mais significativos de uma recente entrevista concedida por Bernar Charlot à Revista Nova Escola, em sua última edição. Vejam o que ele diz a respeito desse conflito que prepondera em muitas salas de aula da realidade atual.

Há duas línguas diferentes sendo faladas na escola: a dos professores e a dos alunos. Para os alunos, há uma lógica no ato de estudar e, para os professores, há outra. Ouço muito das crianças: “Fui a todas as aulas, estudei em casa e não concordo com as notas que recebi.” O professor retruca, afirmando que o estudante é preguiçoso e não entendeu a matéria. Esse descompasso revela o grande abismo que existe entre as pessoas e interfere no processo de aprendizagem.

O objetivo de minhas pesquisas não é encontrar vítimas e vilões. Os dois lados têm suas razões. E digo isso com sinceridade. Qual a trajetória de alunos e professores na construção do saber? Isso sim é importante e explica o ponto de vista de cada um. Estudar a ótica do outro é a primeira lição que alunos e professores precisam aprender. Mesmo assim, o diálogo verdadeiro ainda é muito difícil.

A instituição escolar defende que, se o estudante não fez as tarefas, não leu nem adquiriu um saber intelectual, ele pode ser reprovado. Para esse aluno, isso é uma injustiça, algo ilógico. A maioria dos estudantes gosta de ir à escola para comer, namorar e brincar. Nunca ouço que é um lugar para aprender. Para eles, os estudos, os trabalhos e as pesquisas existem para atender apenas aos interesses da escola. Assim, professores pensam que ensinam e alunos pensam que estudam.

Há milhares de motivos pelos quais os jovens imaginam que a escola é o lugar do lazer e não do saber. É importante descobri-los, mais do que criticar. Os conflitos nascem quando o professor explica algo que não é compreendido. Ainda tranqüilo, e com outras palavras, ele explica de novo, e outra vez sem sucesso. Rapidamente, ele vai considerar o estudante um incapaz. O educador culpa o aluno, mas se sente fracassado também porque a turma não avança. O jovem, por seu lado, pensa que o professor não sabe ensinar. O clima fica tenso e uma coisa sem importância vira estopim para uma agressão verbal ou física.

Ser professor hoje em dia é uma missão quase impossível. É preciso ter jogo de cintura para enfrentar as diversas contradições. O aluno vai à escola sem ter recebido uma socialização prévia. No passado, quando apenas uma pequena parte da população tinha acesso à Educação formal, não havia esse problema. Os pais preparavam os filhos para essa etapa da vida e os irmãos mais velhos, que também freqüentavam a escola, ajudavam os mais novos. Porém, quando toda a população passa a estudar, você se vê diante de crianças que não foram preparadas para as situações de aprendizagem. A dificuldade atual da escola é conseqüência da democratização. E quem há de reclamar disso?

O professor espera encontrar em sala de aula um clone ideal dele mesmo, ou seja, uma pessoa que ele gostaria de ser: crítico, reflexivo, leitor e dedicado. Mas o professor também deseja alunos obedientes. E essa contradição é insolúvel. Como ser, ao mesmo tempo, obediente, crítico e inquieto com a realidade? Na verdade, os critérios estão quase sempre baseados no comportamento: muitos acreditam que o bom aluno é aquele que não atrapalha o andamento da aula, chega na hora certa, levanta a mão para fazer perguntas inteligentes e conta com o interesse dos pais pelos estudos.

Uma vez ouvi esta frase: “Gosto muito do meu professor porque ele nos trata como seres humanos.” Ilude-se quem pensa que os meninos e as meninas esperam um amigo ou um colaborador mais velhos. Os jovens querem se relacionar com um profissional maduro. Outro ponto importante: eles não querem ser números. Não há nada pior para uma criança ou um adolescente do que encontrar seu professor na rua e não ser reconhecido. Os jovens não agüentam ser tratados como anônimos. Isso confirma uma das principais competências que se espera de um profissional da Educação - a capacidade de se relacionar. E acrescento: com humor, que é o melhor remédio para enfrentar as contradições do universo da Educação.

Existe uma tensão que faz parte do ato pedagógico. O primeiro problema que o docente enfrenta é não produzir diretamente seu trabalho. Explico: o que faz o aluno aprender é sua própria atividade intelectual, não a do mestre. O trabalho do educador é despertar e promover essa atividade. É assim, sempre foi e sempre será, em qualquer sociedade e época. Se o estudante fracassa, a culpa é do professor, por mais que ele não tenha o poder de enfiar o saber dentro da cabeça do jovem. Essa tensão se converte facilmente em conflito quando o aluno se sente pressionado ou enganado. Mas os conflitos nem sempre são negativos. Penso que é uma sorte viver tantas contradições. Para ser feliz é preciso renunciar a uma idéia enganosa de felicidade. O humor, a reflexão e o prazer são imprescindíveis para aceitar as diferenças e é isso que permite avançar. Já imaginou uma escola sem conflitos? Seria muito monótona.

Uma pesquisa feita na França com estudantes do Ensino Médio mostrou que eles usam o que foi aprendido na escola para pensar e construir novos saberes. Eles conseguem fazer essa transposição. Não há relação direta entre fracasso escolar e classe social. Apesar de, em termos estatísticos, existir uma probabilidade maior de alguém de classe popular fracassar nos estudos, muitos são bem-sucedidos. Mas também há uma grande quantidade de filhos da classe média que são reprovados. Minhas pesquisas têm por objetivo entender o que acontece especificamente com os que enfrentam dificuldades. Se o pai é imigrante, está desempregado ou ausente, não importa para a análise, mas sim o que a criança faz dessas condições. Para isso, precisamos saber se ela estuda e, principalmente, por que estuda; ou seja, que sentido tem a escola para ela. Esse aspecto é interessante e inusitado.

A maioria dos alunos acredita desempenhar seu papel em ir à escola todos os dias, não fazer muitas bobagens e escutar o professor. Enfim, cumprir um protocolo. Eles vão à escola para passar de ano até conseguir um trabalho, dinheiro e uma vida considerada normal e não necessariamente para construir capacidades. A primeira lição que aprendem é obedecer. E aí se vê um pacto silencioso de cumplicidade com os professores: Você obedece e não atrapalha minhas aulas. Em contrapartida eu só passo lições e provas fáceis. Para outros jovens, o estudo é uma conquista permanente que exige muita força de vontade, esforço e dedicação. No geral, pobres e ricos apresentam as mesmas características. Nos dois lados, encontramos o tipo que não sabe o que está fazendo no colégio.

Quando perguntamos a alguém por que ir à escola, a resposta imediata é “obter um emprego”. Muitos se esquecem de que não é a escola que garante o emprego. Ela tem outro papel, bem mais amplo e importante. Para conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho, é preciso adquirir saberes, desenvolver a imaginação, construir referências para entender o que é a vida, o que é o mundo e o que é a convivência com os outros. Há uma grande perda de tempo e energia quando isso não acontece. Todos se sentem lesados, e não poderia ser diferente. Quando a Educação se preocupa demais com o mercado de trabalho, ela exclui os mais pobres. A escola e o saber ainda são a grande chance de ascensão social para muitos e estão se tornando uma maldição para os jovens mais fracos e mais desfavorecidos economicamente. Quem não tem um diploma não consegue emprego, certo? O mesmo vale na França, no Brasil e em qualquer lugar do mundo. A escola ideal é aquela que faz sentido para todos e na qual o saber é fonte de prazer. Isso não quer dizer que dispense esforço. O esportista, para ter satisfação, se empenha muito. Ainda hoje, um grande número de professores pensa que sua função é dar respostas, mas elas não significam nada se não houve um questionamento anterior. Os estudantes estão decorando coisas que nem sequer entendem. O trabalho do professor é fazer nascer novas questões e o interesse pela escola. Caso contrário, ele gasta o ano letivo em embates sem solução.

Fonte principal consultada: Revista Nova Escola - Edição de abril 2011

Um comentário:

João Rodrigo disse...

Concordo com você professor. Sou pedagoga (e sua aluna da tst 111) e acredito também que o nosso papel não é dar respostas prontas ao aluno e sim incitá-los a encontrar por si mesmos, ou seja, somos facilitadores da aprendizagem e não donos do saber.